quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Na pressa para atacar a Síria, EUA tenta impedir que a ONU investigue

27/8/2013, [*] Gareth Porter, InterPress Service

In Rush to Strike Syria, U.S. Tried to Derail U.N. Probe

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Secretário de Estado John Kerry (foto quando era senador em 2009) chamou o uso de armas químicas na Síria uma “obscenidade moral”. Crédito: Ralph Alswang, Center for a American Progress Action Fund / CC de 2,0
Depois de ter insistido, de início, que a Síria desse pleno acesso aos investigadores da ONU, até os locais onde teria havido um atentado com gás venenoso, o governo do presidente Barack Obama mudou de conversa no domingo; e passou a tentar, sem sucesso, que a ONU abortasse sua própria investigação.

Essa virada repentina, que aconteceu horas depois de Síria e ONU terem acertado os detalhes da ação dos investigadores, foi noticiada pelo Wall Street Journal na 2ª-feira e confirmada no mesmo dia, mais tarde, por um porta-voz do Departamento de Estado.

No encontro com a imprensa na 2ª-feira, o Secretário de Estado John Kerry, que chegou a falar por telefone com o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, para que suspendesse a investigação – a qual, segundo Kerry, teria chegado tarde demais para obter provas válidas do ataque que, para fontes da oposição síria, teria feito 1.300 vítimas.

A mudança repentina e a repentina aberta hostilidade contra a investigação da ONU, que coincidem com indicações de que o governo Obama planeja um grande ataque militar contra a Síria para os próximos dias, sugere que o governo Obama entende que a ONU esteja atuando como obstáculo para seus planos de atacar militarmente.

Na 2ª-feira, Kerry disse que, na 5ª-feira, havia alertado o ministro Moallem, de Relações Exteriores da Síria, para que desse acesso imediato à equipe da ONU e suspendesse os bombardeios naquela área, os quais, disse Kerry, estariam “sistematicamente destruindo provas”. Disse que o acerto entre Síria e ONU, que afinal deu pleno acesso aos investigadores, estaria acontecendo “tarde demais para ter credibilidade”.

Mas logo depois de o acordo ter sido anunciado no domingo, Kerry já havia telefonado a Ban, tentando cancelar completamente qualquer investigação.

O Wall Street Journal noticiou a pressão sobre Ban, mas sem mencionar Kerry. Publicou que “funcionários não identificados do governo disseram ao Secretário-Geral que já não é seguro que os inspetores continuem na Síria e que a missão deles já não faz sentido”.

Mas Ban, que sempre foi visto como instrumento dócil das políticas dos EUA, recusou-se a retirar da Síria a equipe de investigadores e, em vez de obedecer, “manteve-se firme na defesa dos princípios” – como escreveu o WST. O que se sabe é que Ban ordenou que a equipe de investigadores da ONU “continue seu trabalho”.

O WST noticia que “funcionários dos EUA” disseram também ao secretário-geral que os EUA “não acham que os inspetores conseguirão obter provas aproveitáveis, dado que já transcorreu muito tempo e bombardeios subsequentes destruíram as provas que houvesse”.

Marie Harf 
A porta-voz do Departamento de Estado, Marie Harf, confirmou para jornalistas que Kerry, sim, falou com Ban durante o fim-de-semana. Também confirmou a mudança de posição dos EUA sobre as investigações. “Acreditamos que passou tempo demais e houve tal destruição na mesma área que a investigação não terá credibilidade” – disse ela.

Essa mesma ideia apareceu também em declaração de “alto funcionário”, anônimo, no domingo, para o Washington Post, segundo a qual as provas teriam sido “significativamente corrompidas” por bombardeios subsequente, pelo regime, na mesma área.

Agora já não cremos que a ONU possa fazer investigação confiável sobre o que aconteceu – disse Harf. – Estamos preocupados, porque o regime sírio está usando a tática de atrasar as investigações, para continuar a bombardear e destruir provas na área.

Mas Harf não explicou como o cessar-fogo que o governo sírio impôs na área a ser investigada e a decisão de dar pleno acesso aos investigadores da ONU poderiam ser interpretados como “continuar a bombardear e destruir provas na área”.

Apesar dos esforços dos EUA para fazer-crer que a política síria seria política de “atrasar”, a verdade é que o pedido formal da ONU para que a equipe chegasse ao local não havia sido encaminhado ao governo sírio, até que Angela Kane, Alta Representante da ONU para Temas de Desarmamento, chegou a Damasco no sábado; foi o que informou Farhan Haq, como porta-voz de Ban, em briefing à imprensa, em New York, na 3ª-feira.

Na 3ª-feira, o Ministro sírio de Relações Exteriores, Walid al-Muallem disse, em conferência de imprensa, que ninguém havia pedido à Síria qualquer autorização para que a ONU tivesse acesso à área de East Ghouta, até que o pedido afinal apareceu, encaminhado por Angela Kane, no sábado. No dia seguinte, a Síria informou que o pedido fora a aceito, bem como o cessar-fogo na mesma área.

Haq discordou frontalmente do que Kerry dissera sobre ser tarde demais para recolher provas sobre o incidente do dia 21/8.

O gás Sarin deixa rastros que podem ser detectados meses depois de o gás ser usado, disse ele, como o New York Times noticia.

Especialistas em armas químicas também sugeriram, em entrevistas para nosso InterPress Service, que a equipe de investigadores da ONU – coordenada pelo renomado especialista sueco Ake Sellström e reunindo vários especialistas requisitados da Organização para Prevenção de Armas Químicas – teria meio para confirmar ou descartar, em apenas alguns poucos dias, a acusação de ataque com gás de efeito neurológico ou por outra arma química na área investigada.

Ralph Trapp
Ralph Trapp, consultor para temas relacionados à proliferação de armas químicas e biológicas, disse que se sentia “razoavelmente confiante” de que a equipe da ONU conseguirá esclarecer o que houve. “Eles podem oferecer resposta altamente confiável à questão de saber se houve ataque químico; e eles podem também dizer qual o produto químico usado como arma” – disse ele – a partir de exame de amostras de sangue, urina e cabelo dos mortos e feridos. Há até “alguma chance” de recolher resíduos químicos, de pedaços de munição ou de cartuchos, nos locais investigados. E uma análise completa, disse Trapp, exige “vários dias”.

Steve Johnson, que dirige um programa de investigação forense de armas químicas, biológicas e radiológicas na Cranfield University na Grã-Bretanha, disse que até o final da semana a ONU já saberá se “houve mortes provocadas por agente químico de efeito neurológico”. Johnson disse também que, sendo absolutamente urgente, a equipe conseguiria produzir “alguma espécie de primeira estimativa tendencial” sobre a questão, no prazo de 24 a 48 horas.

Dan Kastesza, veterano que serviu durante 20 anos no Corpo de Armas Químicas do Exército dos EUA [orig. U.S. Army Chemical Corps] e foi conselheiro da Casa Branca sobre proliferação de armas químicas e biológicas, disse à Inter Press Service que, de fato, não se procura traços de gás sarin em amostras de sangue, mas das substâncias químicas que são produzidas quando o gás sarin se decompõe. Kastesza disse também que, depois de recebidas as amostras, os especialistas podem saber, “no período de um ou dois dias”, se houve contato com gás sarin ou outro produto químico dos que se usam como arma.

A verdadeira razão da hostilidade do governo Obama contra a investigação pela ONU parece ser o medo de que a decisão do governo sírio, de dar livre acesso aos especialistas, indique que o governo sírio já sabe que os investigadores não encontrarão qualquer evidência de uso de gás de efeito neurológico.

Os esforços do governo dos EUA em 2013 para desacreditar a investigação dos especialistas fazem lembrar o que fez o governo de George W. Bush contra os inspetores da ONU, em 2002 e 2003, depois que não encontraram qualquer prova de que haveria armas de destruição em massa no Iraque; o governo Bush, daquela vez, recusou-se a dar mais tempo aos inspetores, de modo que não conseguissem demonstrar cabalmente, por prova irrefutável, que não havia no Iraque nenhum programa ativo de produção armas de destruição em massa.

Nos dois casos, o governo dos EUA já decidiu ir à guerra. E não permitirá que se produza informação que se contraponha à sua decisão.





[*] Gareth Porter (nascido em 18 junho de 1942) é um historiador americano, jornalista investigativo, autor e analista político especializado na política de segurança nacional dos EUA. Especialista em Vietnã e ativista anti-guerra durante a Guerra do Vietnã, servindo em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service International nos anos 1970-1971 e, mais tarde, como co-diretor do Centro de Recursos da Indochina. Foi muito criticado por seu entusiasmo pelo Khmer Rouge, partido do governo do Camboja, na época. Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of Power and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os Estados Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al Jazeera –em inglês, The Nation, Inter Press Service, The Huffington Post e Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn de jornalismo, que é atribuído anualmente pelo Club Frontline em Londres. Porter é formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política Internacional na Universidade de Chicago e seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste Asiático na Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre Política Internacional no City College of New York e na American University. Atualmente atua como jornalista free-lancer para inúmeras publicações internacionais.

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