domingo, 27 de abril de 2014

Pepe Escobar: “Obama sacode o bote no Mar do Sul da China”

26/4/2014, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Os Presidentes Xi Jinping da China e Barack Obama dos EUA
Pivoteando-se e pivoteando-se feito um giroscópio, para parafrasear Yeats, que gira cada vez até mais longe, o atual tour do presidente Barack Obama dos EUA pelo nordeste e sul da Ásia esconde no motor um invisível dragão: a China.

Tudo, aí, tem a ver com a China, contra cujos “abusos comerciais” e “beligerância militarista”, o benigno e doce império norte-americano jura proteger seus aliados asiáticos.

Depois de comer sushis que, esperemos, não sejam radioativos pós-Fukushima, em Tóquio, com o militarista/nacionalista primeiro-ministro Shinzo Abe, Obama – bem pouco diplomaticamente – tratou logo de dar razão ao Japão na grave disputa pelas ilhas Senkaku/Diayou, referindo-se a um suspeitíssimo acordo de segurança que permitiria que os EUA ajudem o Japão, em caso de ataque externo.

A resposta do Ministério de Relações Exteriores da China veio rápida e precisa – chamaram o Tratado de “produto da era da Guerra Fria” e tratado “não vigente contra terceiros, que não se aplica a agressões à soberania territorial da China”.

A resposta da Agência Xinhua foi, como é característico, rombuda: é tudo parte de “um esquema cuidadosamente calculado para engaiolar o rápido desenvolvimento do gigante da Ásia” (a China, claro).

No Japão, o foco de Obama foi, essencialmente, a Parceria Trans-Pacífico (PTP) [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)], acordo corporativo (secreto) de negócios, que, se o examine por seja qual lado for, só tem a ver com o Big Business dos EUA entrar, afinal, no pesadamente protegido mercado japonês. Abe já disse que a PTP é “a terceira flecha” de seu ressuscitamento econômico do Japão. Está mais para flecha da morte. Mesmo assim, não há como a PTP acontecer sem, antes, um pacto bilateral EUA-Japão – e, nisso, os problemas continuam impenetráveis.

Agora, vamos à agenda secreta

Quando Obama chegar ao Mar do Sul da China, as águas ficarão ainda encapeladas. O Mar do Sul da China é o coração naval da Eurásia – pelo qual flui um terço da ação naval global e, claro, milhões de toneladas de petróleo transportadas do Oceano Índico pelo mega-estratégico Estreito de Malaca e pelo Mar do Sul da China em direção ao leste da Ásia (incluídos aí cruciais 80% do petróleo que a China importa).

A agenda secreta aqui visa a conseguir que a Marinha dos EUA continue perpetuamente como a hiperpotência no Mar do Sul da China – negando a Pequim até a mais ínfima possibilidade de alcançar a paridade. Daí a propaganda cuidadosamente orquestrada pelo Pentágono, para vender o mito de que o Mar do Sul da China, sem EUA hegemônicos, viraria um caos de todos os diabos.

Obama está visitando a Malásia e as Filipinas, dois pontos opostos no sudeste da Ásia. Para começar, a Malásia fica entre o Oriente Médio e a China, no coração de complexas redes comerciais globais. Sob muitos aspectos, a Malásia pode ser vista como o coração da Ásia.

Barack Obama, em Kuala Lumpur,  passa tropas em revista (26/4/2014)
Diferente do Vietnã – que é hiper nacionalista – a Malásia, sobretudo, não quer problemas com a China. Navios de guerra dos EUA já “visitam” a Malásia pelo menos 50 vezes por ano – o que inclui submarinos nucleares para lá e para cá pelos portos em Bornéu.

Dois submarinos franco-espanhóis comprados pela Malásia estão atracados numa base em Sabah, perto das ilhas Spratly – onde a Malásia reclama a soberania sobre 12 ilhas ou rochas.

A guerra global ao terror [orig. global war on terror (GWOT)] foi o pretexto perfeito para que o Pentágono presenteasse a Malásia com o estado da arte em matéria de equipamento de radar. Assim, em resumo, depois de Cingapura – que se pode descrever como um porta-aviões norte-americano amigo-das-corporações posicionado perto do Estreito de Malaca – a Malásia é, de fato, aliado muito confiável dos EUA no Mar do Sul da China.

Aquele belo e confuso arquipélago

As Filipinas são imensa confusão. Para começar, o arquipélago de mais de 7 mil ilhas é grosseiramente dividido em três grupos.

Em Luzon, no norte, o povo fala Tagalog. Em Mindanao e no arquipélago Sulu, no sul, há muitos moros muçulmanos – culturalmente, têm mais a ver com os malaios, que com os indonésios. E ali, no meio, estão as Visayas, entre as quais, Cebu. Ao todo, são nada menos que 35 mil quilômetros de costas a patrulhar, e, isso, em país extremamente pobre.

A China é o terceiro maior parceiro comercial das Filipinas. A diáspora chinesa é muito influente nos negócios e no comércio. As Filipinas importam por mar todo o petróleo que consomem – daí que a possibilidade de prospectar novas reservas de petróleo e gás nas Spratlys e na furiosamente disputada Scarborough Shoal é questão de segurança nacional.

As Spratlys – 150 rochedos ou ilhas, dos quais só 48 permanecem perenemente acima da linha d’água – receberam esse nome em 1843, homenagem a um baleeiro britânico, Richard Spratly. Mas os filipinos as conhecem como Kalayaan (“Terra da Liberdade”). Há até um prefeito de Kalayaan.

O que Obama está arrancando de Manila é um acordo para maior acesso de navios e aviões dos EUA a bases militares, depois que o Pentágono convenceu os locais a prestarem atenção à “consciência do domínio marítimo” com o objetivo – e o que mais seria?! – de conter a China.

Esperem pois presença “rotativa” dos EUA nos portos filipinos, e até a conversão da Baía Ulugan, área virgem, intocada, na ilha de Palawan, no oeste das Filipinas – muito próxima das Spratlys – numa futura base naval, para total desespero dos ambientalistas.

E assim lá se vão os dias (soberanos) quando Washington foi forçada a devolver a sempre crescente Baía Subic em 1992 (antes, Manila recebia $200 milhões por ano, em ajuda militar de Washington). Há um consenso em Manila de que o único modo possível de fazer frente às exigências chinesas no Mar do Sul da China é uma aliança com os EUA – que, em si, já é assimétrica. Mesmo assim, querem navios norte-americanos em suas águas – seguindo o modelo de Cingapura (e do Vietnã); construamos portos para os norte-americanos, e eles virão.

Os filipinos são gravemente paranoicos sobre os chineses predarem tudo o que eles conhecem como Mar das Filipinas Ocidentais – em locais como Ilha Woody e Douglas Bank – e que planejam ocupar cada partícula de rocha acima do nível do mar. Por quê? Segundo a versão filipina, porque Pequim precisa de, e muito quer, apropriar-se do petróleo e do gás filipinos.

Não surpreende que a Marinha dos EUA se tenha apressado para explorar o alto nível de insegurança filipino, para forjar o que, afinal, não passa de uma relação neocolonial.

Barack Obama e o rei Abdul Halim da Malasia (em primeiro plano) na cerimônia de boas vindas na Praça do Parlamento em Kuala Lumpur (26/4/2014)
E quanto à Lei do Mar?

O “pivoteamento para a Ásia” do governo Obama – leia-se “conter a China” – sempre atropela a questão chave: para Pequim, uma coalizão de pequenas potências do sudeste asiático aliada com os EUA é anátema absoluto. Se acontecer, esperem o fogaréu.

Washington – como sempre – vive a exaltar o respeito à lei internacional, mas os EUA sequer assinaram a Convenção da ONU sobre a Lei do Mar de 1982. Pequim quer uma ordem regional – afinal, é a potência regional dominante. E não cede: suas demandas históricas são fatos no mar acontecidos muito antes da Lei do Mar.

Mas é discussão em que todos falam muito e poucos têm razão. Por exemplo, a China reclama para elas as águas, e alguém encontra os campos de gás natural filipino de Malampaya e Camago.

As atuais zonas econômicas exclusivas, impostas por qualquer um, levaram a que todos os atores ganhem áreas rasas próximas do litoral, teoricamente ricas em energia, enquanto a China, ao sul de seu litoral, não está muito separada das ilhas Pratas, Macclesfield Bank e Scarborough Shoal.

Mesmo assim, não importa o que consigam extrair e vender, a Malásia e as Filipinas terão ainda de importar petróleo e gás. Assim, o Mar do Sul da China permanece sempre crucial, seja como possível repositório de petróleo e gás, seja por suas cada vez mais congestionadas rotas de trânsito de navios.

Quanto aos EUA invocarem um mecanismo legal para proteger a “liberdade de navegação”, é conversa fiada; o que interessa aos EUA é a moderníssima base chinesa de submarinos na ilha Hainan, que abriga submarinos movidos a diesel-eletricidade e submarinos nucleares armados com mísseis balísticos. Esse é o verdadeiro segredo da perna sudeste-asiática da “curva em pivô” de Obama para a Ásia. E contribuiu para lançar toda a pivoteação, em 2011.

Só há uma solução para o Mar do Sul da China: negociar, negociar, negociar, acordo a acordo, negócio a negócio. Tudo tem de ser negociado no quadro das dez nações reunidas na Associação de Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Nations (ASEAN)] – mesmo considerando que Pequim pode explorar divisões internas, e explora.


Num mundo não Hobbesiano, a solução ideal, realista, seria administrável para benefício de todos os atores, de modo que todos pudessem prospectar petróleo e gás. Mas o problema é que todos os atores – exceto a Malásia – fazem política hardcore com tons emocionais nacionalistas sobrecarregados. E nesse ambiente só um ator tem a ganhar: os EUA, a “nação pacífica (do Pacífico)”.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch,Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.

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