sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Os bancos do Islã


Nada se diz no mundo ocidental acerca de outros sistemas bancários.

Mas existem. E funcionam.

A ideia pela qual um banco pode viver só graças aos interesses maturados sobre o dinheiro emprestado é falsa.

É um ideia cômoda para os bancos do sistema capitalista (isso é, o nosso), pois permite que bancos e investidores possam ganhar dinheiro a partir de dinheiro; não só com os empréstimos, mas também com outras aplicações financeiras, como os derivados e os future.
Mas, tal como afirmado, é uma ideia falsa.

De fato, existe um sistema bancário baseado numa ideia simples e contrária: não se pode ganhar dinheiro a partir de dinheiro. Em outras palavras: os juros não são permitidos.
Este sistema é o islâmico.

Antes de proceder na descrição deste modelo, refletimos numa simples questão: qual a diferença entre “juro” e “usura”?
Resposta: nenhuma.

Usura é o nome dado à prática de cobrar juros excessivos pelo empréstimo de uma determinada quantia de dinheiro.
Mas quem decide quando os juros são excessivos?
A lei. E a lei é criada pelos homens, os quais podem alterá-la em qualquer altura.

De fato, até à Idade Média a palavra usura era utilizada como sinônimo de juro. Essa prática era proibida, pois acreditava-se que dinheiro não poderia gerar dinheiro. A cobrança de juros era considerada uma forma de explorar uma pessoa que estava a passar por uma situação difícil, portanto todos os empréstimos financeiros deveriam ser realizados sem cobrança de taxas.

Depois, os pensadores do século XV começaram a achar justo que o credor recebesse uma parte dos lucros obtidos com o empréstimo, sob a forma de juros.
Explorar uma pessoa que estava a passar por uma situação difícil tornou-se legitimo. E esta chama-se “evolução”.

Na aldeia egípcia de Mit Ghamr nasceu a finança islâmica. Era o ano 1963. Tratava-se duma pequena caixa rural fundada tendo como modelo as homólogas alemãs e fornecia micro-credito aos pequenos empreendedores privados, favorecendo também o hábito da poupança. 
Tudo sem juros.

A primeira grande crise petrolífera (1973-74) forneceu aos Países Árabes os fundos para implementar as instituições financeiras islâmicas.
Em 1975 foi criado o Islamic Development Bank seguido pela Dubai Islamic Bank, o primeiro banco comercial islâmico não de propriedade dum governo. Em 1979 o Irão islamizou todo o sistema bancário nacional, imitado pelo Paquistão na década dos anos '80 e pelo Sudão em 1992. 

Hoje a finança islâmica opera em quase todos os setores financeiros, e só em Londres são presentes mais de 20 instituições bancárias que atuam segundo os preceitos do Alcorão.

Isso é: sem juros.

Os princípios da finança islâmica

Todas as instituições financeiras islâmicas (IFI) geram fundos sem dar ou receber juros.

Identificam os projetos nos quais investir o capital próprio e dos clientes.
Os depositários dum banco islâmico não são verdadeiros credores, mas são parecidos com os investidores de fundos comuns ou acionistas sem direitos de voto. Assumem o risco de ver o capital do banco afetado em caso de perdas.

Para perceber esta visão (que, como vimos, era típica da Europa também até a Idade Média) temos que perceber o ponto de vista muçulmano.

A Charia, ou chariá, xaria, xariá (em árabe
شريعة), é o nome que se dá ao código de leis do islamismo e contém preceitos relativos não só à esfera pessoal, mas também social, política e econômica. O Alcorão distingue o que é permitido (baiai) e o que proibido (haram), mesmo ao incentivar os negócios e o empreendedorismo. Os juristas do direito comercial islâmico determinam quais as barreiras intransponíveis.

As proibições mais importantes que afetam a esfera econômica são quatro: a proibição de juros (riba), que está associada ao princípio fundamental da “participação nos lucros e nas perdas”, segundo o qual, tecnicamente, o dinheiro é emprestado, a Gharar (incerteza, risco), maysir (especulação) e, finalmente, atividades haram (produção e distribuição de álcool, carne de porco, armas, pornografia, jogos de azar e de seguro de vida).

A estas proibições são adicionados o dever geral da zakat e o de purificar, através da caridade, o dinheiro ganho sem respeitar a Sharia.
O Zakat, o imposto anual que cada muçulmano deve pagar para ajudar os menos afortunados, é um dos cinco pilares do Islã. Os ricos têm a obrigação de ser generosos, porque a acumulação de riqueza só é legítima se esta for distribuída de forma equitativa e justa.

Ao fiel muçulmano e às IFI não é proibido investir em ações. Mas quando há suspeita de que uma parte residual dos dividendos provém de atividades haram, então a percentagem correspondente dos rendimentos provenientes das ações deve ser purificada. São proibidos, e não purificáveis, investimentos acionários ou a compra de sociedades tradicionais onde a relação entre dívida e patrimônio supera 33 por cento. Supõe-se que estas últimas têm conexões com empréstimos a juros.

A proibição da riba destina-se a preservar um desenvolvimento justo e equitativo na sociedade, evitando todas as formas de exploração. Hoje, esse preceito não é somente interpretado como uma proibição da usura, para proteger os pobres da exploração numa situação de emergência

A lei islâmica proíbe qualquer tipo de interesse financeiro. A Sharia proíbe a fixação dum retorno fixo a priori para o capital conferido, porque o dinheiro em si não pode atuar como uma “reserva de valor”.

Em vez disso, o pagamento de taxas por serviços adicionais é permitido, mas não deve ser uma forma disfarçada de juros. Além disso, as transações financeiras devem ser sempre ligadas a atividades comerciais, nomeadamente à aquisição de bens de consumo ou investimentos para a produção e distribuição de bens e serviços reais (como a da mesma finança islâmica). Não é possível comprar ou vender empréstimos, nem emprestar dinheiro para fazê-lo; nem é permitido comerciar com quem não tem dinheiro.

A Sharia determina que quem empresta dinheiro fique envolvido, numa percentagem prefixada, nos lucros e nas perdas de quem toma o dinheiro.
Um conceito que pode provocar o desmaio nos banqueiros ocidentais.

O retorno financeiro não é dado segundo um valor fixo, mas depende da bondade do investimento.

Abrangidos pela proibição da riba, em geral, ficam também os produtos financeiros estruturados: nestes, a recolha de dinheiro serve para a aquisição de outros produtos financeiros (como os derivados, por exemplo) que poderiam garantir a solvibilidade dos primeiros.

Mas a proibição de gharar exige que qualquer contrato ou transação esteja livre de incertezas e ambiguidade. A referência é para condições de indefinições sobre o preço, o objeto da venda e o conteúdo do contrato (por exemplo, condições de eventos aleatórios).
Em geral, os diversos produtos financeiros, taxas de câmbio e de interesse sobre derivados ou mercadorias (as commodities: trigo, óleo, etc.) pertencem a essa proibição.

O excesso de incerteza é equiparado à aposta (al-qimar), que é proibida pelo Alcorão. Portanto, a proibição maysir indica a proibição de apostas sobre o resultado dum evento aleatório futuro. Por isso os seguros de vida em caso de morte são haram. Os derivados mais sofisticados, como os Credit Default Swaps (CDS), enquadram-se nessa proibição, porque são freqüentemente usados para apostar na capacidade do emissor em pagar as próprias dívidas.

Conclusões

Resumindo, o sistema bancário islâmico vai contra muitos dos princípios que regulam o homólogo ocidental, e a diferença mais evidente é a falta de juros.

Mas não só, pois isso, afinal, não passa dum fator secundário.
A crise que estamos a viver encontra os seus alicerces numa finança doentia, envenenada por produtos cada vez mais afastados da economia real: no mundo islâmico, uma crise destas seria tecnicamente impossível.
E não por acaso o colapso iniciado em 2008 com os subprimes americanos não viu falir nenhum banco islâmico.

A ideia de participar nos lucros como nas perdas do cliente é vista como uma heresia por qualquer banco ocidental. Que deixaram, de fato, de fazer os bancos.
Qual o sentido de emprestar dinheiro perante garantias? O banco empresta-me 100.000 € se eu tiver uma casa do mesmo valor? Este não é um empréstimo, esta é a atividade duma casa de penhores.

Claro, o sistema árabe está longe de ser perfeito. E pressupõe uma sociedade com uma fortíssima penetração religiosa.

Mas objetivo aqui é outro: demonstrar que um sistema bancário diferente é possível.

E não só é possível: até funciona.

Ipse dixit.

Extraído do sítio Informação Incorrecta.

Um comentário:

  1. Os bancos do Islam têm caráter público, ainda que de origem privada. Não importa se a entidade PÚBLICA seja de origem estatal, real, tribal...o que importa é o seu caráter PÚBLICO (como deveria ser tanta coisa entre nós, inclusive a TV Brasil). Um dia a gente chega lá, inch'Állah!
    Abraços do
    ArnaC

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