quinta-feira, 10 de julho de 2014

Pepe Escobar: “A Queda de uma Superpotência”

9/7/2014, [*] Pepe Escobar (pelo Facebook)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Sei que não tem importância alguma. Israel está bombardeando Gaza, Kiev está bombardeando a Ucrânia do leste, o Califa anda por aí totalmente pirado, o Império do Caos joga rouba-monte. Mas, agora, tenho de desabafar.

Praia em Santo André, Bahia
Estava guardando essa foto para o momento certo. É hoje. Conheçam um paraíso tropical clássico – Santo André, na Bahia, perto do local onde o Brasil foi “descoberto” pela Europa em 1500.

O campo de treinamento dos alemães está aí, depois das árvores, à esquerda da foto.

Eu também estava aí no início da Copa do Mundo, na casa de Anna, minha amiga e anfitriã generosa. O campo de treino dos alemães – de fato, um condomínio de casas de veraneio – foi vedado e adaptado com perfeição. Mas os jogadores visitavam a vila, visitaram a escola local, dançaram com índios pataxó, andavam pela praia ao raiar do dia. E treinaram MUITO. Disciplina, compromisso, trabalho decente – e curtindo cada minuto desse apaixonante canto do paraíso. Foi aí que os já famosos/infames 7-1 da demolição do futebol brasileiro começaram.

O time do Brasil, entrementes, estrelava um convulsionante, lacrimoso (literalmente) psicodrama enlouquecido que envolveu 200 milhões de pessoas. Foi como uma telenovela abismal – NENHUM trabalho decente ou disciplina; só Plim-Plim e um doentio sentimento de posse: “é nossa” (a taça). Tinha de ser deles, porque, afinal, o principal mito nacional brasileiro ensina que “Deus é brasileiro”.

Como parábola da globalização, muito antes da Copa, o Brasil – que um dia foi superpotência futebolística – já havia sido reduzido, por níveis concêntricos de má administração, a um papel subalterno de exportador de matéria prima (jogadores de talento, por exemplo). Nem uma linha de qualquer ideia de investir no futuro; tudo sempre se tratou de lucrativos “direitos” de transmissão por televisão, reservados sempre, como privilégio, só a algumas redes.

Equipe sub-12 do DSV Leoben 
A Alemanha, por outro lado, desde que perdeu a Copa do Mundo de 2002 (para o Brasil), passou a investir em vasta rede de escolas de futebol, parte de um programa nacional de fomentar o surgimento de talentos e dar-lhes educação e formação. E de preparar técnicos.

Três horas antes do início da humilhação dos 7-1, meu barbeiro pediu-me um palpite para o jogo. “Alemanha 4 a zero”, mandei eu. Todos ficaram boquiabertos. Ora, ora... Viajei da Ásia, depois da Europa, para cobrir a Copa do Mundo aqui, como se estivesse cobrindo uma guerra. E o que de início era só desconfiança confirmou-se, quando começou a desenrolar-se o psicodrama envolvendo 200 milhões de pessoas.

Todos os sinais indicavam que “o grupo”, um bando de jovens milionários psicologicamente instáveis estava a ponto de explodir espetacularmente. Já haviam ameaçado explodir no jogo contra o Chile; depois novamente no jogo contra a Colômbia. Até que finalmente aconteceu durante 6 minutos, enquanto a Alemanha fazia quatro gols – e, aos 29 minutos, já ganhava por 5-0.

Surpresa? Não, de fato, não. O Brasil já deixou há muito tempo de jogar “jogo bonito”, depois daquele fabuloso 1970, e, depois, do mais bonito ainda, que jamais venceu coisa alguma, em 1982. Depois daquilo, o Brasil, lar do jogo bonito, virou mais um mito – um elaborado truque de marketing (com “uma mãozinha” da Nike).

E os brasileiros gostaram da autoenganação, enrolados numa grife de nacionalismo perenemente barata tipo “We Are the Champions”. Deu no que deu. A Alemanha fez a coisa certa – “jogo bonito” de verdade, com passes cintilantes, acabamento perfeito, triangulação elegantíssima, padrão Chicago Bulls dos seus dias de glória.

O time dos brasileiros entrou em colapso nervoso, antes de tudo, por razões táticas/técnicas; foi time sem meio campo, jogando contra o melhor meio de campo do planeta. Culpa dos cartolas, da Confederação Brasileira de Futebol e da “Comissão Técnica” que indicaram – bando de ignorantões arrogantes sem talento, que reproduz, igualzinho, sem tirar nem pôr, a arrogância/ignorância das elites políticas e econômicas brasileiras, velhas e novas. Assim como a polícia brasileira, bem ironicamente, desmantelou uma gangue de gente da FIFA que vendia ingressos no mercado negro no Rio de Janeiro (a Scotland Yard nem desconfiava!), mais uma vez deixaram passar a outra gangue – que enche os corredores e os gabinetes do futebol brasileiro.

Haverá infindáveis reverberações políticas sobre esses 7-1 arrasadores. Vai muito além dos endinheirados brasileiros que podem pagar ingressos a preços FIFA e, simultaneamente, desprezam a presidenta Dilma pelo que gasta para melhorar as condições de bem-estar social. Com certeza tem a ver com pagar a conta da funfest da própria FIFA (US$ 4 bilhões, sem impostos) pagos pelos locais, para nem falar da conta total (espantosíssimos US$ 13,6 bilhões).

(...)

Klose bate recorde de gols de Ronaldo em Copas do Mundo
(Brasil 1 x 7 Alemanha 8/7/2014)
A maior humilhação esportiva global na memória do mundo ESTÁ diretamente relacionada à síndrome da ignorância/arrogância das elites brasileiras e ao senso de “já ganhou”/“nunca perderá”.

Ao mesmo tempo, ninguém pode aspirar a tornar-se “superpotência” quando sua autoidentidade é construída em torno de um esporte – o futebol – comandado por escroques. Os deuses do futebol decidiram encerrar o psicodrama dos 200 milhões em campo. Lamento pelos derrotados – a maioria daqueles 200 milhões de torcedores, muitos dos quais gente boa e trabalhadora, porque foram engambelados.

O Brasil pode beneficiar-se de quantidades ilimitadas de soft Power em todo o mundo, mas vocês têm de se livrar dessa sua elite corrupta e ineficiente. Se o futebol continua a ser o único elemento que mantém coeso o país, melhor começar a pensar sério, compreender de onde brotou a humilhação, livrar-se para sempre desses salafrários autopromovidos a sumidades, mostrar muita humildade e trabalhar DE VERDADE. Examinem em detalhe o que fez a Alemanha – e vocês reencontrarão o paraíso.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
 Obama Does Globalistan,  Nimble Books, 2009.


3 comentários:

  1. Até agora o melhor texto que li sobre a copa!!!!

    ResponderExcluir
  2. Pepe Escobar e Castor Filho boa noite,
    muito interessante e respeitosa sua analise sobre o acontecimento, todavia é importante Pepe que uma parte do povo; inclusive os que voluntariamente, descaradamente obravam no sentido contrario ao esporte utilizando-o para a política interna e partidária. Todos estes investimentos sairão caros " ao que se diz" no entanto si é utilizado, numa perspectiva a longo prazo, inúmeros benefícios podem vir deles. Na Latino America o Brasil é o único pais a ter esta qualidade de equipamentos, estrategicamente esta bem posicionado para participar na promoção d'um futebol regional. Nao é difícil imaginar por ai, políticas publicas, como você pode notar a respeito da Alemanha, completamente independentes das estruturas atuais e que possam render um real serviço ao esporte. Ouvi dizer que o estádio de Manaus é "surdimensionado" para a cidade, certo, mas si saberem bem gerar o equipamento ele servira para alem de Manaus e quem sabe até para Caracas, Bogota, Quito, Suriname, Cayenne, etc etc, o que quero sugerir é que malgrado este "embroglio" actual, existem a meu ver possibilidades futuras a serem estudadas do ponto de vista da cooperação integração numa busca de reinventar o futebol latino americano com evidentemente a contribuição do " jogar bonito" que tanto surpreendeu os Europeus nas horas de gloria da selecção no inicio de sua odisseia para os prémios que obteve. O Brasil nao sabe jogar como os Europeus, tao pouco sabe instruir como eles, em mais, deixou de desenvolver seu jogo, agora si ele é capaz de cair na realidade e utilizar estas ferramentas participando num levante regional ( o que sera fundamental para amortecer os custos e desenvolver o turismo), em menos de 20 anos teremos de novo um jogo bonito e latino Americano para de novo juntos surpreender. Boa noite.

    ResponderExcluir
  3. Sou fã desse cara. Se eu fosse jornalista, seria como ele. Uma capacidade de analisar e uma acuidade temporal sem limites.

    ResponderExcluir

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.