domingo, 30 de maio de 2010

Um dia, em novembro


Uri Avnery, 29/5/2010, Gush Shalom [Bloco da Paz], Israel

(Traduzido por Caia Fittipaldi)

RAHM EMANUEL, parece, é o norte-americano mais detestado pelo governo de Israel. É visto como o mais perigoso inimigo do governo Netanyahu dentro da Casa Branca. A portas fechadas, Natanyahu não economiza desaforos: “antissemita!”, “judeuzeco!”. No idioma do sionismo, “judeuzeco” significa “judeu que odeia judeus”.

Pois, com tudo isso, lá anda o rapaz pela Galileia, metido em bermudas. Visitou as colinas ocupadas do Golan, onde diplomatas estrangeiros em geral evitam por os pés. O exército de Israel levou-o até lá, sobrevoaram instalações militares. Rezou no Muro das Lamentações. Um perfeito bom turista norte-americano judeu.

O filho de Emanuel chegou à idade do Bar Mitzva; que melhor lugar para celebrar, que a Terra de Israel, onde seu avô foi membro do Irgun – grupo que o governo dos EUA classificaria como “organização terrorista”, como o Hamás, hoje.

Em resumo o judeuzeco, judeu auto-odiador mostrou-se ele também sionista, com caloroso coração judeu, admirador do exército de Israel e apoiador da anexação das colinas do Golan.

A visita, é claro, não acontece por acaso. É mais um dos vários gestos de Barack Obama que visam a ganhar os corações judeus, antes das próximas eleições para o Congresso dos EUA.

Tudo leva a crer que, há alguns meses, Obama chegou à conclusão de que perdera o primeiro round da disputa contra Binyamin Netanyahu e que, como sempre, melhor manter-se vivo para os próximos rounds.

O próprio Obama falou sobre isso em conversa com líderes judeus: no começo da jornada pelo Oriente Médio, pisou em algumas minas. E aprendeu a lição.

O resultado foi uma campanha de conversa doce e adulação.

Convidou Elie Wiesel, Mr. Holocausto em pessoa, para almoço privado na Casa Branca. Talvez tenham trocado lembranças de experiências comuns, coisas como “O dia em que aceitei o Prêmio Nobel sem baixar os olhos”. A contribuição de Wiesel para a paz é um dos maiores mistérios do universo. (Minha pessoal opinião sobre Wiesel manifesta-se numa palavra em hebraico que inventei especialmente para ele: “Shoan” (alguma coisa como “o Holocausteador”.)

Depois disso, Obama reuniu-se com vários grupos de “líderes judeus” e falou-lhes sobre seu sempiterno apoio à segurança de Israel, da admiração por Netanyahu e do seu amor eterno por Israel em geral. Pouco importa que pesquisa recente tenha mostrado que os tais “líderes” representam, no máximo, eles mesmos – e que a grande maioria das jovens gerações de judeus nos EUA opõem-se às políticas do governo de Israel e vão-se distanciando cada vez mais de Israel.

Enviar seu confidente n. 1 a Israel fantasiado de ardente sionista, com convite a Netanyahu para que visite a Casa Branca, são estágios futuros da mesma campanha eleitoral.

Para quê? Ora, é claro como o sol do meio-dia.

Dia 2 de novembro, dia do 93º aniversário da Declaração de Balfour [NT], haverá eleições nos EUA. Estarão em disputa todos os assentos e votos da Câmara de Deputados e 34, do Senado.

Para Obama, são eleições absolutamente importantes. No pior dos mundos, os Democratas perderão o controle sobre uma das Casas do Congresso – o que tornará impossível para Obama aprovar a maioria das leis que deseja ver funcionando. Com realismo, o máximo a que Obama pode aspirar, é perder apenas um pouco mais de votos Democratas nas duas Casas, o que tornará muito mais difícil a vida do presidente.

O AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) já mostrou que pode ter forte impacto em resultados eleitorais. Quando o lobby decide derrubar membro do Congresso, é como uma execução pública. Quando o lobby concentra seu poder de fogo financeiro e político em determinado ponto, é quase invencível.

E Obama precisa agora de todo o apoio que possa obter nas duas Casas. Portanto, tem de neutralizar o lobby pró-Israel. A festa de Bar Mitzva da família Emanuel saiu barata, considerando o que se espera que renda.

Quando Obama fala de ter pisado em mina, a mina tem nome: chama-se AIPAC.

O fenômeno em si nada tem de novidade. Repete-se regularmente de quatro em quatro anos, às vezes de dois em dois.

Desde o primeiro dia do Estado de Israel, todos os governos israelenses sabem que ano de eleições nos EUA é ano de excepcionais oportunidades políticas para Israel.

Israel foi criada em maio de 1948, meio ano antes das eleições nos EUA. Harry Truman estava em situação crítica. Para muitos, seria fragorosamente derrotado. Precisava desesperadamente de dinheiro. Alguns judeus ricos meteram a mão no bolso e ajudaram Truman, que venceu por diferença muito pequena.

Todos os conselheiros políticos e militares aconselharam Truman a não manifestar apoio à independência de Israel. Mas Truman reconheceu o novo Estado (pelo menos de facto) imediatamente depois de criado.

Daquele dia em diante, sempre que o governo de Israel precisa de apoio em questão controversa, espera por ano eleitoral nos EUA. Quase sempre deu certo. Com uma exceção: uma semana antes das eleições de 1956, o governo de Ben-Gurion (pressionado por Shimon Peres) invadiu o Sinai em conluio com França e Reino Unido. Os governantes israelenses apostaram que nenhum político norte-americano atrever-se-ia a opor-se a Israel às vésperas de eleições.

Erraram. O presidente Dwight Eisenhower, ex-comandante supremo das forças aliadas tinha absoluta e total certeza de que seria eleito. Ignorou o lobby judeu e, com seu colega soviético, impôs um ultimatum a Israel. E Ben-Gurion escafedeu-se do Sinai e de Gaza num piscar de olhos.

Os que esperaram que Obama seria um segundo Eisenhower, erraram. Apesar de alguns significativos sucessos, a situação política de Obama é frágil. O petróleo não para de vazar no Golfo do México, o que não ajuda a saúde política de ninguém. Político realista, Obama concluiu que não é hora de enfrentar o establishment judeu.

É possível que tenha lembrado a sóbria lição de Maquiavel: Se não podes matar o leão, não o provoques.

Mesmo assim, há gigantesca mina enterrada na estrada que leva ao dia das eleições: o congelamento das construções nas colônias israelenses.

Quando Obama ordenou que Netanyahu congelasse oficialmente as construções na Cisjordânia (e não oficialmente também em Jerusalém Leste), acertou-se um prazo de dez meses. Esse prazo se esgota em setembro.

Quando a hora aproximar-se, Netanyahu enfrentará terrível pressão dos colonos judeus e seus aliados, para que recomece as construções. “Tem medo do quê?”, perguntarão os colonos. “Dois meses antes das eleições, Obama não se atreverá a erguer um dedo!” E (citando um sábio judeu), “se não construirmos agora, construiremos quando?”

A situação em Israel fará aumentar a tentação. Tudo faz crer que “nunca estivemos tão bem”. Os ataques [dos foguetes do Hamás] cessaram. A economia vai de vento em popa. Apesar das críticas que se ouvem em todo o mundo, Israel tem governo politicamente robusto. Ainda na semana passada, Israel foi aceita como membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, o mais prestigioso clube econômico do mundo. Obama capitulou. Durante os gigantescos exercícios do Comando Nacional do Exército de Israel, essa semana, a população apenas assistiu, sem correr para os abrigos.

A tentação de recomeçar as construções nas colônias será muito forte. Mas Netanyahu pensará sobre o dia seguinte. Obama também.

E, de fato, o que acontecerá no dia seguinte às eleições?

Os otimistas crêem que naquela manhã começará uma nova era. Não há eleições à vista antes de novembro de 2012, quando expira o primeiro mandato de Obama. Durante um ano inteiro, pelo menos, ele estará livre para agir.

É uma “janela de oportunidades”. Janela ampla, escancarada. Nesse tempo, Obama pode realizar sua esperança de fazer a paz e recuperar o prestígio dos EUA no Oriente Médio. Levando ainda, como bônus, que poderá livrar-se da fúria que teve de engolir, contra Netanyahu.

Segundo essas previsões, naquele ano inteiro, do final de 2010 ao final de 2011, veremos em cena o ato final do drama. Obama apresentará um plano de paz dos EUA, a pressão sobre o governo de Israel subirá, Israel, afinal, terá de escolher entre a paz e a posse dos territórios ocupados; a paz, afinal estará a caminho.

Mas há também as previsões opostas: Obama continuará a desapontar, como tem desapontado até aqui. Já estará pensando nas eleições presidenciais seguintes e continuará com medo do AIPAC.

É previsão bastante realista. Quando eu era menino, meu pai sempre me ensinou a jamais, jamais, ceder a chantagens. Quem paga uma vez a um chantagista, continuará a pagar até o último suspiro. Nenhum chantagista desiste de chantageado cativo.

(Ao longo de toda a vida, tenho tentado seguir o que me ensinou meu pai. Minha técnica é a seguinte: quando alguém tenta me chantagear, ameaçando fazer-me algum mal, passo a viver como se todo aquele mal já tivesse sido feito. Dá certo. A chantagem esvazia-se.)

O AIPAC está chantageando Obama. Até agora, nada conseguiu. As coisas ficarão como estão até depois de novembro. Obama deve encarar o AIPAC e decidir: basta. Terá coragem? Não sei. Espero que tenha.

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:

http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1275138801/

Ou copiado a logo após a [NT]

[NT] A Declaração de Balfour é uma carta escrita em 2 de novembro de 1917 pelo então Chanceler britânico, Arthur James Balfour, enviada a Lord Rothschild, presidente da Federação Sionista Britânica, sobre a disposição da Inglaterra de facilitar aos judeus a povoação da Terra de Israel. Mais, sobre o assunto e a íntegra da carta, em português, em http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Balfour

Uri Avnery's Column

A Day in November

RAHM EMANUEL is, so it seems, the American most hated by the leaders of Israel. He is considered the most dangerous opponent of the Netanyahu government in the White House. Behind closed doors, they shower him – if one is to believe the media - with anti-Semitic epithets. “Jewboy” is one of them. In Zionist usage, he is a “self-hating Jew”.

And lo and behold, here he is strolling around the Galilee in shorts. He visits the occupied Golan Heights, which foreign diplomats normally take great pains to avoid. The IDF flies him between its installations. He prays at the Western Wall. A good Jewish tourist from America.

Emanuel’s son has reached the age of Bar Mitzva; where better to celebrate than the Land of Israel, where his grandfather was a member of the Irgun – an outfit that the US administration would have branded a terrorist organization, like Hamas today.

In short, the self-hating Jewboy has revealed himself as a Zionist with a warm Jewish heart, an admirer of the IDF and a supporter of the annexation of the Golan Heights.

THE VISIT was not, of course, a passing whim. It joined a long series of gestures by Barack Obama designed to win the hearts of the Jews before the upcoming congressional elections.

It seems that at some stage, months ago, Obama came to the conclusion that he had lost the first round of his contest with Binyamin Netanyahu, and that it would be better to live and fight another day.

He himself spelled it out in a conversation with Jewish leaders: at the beginning of his path in the Middle East he stepped on some landmines. He has learned his lesson.

The result was a campaign of sweet-talk and flattery:

He invited Elie Wiesel, Mr. Holocaust in person, to a private lunch at the White House. Perhaps they exchanged memories about some common experiences, like “How to accept the Nobel Peace Prize and keep a straight face.” Wiesel’s contribution to peace is one of the great mysteries of the universe. (My own opinion of Wiesel found its expression in a Hebrew word I invented especially for him: “Shoan” (something like “Holocauster’.)

After that, Obama met with several sets of “Jewish leaders” and told them about his unwavering support for the security of Israel, his admiration for Netanyahu and love for Israel in general. Never mind that just recently a major opinion poll has shown that these “leaders” represent mostly themselves – the great majority of the younger Jewish generation in the US opposes the policies of the Israeli government and is becoming more and more alienated from Israel.

Sending his No. 1 confidante to Israel in the guise of an ardent Zionist and extending an invitation to Netanyahu to come and visit him in the White House are further stages in this campaign.

WHAT IS the aim? Well, that is as clear as the mid-day sun.

On November 2, the 93rd anniversary of the Balfour Declaration, elections will be held in the US. All the seats in the House of Representatives and 34 in the senate will be up for grabs.

For Obama, these elections are hugely important. In the worst case, the Democrats will lose control of one of the houses of Congress, making it impossible for Obama to get most of the laws he desires passed. The best he can realistically hope for is that the Democratic majority in both houses will be reduced, making the life of the President much more difficult.

AIPAC has already shown that it can have a big impact on election results. When the lobby decides to topple a member of Congress, that is the end of his political life. When the lobby concentrates its financial and political might on a certain spot, it is almost invincible.

Obama now needs all the support he can get in both houses. Therefore, he must neutralize the pro-Israel lobby. The expense of the Bar Mitzva party of the Emanuel family was a negligible price to pay for this.

When Obama says that he stepped on a landmine, he means the mine called AIPAC.

THE PHENOMENON itself is nothing new. It repeats itself every fours years, and sometimes every two.

Since the first day of the State of Israel, all Israeli governments have been aware that an election year in the US provides them with unparalleled political opportunities.

Israel was founded in May 1948, half a year before the US elections. Harry Truman was in a critical situation. Many believed that he would be roundly defeated. He was in desperate need of money. Some rich Jews dug into their pockets and saved Truman, who won by the skin of his teeth.

All of Truman’s political and military aides advised him not to support Israel’s independence. But Truman recognized the new state (de facto at least) immediately after it was established.

From that day on, whenever the Israeli government needs US support for a controversial act, it waits for an American election year. This has almost always succeeded. The exception: a week before the 1956 elections, the Ben-Gurion government (urged on by Shimon Peres) invaded Sinai in cahoots with France and the UK. The Israeli leaders believed that no American politician would dare to oppose Israel on the eve of elections.

They were wrong. President Dwight Eisenhower, a former supreme allied commander, was supremely confident of his election victory. Therefore he ignored the Jewish lobby and, together with his Soviet colleague, presented Israel with an ultimatum. That got David Ben-Gurion out of Sinai and Gaza in a jiffy.

Those who hoped that Obama would prove to be a second Eisenhower were wrong. In spite of some resounding successes, his political situation is far from impressive. The oil spill in the Gulf of Mexico has not improved his political health. As a realistic politician, he has decided that this is not the right time to take on the Jewish establishment.

Perhaps he remembered the sober advice of Niccolo Machiavelli: If you can’t kill the lion, don’t provoke it.

HOWEVER, THERE is a huge landmine buried on the road to election day: the settlement freeze.

When Obama compelled Netanyahu to freeze the settlements officially in the West Bank (and unofficially in East Jerusalem, too), a ten-month period was agreed upon. This will come to an end in September.

When the time comes, Netanyahu will face immense pressures from the settlers and their allies to start building again. “What are you afraid of?” they will say, “two months before the elections Obama will not dare to lift a finger! And (quoting a Jewish sage) if not now, when?”

The situation in Israel will increase the temptation. It seems that “we have never had it so good”. There are no attacks. Our economy is booming. In spite of the criticism echoing around the world, Israel’s political standing is robust. Just last week Israel was accepted as a member of the OECD, the world’s most prestigious economic club. Obama has capitulated. When the army’s Homeland Command held extensive exercises this week, the people just winked and did not bother to run to the shelters.

The temptation to renew the building in the settlements will be strong. But Netanyahu will think about the day after. And so will Obama.

AND INDEED, what will happen the day after the elections?

Optimists believe that on that morning, a new era will start. No further elections are planned before November 2012, when Obama’s first term expires. For an entire year, at least, he will be free to act.

That is a “window of opportunities”. A wide-open window. During this time Obama can realize his hope of bringing peace and retrieve the position of the US in the Middle East. As an added bonus, he will also be able to vent his accumulated fury against Netanyahu.

According to this forecast, in this one year, from the end of 2010 to the end of 2011, the final act of the drama will be enacted. Obama will present an American peace plan, the pressure on the Israeli government will intensify, Israel will finally have to choose between peace and territories, peace will at long last be on its way.

But there is also an opposite forecast: Obama will continue to disappoint, as he has disappointed until now. He will already be thinking about the next presidential election and continue to be afraid of AIPAC.

This forecast has a lot going for it. When I was very young, my father admonished me never, but never, to yield to blackmail. He who pays a blackmailer once will continue to pay to his last day. A blackmailer never lets go of his victim.

(In the course of my life I have tried to adhere to this advice. My technique is this: when somebody tries to blackmail me, threatening to do me some harm, I imagine that he has already done so. This way, the threat loses its sting.)

AIPAC is blackmailing Obama, and until now it has been successful. It will go on doing so after November. Obama should face up to the idea and decide: no more.

Will he have the courage to do so? I don’t know. I hope.

http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1275138801/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.