terça-feira, 1 de junho de 2010

Droga por droga, fique com o xadrez


Por Alfredo Pereira dos Santos


Num trabalho intitulado “Jogo patológico, uma revisão da literatura” a psicóloga Tatiana Avelino dos Santos afirma que existe uma forma de jogo que nada mais é do que uma tóxico-dependência que subsiste sob uma máscara de pseudo-aceitação social.


Jogar nem sempre é patologia.


O jogar é uma atividade prazerosa que potencializa a obtenção de competências relevantes para o desenvolvimento do ser humano (Villa & Canal, 1998). Daí a importância do jogo (e do xadrez, em particular) como atividade, dentro ou fora da escola.


Assim como existe o bebedor social, existe também o alcoólatra. E alcoolismo é doença.


No jogo ocorre a mesma coisa. Existem aqueles que jogam para se divertir e existem aqueles para os quais o jogo é compulsão, obsessão. O que também é doença.


Durante muito tempo não se atentou para esses aspectos do jogo, mas em 1980 a “Associação Americana de Psicologia” o incluiu no seu “Manual de Desordens Mentais”.


Segundo alguns estudiosos da matéria existem quatro tipos de jogadores:


1 – O jogador social, que joga ocasionalmente e tem controle sobre a situação.

2 – O jogador profissional, que tem algum controle porque joga com outra motivação, a sua profissão depende disso e a sua atuação está bem fundamentada.

3 – O jogador problema, que já apresenta alguns sinais do jogador patológico, mas não de forma que possa ser considerado como tal.

4 – O jogador patológico.


Nessa última categoria estão três subgrupos. O maior deles, com quase 50% do total, sofria de graves perturbações da personalidade, 30%, apresentava relações pessoais fortemente debilitantes e, aproximadamente, 20% padecia de sérias desordens psiquiátricas, como esquizofrenia ou perturbação bipolar. Por outro lado, alguns estudos apresentam o jogador patológico como mais enérgico e com inteligência acima da média.


Os psicanalistas foram os primeiros a oferecer explicações para o jogador patológico. O primeiro estudo sobre o tema foi conduzido por Hattinberg, em 1914. Segundo ele o jogador patológico erotiza a tensão e o medo envolvido no ato de jogar. Isso acontece, segundo ele, porque este tipo de jogador apresenta uma fixação na fase anal do seu desenvolvimento psicossexual, o que explica a faceta compulsiva e masoquista da sua personalidade.


Tais observações nos remetem ao conhecido livro “A psicologia do jogador de xadrez”, do Reuben Fine, um grande mestre de xadrez que deixou o jogo para se dedicar à psicanálise. Não vou falar sobre o livro, que considero leitura obrigatória para qualquer enxadrista. Fico apenas na referência, na confluência das observações encontradas no livro do Fine com a de outros autores.


No final do seu trabalho, Tatiana Avelino dos Santos fala sobre o xadrez e cita uma frase do Kasparov:


“O xadrez é tortura mental”.


Em seguida faz outra citação, esta de Reider que, em trabalho de 1959, intitulado “Chess, Oedipus and the Mater Dolorosa”, publicado no “International Journal of Psycho-Analysis, 40, 320-334”, diz o seguinte:


“Nenhum tipo de jogo fornece à psicanálise tantas oportunidades de investigação e estudo como o xadrez”.


Trocando em miúdos, o xadrez e os enxadristas são um prato cheio para os psicólogos.

Tudo o que escrevi até agora foi preâmbulo à conclusão a que cheguei lendo o trabalho da psicóloga Tatiana.


Ela cita autores que afirmam que se pode mudar o foco da dependência passando, por exemplo, do álcool para o jogo compulsivo ou da cocaína para o álcool.


Daí então a luminosa idéia que me veio à mente. E quem não achar pode me esculhambar à vontade que eu tenho carapaça de rinoceronte e aguento as pancadas.


É o seguinte: notícias recentes nos dizem que está havendo aumento do consumo de drogas no Brasil. Vejam essa notícia da Agência Brasil:


Brasília - O aumento no consumo de cocaína e maconha no Brasil apontado pelo Relatório Mundial sobre Drogas 2008, do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodc), não representou “nenhuma surpresa” para o secretário Nacional Antidrogas, general Paulo Uchôa, diante dos números apresentados por nações vizinhas.

Confira em:

Aumento do consumo de drogas no Brasil não representa surpresa, diz secretário


E na página do jornal O GLOBO saiu o seguinte:


O Relatório Mundial sobre Drogas de 2008 informa que o Brasil tem cerca de 870 mil usuários de cocaína e que o consumo aumentou de 0,4% para 0,7% entre pessoas de 12 a 65 anos, no período entre 2001 e 2004, o equivale a créscimo de cerca de 75%. O Brasil é o segundo maior mercado das Américas, com 870 mil usuários, atrás apenas dos Estados Unidos, com cerca de seis milhões de consumidores.


Confira em:

Brasil tem 870 mil usuários de cocaína; relatório da ONU indica aumento no número de usuários de drogas


Estes números indicam que a sociedade brasileira padece de graves patologias, que se manifestam das mais diferentes maneiras. Além das drogas ilícitas temos: corrupção, violência, injustiças sociais, políticos sem-vergonha, e por ai vai. Sem falar no que Reich chamava de “doença sexual das massas”, o que fica bem caracterizado no sucesso de programas tipo Big Brother Brasil que, se algum mérito tem, é o de poder medir o tamanho da perversão sexual, conhecida como voyeurismo, existente na nossa população. Não se pode esquecer também da dependência televisiva. Sim, pois a televisão é também uma droga e cria dependência.


O fato é que vivemos numa sociedade de adictos, o que faz sentido, pois se a realidade (interna ou externa) é insuportável e o indivíduo não consegue ver “a luz no fim do túnel” não lhe resta alternativa que não seja a de criar um mundo que lhe seja menos doloroso. Naturalmente que a falta de conhecimento próprio (o nosce te ipsun socrático), do mundo e do semelhante agrava o quadro, posto que justamente tira do indivíduo a possibilidade de “ver a luz no fim do túnel”.


Como muitos argumentos usados pelos que fazem a apologia do jogo, no sentido de induzir as pessoas a praticá-lo, não me parecem muito convincentes, arrisco-me, ainda que com pitadas de galhofa, a propor mais um (que não exclui a possibilidade da adoção das medidas terapêuticas cabíveis em cada caso):


Droga por droga, fique com o xadrez


Veja o que o xadrez pode fazer por você:


1 – Dificilmente você vai morrer de overdose.

2 – A polícia não vai lhe prender ou achacar por você estar jogando ou portando um tabuleiro com as peças.

3 – Você não precisará jogar escondido no banheiro.

4 – O xadrez não vai lhe causar impotência sexual.

5 – No xadrez você poderá dar expansão às suas fantasias eróticas, pois, como dizia o Machado de Assis, “é um jogo onde todos comem a todos” (se bem que o grande Machado errou: o Rei ninguém come).

6 – Você não precisará chegar até a “boca de fumo” ou ao pé do morro para obter a sua dose de fuga à realidade. O xadrez vai lhe dar menos trabalho e vai sair mais barato.


Bom, essas foram algumas vantagens que me vieram à mente. Creio que está de bom tamanho, mas quem quiser pode contribuir com outras.


Obrigado pela atenção e aguardem as cenas dos próximos capítulos.

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