2/6/2010, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online (editor-chefe, Islamabad )
Traduzido por Caia Fittipaldi
ISLAMABAD. Ao longo dos últimos anos, a questão palestina – interpretada quase sempre como resultado da ascensão do Hamás fundamentalista em Gaza – tem sido, em vários aspectos, degradada e reduzida, de conflito internacional, para no máximo, complexa questão local.
O ataque mortífero deflagrado por Israel na 2ª-feira a barco turco desarmado, que transportava ajuda humanitária e tentava furar o bloqueio israelense contra Gaza, operou o milagre de mudar aquele quadro.
De repente, movimentos populares de protesto eclodem em todo o mundo árabe. Até o mais ativo facilitador do bloqueio de Gaza, o Egito, sempre aliado de Israel, abriu a passagem de Rafah, na fronteira sul de Gaza, em resposta aos protestos locais.
O incidente também jogou os holofotes sobre os EUA, que, bem feitas as contas, já são o ator mais diretamente prejudicado, e grande perdedor, sobretudo no Afeganistão e no Paquistão.
Centenas de militantes de um grupo islâmico pró-Irã – Organização Imamia de Estudantes [ing. Imamia Students Organization], marcharam em passeata ontem pelas ruas de Karachi, cidade ao sul do Paquistão, em protesto contra o assalto ao barco turco Mavi Marmara. Foi um das várias centenas de outros movimentos que se organizaram em outras partes do Paquistão.
A manifestação foi convocada como comício a ter lugar em frente ao Karachi Press Club. No caminho, quando os manifestantes dirigiam-se ao local do comício, alguns deles, de repente, começaram a gritar slogans inflamados, dentre outros "La Sharqia La Gharbia Islamiya, Islamiya" (Não acreditamos nem em oriente nem em ocidente, só acreditamos no Islã), “Morte aos EUA, morte a Israel” e “Aliados de EUA e Israel são traidores”.
Em seguida, os manifestantes enveredaram pelo caminho que leva ao consulado dos EUA e a manifestação tornou-se violenta, quando a polícia tentou impedir que prosseguissem naquela direção. Pelo menos duas dúzias de estudantes ativistas foram presos; os demais foram contidos e dispersos com canhões d’água.
Em termos paquistaneses, foi pequeno incidente, sem mortos; mas é sinal claro de reinício da campanha anti-EUA no país, que tem tudo para espalhar-se para outros países.
O súbito aquecimento da temperatura na opinião pública e nas ruas do Paquistão não poderia vir em pior hora.
O governo enfrenta forte pressão de Washington para que ataque massivamente, ataque militar, a área tribal do Waziristão Norte, que, para os EUA seria a base fundamental da resistência afegã e abrigaria o quartel-general global da al-Qaeda. Os soldados da OTAN no Afeganistão já se estão posicionando para ofensiva gigante contra as fortalezas dos Talibãs na província de Candahar – movimento altamente impopular entre a população local.
Embora o Paquistão seja considerado um dos mais importantes aliados não-membros da OTAN na guerra do Afeganistão, o Paquistão não mantém relações diplomáticas com Israel. Havia três cidadãos paquistaneses a bordo do Mavi Marmara e o incidente – inclusive os termos fortes do documento de condenação a Israel, que a Turquia divulgou – receberam ampla cobertura da mídia paquistanesa.
Movimentos islâmicos internacionais imediatamente reapareceram nas ruas, já fazem planos para manifestações gigantes, inclusive o partido “Jamaat-e-Islami Pakistan” – o mais antigo partido religioso do Paquistão, fundado em 1941, e dos mais influentes, hoje –, que ontem realizou assembleia de comandantes e já delineou longa campanha de protestos.
Ahmad Shah Ahmadzai, ex-primeiro-ministro interino do Afeganistão disse a Asia Times Online, de Cabul, que se devem esperar movimentos continuados de protesto também no Afeganistão, e para breve.
A ofensiva dos EUA em Candahar, programada para começar antes de abril, já foi novamente adiada, à espera os desenvolvimentos no Waziristão Norte, que o exército paquistanês promete atacar desde o ano passado.
Ao mesmo tempo, está em andamento a “Operação Fateh [“vitória”] dos Talibãs, inaugurada mês passado com um ataque a comboio da OTAN em Cabul no qual morreram vários altos comandantes militares; que avançou, logo depois, com o massivo ataque à base aérea dos EUA em Bagram, nos arredores de Cabul; e com ataque ao aeroporto de Candahar.
Também tem havido batalhas na área da base aérea de Logar e assaltos mortais em Helmand, Farah e Kuduz. Os Talibãs capturaram o único distrito pró-governo, Barge Matal, na província do Nuristão, e ocuparam inclusive prédios públicos. Na 3ª-feira, forças da OTAN esvaziaram os prédios públicos ocupados, mas os Talibãs ainda controlam a região das montanhas e as vilas próximas.
Espera-se que as atividades da guerrilha Talibã aumentem, como sempre acontece, nos meses de verão. Em poucas palavras, é vital que a OTAN desmonte, o quanto antes, as estruturas do comando central dos Talibãs – o ramo que controla a guerrilha do sudeste afegão, cujas bases localizam-se no Waziristão Norte; e o ramo ativo no sudoeste, baseado na província de Candahar.
Tudo isso considerado, e em momento em que o sentimento anti-EUA e anti-Israel atinge o ponto mais alto em cinco anos, tornou-se objetivamente impossível para o governo paquistanês apoiar a operação dos EUA no Waziristão Norte e o ataque que se planeja contra Candahar, dois movimentos aos quais as tribos locais já se opõem ferozmente. Todos os adiamentos beneficiam a “Operação Fateh”, dos Talibãs – que já controla cidades estratégicas na fronteira - e já têm em mira outras cidades (Khost, Paktia, Paktika, Kunar e Nangarhar).
Se os planos dos EUA e OTAN forem seguidos à risca, com certeza farão aquecer ainda mais as já muito aquecidas paixões locais e empurrarão para o radicalismo número ainda maior de jovens no Paquistão e no Afeganistão. – E, isso, sem qualquer garantia de que as operações ocidentais sejam bem-sucedidas.
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
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