sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eleições, EUA: há chances para o partido de Obama?

28/10/2010, Michael Tomasky, New York Review of Books, vol. 57, n. 16
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
 
Como vão as coisas para o partido de Obama? Em Washington, a voz geral é que, nas próximas eleições de 2/11, o partido perderá a maioria na Câmara de Deputados [ing. House of Representatives] e provavelmente também no Senado (embora nesse caso haja menos certezas). Se os Republicanos assumirem a maioria de uma ou das duas casas, o partido e os jornalistas conservadores proclamarão que os eleitores rejeitaram “o socialismo” e começará a campanha para que Barack Obama passe à história como presidente de um único mandato.

O efeito mais pernicioso, desses desdobramentos, ao qual poucos têm dado atenção, será que, no instante em que alcancem a maioria, os Republicanos chegarão à presidência das principais comissões – e desencadearão ‘investigações’ de todo o tipo contra o governo Obama. Por exemplo, ‘denunciarão’ e exigirão ‘investigação’ contra o Departamento de Estado que, para os Republicanos, favoreceu réus negros, ao não acolher a denúncia contra o Novo Partido Black Panther da Filadélfia, acusado de irregularidades eleitorais.

As acusações serão puro denuncismo, sem qualquer tipo de base fatual, mas servirão para desviar a atenção do governo dos objetivos políticos, criarão uma aura de ‘governo corrupto’ (ou racista pró negros) e, de tanto espernearem, é bem possível que os Republicanos ainda peguem um ou outro peixe grande, apanhado por perjúrio ou obstrução da justiça. (O mais provável é que reemerjam as acusações à moda dos julgamentos de Chicago, execrados vez ou outra por falhas processuais, mas que jamais deixaram de ser instrumento de campanha dos Republicanos.) Os Republicanos jogam para ganhar.

Como as coisas chegaram a esse ponto, para Obama? Há inúmeras razões. O estado da economia é, evidentemente, a primeira delas. Se os ‘estímulos’ tivessem operado o milagre de manter baixas as taxas de desemprego, abaixo de 8%, como Christina Romer, que acaba de deixar a presidência do Conselho de Conselheiros Econômicos, prometeu que aconteceria (num dos comentários menos prudentes, feito por auxiliar direto do presidente Obama), o descontentamento e a frustração dos eleitores talvez não fossem tão acentuados, e os rugidos da minoria irada do “Tea Party” não ecoassem tanto. Fato é que os principais conselheiros econômicos do presidente, como Timothy Geithner e Lawrence Summers (que deixará o cargo no final do ano) estavam realmente convencidos de que, em outubro e novembro desse ano, a economia estaria em plena recuperação. Se tivessem acertado, o prognóstico político para os Democratas ainda seria perder assentos, mas não na escala catastrófica hoje prevista.

Analistas que observam há anos a história das eleições para o Congresso lembram que o partido do presidente que esteja no cargo sempre perde assentos nas eleições de meio de mandato – desde 1862; a média de assentos perdidos em eleições de meio de mandato é de cerca de 32 na Câmara de Deputados e dois no Senado. Só duas vezes, desde a Guerra Civil – em 1934, durante a Depressão; e em 2002, depois dos ataques do 11/9 –, o partido do presidente ganhou assentos, dois anos depois de ter tomado posse. Outros especialistas argumentam que a maioria Democrata cresceu mais do que a média e contra a tendência histórica em 2006 e 2008: efeito da impopularidade de George W. Bush; os Democratas ganharam alguns assentos que normalmente não ganhariam e, nesse sentido, as perdas de 2010 podem ser vistas, em certa medida, como movimento pelo qual os Republicanos recuperam os votos que tradicionalmente são seus.

O primeiro argumento é evidentemente verdadeiro. O segundo tem algum fundamento, mas seu peso tem sido exagerado. Os Democratas expandiram sua base em 2006 e 2008, vencendo em áreas que sempre haviam sido Republicanas. Mas não chegaram lá apenas por causa da impopularidade de um governo Republicano. Algumas daquelas áreas estavam em processo de mudança demográfica, suficientemente profunda para tornar mais palatáveis os candidatos Democratas. No 7º Distrito de Michigan (a oeste e ao sul de Ann Arbor), no 5º Distrito de Virginia (sudoeste, incluindo Charlottesville), e no 19º Distrito de New York (condados de Dutchess e Rockland), por exemplo, um aumento no número de eleitores com formação universitária ajudou a construir as vitórias dos Democratas em 2006 e 2008, e é possível que voltem a vencer nesses distritos.

No longo prazo, o mapa dos distritos competitivos expandiu-se a favor dos Democratas, por causa dessas mudanças, que também levaram mais eleitores latinos para o sudoeste (pode-se prever que até o Texas talvez seja estado Democrata à altura do ano 2020). Mas em 2010, os atuais representantes Democratas em três desses distritos – Mark Schauer, Tom Periello e John Hall, respectivamente – estão hoje lutando para salvar o próprio futuro político e há alto risco de não serem reeleitos [1].

Entre os Democratas e a esquerda norte-americana há, como sempre, mais diferenças do que semelhanças na avaliação que fazem sobre como as coisas chegaram ao ponto em que estão. O argumento padrão da esquerda é que Barack Obama não conseguiu atender nem às expectativas da esquerda politizada nem da população mais pobre em pelo menos dois campos cruciais: o pacote de ‘estímulos’ à economia e as leis de reforma das Finanças e da Saúde. Os centristas argumentam que Obama foi excessivamente ‘esquerdista’ e ‘populista’ e deveria ter-se concentrado mais na administração do déficit. Alguns observadores culpam Obama por ter-se dedicado excessivamente a construir ‘consensos’ entre os dois partidos, o que consideram esforço ingênuo e excessivo, que se fundamentaria numa espécie de fé messiânica nos pressupostos poderes de persuasão do próprio presidente, apesar de ter de disputar votos nas eleições locais (ing. caucuses) em que dominam alguns grupos decididos a em nenhum caso colaborar com Democratas. Outros criticaram o presidente Obama por não se ter posto em campanha corpo a corpo mais agressivamente ao longo do ano, e não ter nem tentado definir pessoalmente os termos do debate, em vez de deixar que os Republicanos os definissem.

Há alguns grãos de verdade em cada um desses argumentos; o último, acima, é o mais difícil de enfrentar e desmentir. Nos longos discursos de 6/9 (Dia do Trabalho) e de 8/9, nos quais Obama declarou sua posição sobre impostos, pequenos empreendimentos e outras questões, e no qual falou em tom raramente usado, muito pessoal e focado, sobre o líder dos deputados Republicanos de Ohio, John Boehner, Obama aceitou a disputa. Mas é estranho que tenha demorado tanto tempo a fazê-lo, sobretudo depois de os Republicanos terem exposto a própria intransigência e depois de um longo verão durante o qual os Democratas sofreram vários revezes políticos, desde o fracasso das tentativas para aprovar legislação sobre energia, até a chuva de números muito ruins sobre o desemprego, sem esquecer a agitação demagógica, intolerante, vergonhosa, que se criou em torno da construção do Centro Islâmico de Manhattan.

Deve-se considerar contudo que é perfeitamente possível que as eleições de 2/11 não sejam tão ruins para os Democratas quanto a maioria dos jornais prevê. Não se sabe, sequer, se o “Movimento Tea Party” conseguirá dividir os votos da ala mais conservadora dos Republicanos [ing. GOP, Great Old Party]. Mas, aconteça o que acontecer, ainda que os Democratas não percam a maioria na Câmara de Deputados ou que só percam por pequena margem, e no Senado com margem mínima, não há dúvidas de que a situação é difícil. Mais uma vez, como aconteceu depois do 11/9, e tem acontecido frequentemente na política norte-americana, os Republicanos têm conseguido rotular os Democratas, não apenas como partido elitista, mas, em larga medida, também como partido alienado das grandes questões ‘americanas’ [“antiamericano”, nesse sentido], rótulos contra os quais nem o presidente nem qualquer dos Democratas reagiram.

Quem tenha visto a campanha eleitoral de Obama, conduzida com mão de mestre, durante a qual a equipe sempre respondia a todos os ataques com rapidez e eficácia, seria levado a crer que os Democratas teriam, afinal, aprendido a responder e não admitiriam quaisquer novos ataques à sua imagem e aos seus fundamentos. Nada disso aconteceu depois da posse de Obama.

Minha resposta pessoal à questão de como as coisas chegaram ao ponto (muito ruim) a que chegaram tem menos a ver com se Obama seria homem mais de esquerda ou mais de centro; e tem mais a ver com a aparente incapacidade, talvez recusa, pelo presidente e por seu Partido, a expor em argumentos claros, convincentes e persuasivos as suas crenças centrais, construindo um discurso claro de oposição ao discurso dos Republicanos. É problema antigo, desde os anos Reagan. E é um ponto frágil, que muitos Democratas e militantes da esquerda norte-americana esperavam que Obama conseguisse modificar – porque a campanha eleitoral fez crer que Obama seria capaz de modificar. Mas, acabada a campanha, nem Obama nem qualquer de seus assessores e conselheiros deram qualquer atenção a esse ponto.

Na política norte-americana, os Republicanos sempre falam em temas muito amplos e tendem a misturar todos os detalhes; e os Democratas sempre ignoram os temas amplos e focam-se nos detalhes. Os Republicanos, por exemplo, falam constantemente de “direitos” e “liberdade” e balizam todas as suas iniciativas – cortes de impostos, desregulação etc. – nos limites dessas amplas categorias. Os Democratas, por sua vez, falam mais de programas específicos e de políticas e não se manifestam sobre os grandes temas. Há um motivo para que as coisas seja  assim: os temas dos Republicanos, “direitos” e “liberdade” são temas populares, que estão na boca do povo; e as políticas dos Republicanos raramente são populares; e os temas dos Democratas (“comunidade”, “tolerância”, “justiça social” não são temas populares e raramente são ouvidos pelas ruas; e vários dos programas de políticas dos Democratas (“Reforma da Saúde”, “assistência pública à Saúde” e até, em vários casos, a política de precificar as emissões de carbono) contam, quase sempre, com maior apoio popular. Por isso, quando tudo parece estar falhando, os Democratas tentam assustar os eleitores com o risco de a Assistência Social ser extinta, no caso de os Republicanos serem eleitos – como, aliás, já estão fazendo nesse exato momento.

Mas os Democratas sempre erraram muito em um ponto, desde os anos Reagan: eles absolutamente não conseguem conectar suas políticas e suas crenças políticas mais fundamentais. De fato, é como se os Democratas tentassem ocultar aquelas crenças políticas fundamentais, ou mudam de assunto sempre que o tema emerge. O resultado disso tem sido que, já há muitos anos, os Republicanos têm conseguido expor sua filosofia como algo que seria ‘autenticamente’ “americano”, ao mesmo tempo em que encontram ponto de apoio para mover sua alavanca contra os Democratas, acusados de serem opositores dos valores nacionais norte-americanos. “Querem transformar os EUA em país socialista europeu”, por exemplo, é linha de ataque retórico que circula desde muito antes do governo Obama – foi usada contra o plano de reforma da Saúde, de Clinton.

Considerem-se então os problemas específicos que Obama têm de encarar, mestiço (visivelmente negro), com nome exótico e biografia absolutamente atípica entre os presidentes dos EUA. Acrescente-se a maior crise econômica em 80 anos, e as respostas do governo à crise, respostas que, para um grupo super organizado e energizado da extrema direita, aproximam os EUA do socialismo. Um dos efeitos desse processo é que os EUA conhecem hoje uma nova facção, o rico movimento “Tea Party” que se autoproclamou símbolo, praticamente, do americanismo mais ‘puro’ e que trabalham incansavelmente para apresentar o presidente, suas ideias, suas políticas e seus apoiadores, não só como não-americanos, mas como ativos antiamericanos. Pesquisa feita pela revista Newsweek, distribuída no final de agosto, mostra que cerca de 1/3 dos norte-americanos declaram com “absoluta verdade” e como “provável verdade” que Obama “aceita os objetivos dos fundamentalistas islâmicos que querem implantar a lei islâmica em todo o mundo” [2].

Nesse quadro, nenhum Democrata de destaque, nem o próprio Obama, teve a ideia de declarar algo como “Amamos os EUA como vocês amam. Para nós, amar os EUA é oferecer assistência pública de boa qualidade à saúde de todos; é defender a preservação do meio ambiente e impor rédea firme, efetiva, contra os especuladores de Wall Street”. Até agora, os Democratas deixaram-se diminuir, eles mesmos; não fizeram outra coisa além de oferecer versões limitadas de ações políticas legítimas; e entregaram aos Republicanos, sem luta, a bandeira do amor proclamado aos EUA.

Esse é um dos fatores que nenhuma pesquisa aferiu até agora, mas estou convencido de que a hesitação dos Democratas, que não se decidem a associar seus programas a crenças mais profundas está desmoralizando o partido aos olhos da esquerda norte-americana e confundindo (ou deixando que se afastem) os independentes. Os eleitores vão às urnas com a impressão de que os Republicanos lutam pelos EUA; e que os Democratas lutam pelas próprias candidaturas. Na campanha eleitoral, Obama impôs, com vigor, um apelo nacional, patriótico; seus dois discursos, na convenção de 2004 e em Iowa, no Dia Jefferson-Jackson, em novembro de 2007, são exemplo disso. Hoje, qualquer impressão de que os Democratas tenham alguma posição coerente sobre o tipo de país que desejam já virou pó. Como se, hoje, os únicos  problemas que realmente mobilizam e preocupam os Democratas fossem as posições divergentes, dentro do partido, sobre a reforma da Saúde ou o desempenho de Tim Geithner. 

O Congresso que assumirá em janeiro do próximo ano, mesmo que os Democratas não percam a maioria, será muito diferente do que Obama encontrou ao assumir a presidência. A margem de vantagem dos Democratas nas duas Casas – que hoje é de 77% na Câmara e de 18% no Senado, contando-se os dois senadores independentes que votam com os Democratas nos caucuses – estará significativamente menor. Dado o número de Democratas conservadores e de centristas que permanecerão no Congresso, mas provavelmente votarão com os Republicanos, a chance de que o governo consiga aprovar leis progressistas aproxima-se perigosamente do zero.

É bastante provável que deputados conhecidos não se reelejam – e Ted Kennedy e Robert Byrd, últimos laços remanescentes dos melhores dias do Senado, morreram durante a última legislatura. –Patty Murray do estado de Washington, que chegou ao Senado em 1992,  nas eleições do “Ano da Mulher”, depois da polêmica Anita Hill-Clarence Thomas, enfrenta hoje disputa duríssima contra o Republicano Dino Rossi, que, em 2004, perdeu a eleição para governador mais disputada da história dos EUA (depois de ter sido declarado vencedor). Russ Feingold, de Wisconsin, está perdendo, segundo pesquisas, para Ron Johnson, candidato financiado pelo Movimento “Tea Party”, que se casou com herdeira de uma fábrica de plástico que ele próprio converteu em megaempresa, e que disse, mês passado, sobre o aquecimento global: “O mais provável é que o aquecimento seja efeito das manchas solares, ou simples movimento de acomodação, semelhante aos que sempre aconteceram na longa duração, no tempo geológico, e que sempre provocaram alterações climáticas.” Se Murray e Feingold não se elegerem, a eleição marcará clara e fragorosa derrota dos Democratas.

Pelo menos sete candidatos do Movimento “Tea Party” venceram eleições primárias dos Republicanos para o Senado. Christine O’Donnell de Delaware foi a que mais recebeu atenção, desde a surpreendente vitória de 14/9 sobre o moderado Mike Castle; mas enquanto luta para explicar sua atividade passada no mundo da finança, dentre outras atividades, outros candidatos da direita não repetem a vitória eleitoral. Em Utah, Mike Lee quase com certeza derrotará o candidato Democrata Sam Granato. O Salt Lake Tribune, que no início do ano apoiava um opositor de Lee, escreveu:

“As políticas de [Tim] Bridgewater são quase igualmente radicais. Concorrem, de fato, dois ideólogos da extrema direita, nessas eleições. Mas, em nossas discussões, percebemos em Bridgewater um pouco mais de abertura para ideias mais amplas, uma fagulha de pragmatismo. De Lee, nem isso se pode dizer.”

No Colorado, Ken Buck aparece com pequena vantagem à frente do candidato Democrata Michael Bennet, indicado quando Obama nomeou o então Senador Ken Salazar para a presidência do Departamento do Interior. Sobre Seguridade Social, Buck disse que “Nem sei se é constituicional ou não”. É contra o aborto, inclusive em caso de estupro e incesto.

Christine O’Donnell e Sharron Angle de Nevada também são contra o aborto. Sharron concorre com o Líder da Maioria no Senado Harry Reid e também é contra o aborto, sem exceções, nem nos casos de risco para a vida da mãe. Em janeiro, perguntada num programa dos conservadores, sobre se haveria alguma razão que justificasse o aborto, respondeu “Não na minha Bíblia”.

Angle falava num programa de rádio dos conservadores: muitos candidatos do “Tea Party” têm evitado os programas da grande mídia, e só falam aos eleitores pelos seus blogs, páginas do Facebook, programas das rádios religiosas e da direita e (quando encontram espaço livre na grade) pelo canal Fox News.

Todos viram as dificuldades pelas quais passou Rand Paul, do Kentucky – que provavelmente também será eleito ao Senado – quando se deixou entrevistar por Rachel Maddow da rede MSNBC. A entrevistadora apertou de tal modo o cerco sobre Paul, na questão dos direitos civis, que ele acabou por admitir que, como consequência lógica de sua oposição a qualquer limitação à liberdade de associação, Paul teria sido contrário à Lei dos Direitos Civis de 1964. Depois dessa entrevista, Paul e outros candidatos do Movimento “Tea Party” têm evitado esse tipo de entrevista.

Angle disse à Rede de Televisão Cristã que não daria entrevistas a veículos de mídia que não fossem conservadores, porque os veículos não conservadores não a ajudariam no esforço para arrecadar fundos de campanha (“não há dinheiro para mim, por lá”).

Na Câmara, nenhum dos Democratas corre risco de não se eleger. Na Califórnia, por exemplo, o lugar de Henry Waxman parece garantido. Mesmo assim, os Democratas terão de amargar alguns territórios perdidos. Desde 1969, David Obey, nome destacado da esquerda norte-americana, é representante do 7º Distrito de Wisconsin, na fronteira norte das Cidades Gêmeas. Esse Distrito, segundo o analista político Nate Silver, passará, quase com certeza para os Republicanos. Os Democratas também perderão espaço em Indiana, Colorado, Arizona, Washington, West Virginia, New Mexico e em vários outros estados.

Ainda não se sabe com precisão quantos candidatos Republicanos à Câmara de Deputados estão sendo apoiados por grupos do Movimento “Tea Party”, porque há quantidade astronômica desses grupos e porque a grande mídia muitas vezes rotula alguns candidatos sem que tenham recebido apoio declarado do Movimento. Vale a pena observar, contudo, que grande número de candidatos Republicanos à Câmara de Deputados têm prometido atender a uma das principais exigências do Movimento “Tea Party”: que o governo federal não gaste mais do que arrecada, com auditoria anual do orçamento. É exigência ao mesmo tempo radical e quimérica – o governo Reagan, que os “Tea Partistas” consideram santificado, administrou déficits durante seis de seus oito anos de mandato. A exigência – e não é segredo para ninguém – é ataque direto aos itens reservados no orçamento para a Seguridade Social e o Medicare, uma vez que comprometem 40% dos gastos federais; o verdadeiro objetivo de muitos conservadores é afastar o governo da administração das aposentadorias e pensões e da saúde.

Os candidatos que defendem essas posições, vale lembrar, estão sendo e serão apoiados por quantidades jamais vistas de dinheiro das grandes corporações. Depois da decisão da Suprema Corte, em Janeiro, no processo dos “Cidadãos Unidos”, as corporações ficaram livres para gastar quanto queiram [3]. Especialistas têm dito que as grandes empresas, com ações na Bolsa, até agora não modificaram seus padrões de contribuição para campanhas eleitorais; mas empresas menores, familiares, “estão saltando para o bolo das doações para campanhas eleitorais, a maioria tendendo para o lado dos Republicanos” [4]. Em fevereiro, o Center for Responsive Politics estimava que serão gastos mais de 3,7 bilhões de dólares nas eleições de meio de mandato de 2010, 30% mais do que em 2006 – e ainda sem levar em conta os efeitos da decisão da Suprema Corte no caso dos “Cidadãos Unidos” [5].

Meio morbidamente, será interessante ver o que acontecerá num Congresso ocupado por tão vasta população de pessoas tão ávidas de mudar-se para lá quanto enfáticas ao declarar que “desprezam” todos os políticos e a política. Saia o que sair das próximas eleições, uma coisa é certa: se os Republicanos conseguirem maioria na Câmara de Deputados, por-se-ão a investigar freneticamente o governo Obama, o que bem possivelmente talvez chegue a outra drama de outro impeachment.

É assunto que ninguém discute, mas não é segredo. No final de agosto, o jornal POLITICO noticiou:

“Tudo, do mais microscópico – o Novo Partido dos Panteras Negras – ao mais massivo – o ‘resgate’ dos grandes bancos – já está na lista das tarefas dos Republicanos, para investigar em futuro próximo, disseram vários assessores dos Republicanos entrevistados pelo jornal POLITICO.
Os assessores dos Republicanos dizem que não haverá caça às bruxas, mas não há dúvidas de que esperam entusiasmados a possibilidade de extrair informação ocultada por um governo que se vangloria de ser transparente.
Meia dúzia de muito agressivos aspirantes a presidente de comissões – liderados pelos Deputados Darrell Issa (R-Calif.) e Lamar Smith (R-Texas) – trabalham em silêncio, preparando-se para uma possível longa temporada de ataques e convocações e denúncias, que não se via desde as guerras de Clinton, no final dos anos 1990s [6].

Michelle Bachmann, Deputada por Minnesota, disse, como sempre, no tom absolutamente sem autocomedimento dessa nova direita, ao ser interrogada sobre como os Republicanos usarão seu poder de investigar: “Oh, sim, acho que temos de investigar e investigar. Temos de ter audiência depois de audiências, convocações todos os dias, cada dia uma denúncia e nova Comissão Especial de Inquérito. Fazê-los sangrar.”

Os Republicanos mais provavelmente negarão que seu objetivo final seja o impeachment. Mas por que não seria? Até agora, têm demonstrado que jogam para a própria torcida, e muitos, da torcida dos Republicanos acreditam que Obama não seria cidadão norte-americano e, portanto, estaria ilegalmente na presidência. Em pesquisa Em  pesquisa Harris, de março, 24% dos Republicanos creem que Obama “pode ser o Anticristo”. Quando os seus eleitores mais fiéis pensam assim, nada fazer para derrubar o homem que ocupa a presidência beira a falta de competência, seria como um médico recusar-se a salvar o doente. Se os Democratas estão preocupados com o muito discutido “déficit de entusiasmo” entre os eleitores Republicanos e Democratas, boa ideia talvez fosse tirar da penumbra essas ideias, para ventilá-las ao sol.

Na terceira semana de setembro, algumas novas pesquisas mostravam resultados melhores para os Democratas. Os índices de aprovação de Obama parecem estabilizados, e de fato, se se consideram os números do desemprego, nem são os piores – melhores que os de Reagan em situação semelhante. E os Republicanos continuam a perder para os Democratas, em várias pesquisas sobre opinião pública e as grandes questões políticas.

Muita coisa pode acontecer até o dia das eleições e, até lá ainda se disputarão questões importantes. Como a questão da renovação dos cortes de impostos de Bush. Os cortes foram aprovados em 2001, sob regras de ‘reconciliação’ que, dez anos depois, já perderam a vigência, com números que fazem lembrar 2000. Pesquisas recentes mostram que a maioria apoia Obama e vários Democratas, que propõem manter os cortes para famílias que ganhem até 250 mil dólares anuais e extingui-los para as famílias de renda mais alta. Os Republicanos desejam manter todos os cortes de impostos, tornando-os permanentes. A maioria (53%) apoia a proposta dos Democratas, contra 38% a favor de manter os cortes de impostos, segundo pesquisa de meados de setembro, feita pelo New York Times/CBS.

O quanto essa questão e essa diferença podem favorecer os Democratas nas próximas eleições ainda é questão a discutir, discussão que não interessa igualmente a todos os Deputados e Senadores, hoje em campanha eleitoral. (...)

Evidentemente, se pode argumentar, como tema de economia política, que os EUA não precisam de mais cortes nos impostos ou que, pelo menos, não precisam só disso. Ocultado ou perdido em praticamente todas as discussões sobre se os norte-americanos mais ricos aceitarão voltar a pagar 39,6% em vez de 35% de impostos sobre toda a renda que ultrapassar os $250 mil dólares, está o fato de que, de 1950 a 1963, nos tempos em que se construía por aqui uma vasta classe média, quando os temas democráticos que falavam de “comunidade” ainda não eram considerados tóxicos, a taxa marginal média que se discutia para as super grandes fortunas, taxa que as maiorias dos dois partidos apoiavam, ultrapassavam os 90%. De fato, havia inúmeros meios para escapar dessas taxas. E aqueles dias nunca mais voltarão.

Mas enquanto os Democratas permitirem que os Republicanos continuem a dar a impressão de que defendem valores norte-americanos (além de eles mesmos definirem aqueles valores), assuntos como aquela pequena diferença de 4,5% serão atacados em termos de luta de classes (e nada pode ser menos americano que a luta de classes!), mas os ataques continuarão a ecoar longe, longe, bem longe das poltronas das presidências das Comissões da Câmara de Deputados. [30/9/2010]

NOTAS
[1] Nate Silver, em 2008, passou a publicar seu blog no The New York Times; como antes, publica previsões de resultados para todas as eleições, em todo o país. 
[2] Resultados por partido mostram que 52% dos Republicanos pensavam assim; 27% dos independentes; e menos de 17% dos Democratas. Ver , question 24
[3] Ronald Dworkin, “The Devastating Decision”, 25/2/2010; e “The Decision That Threatens Democracy”, 13/5/2010.
[4] Michael Luo e Stephanie Strom, “Donor Names Remain Secret as Rules Shift,” The New York Times, 21/9/2010.
[5] “Midterm Elections Will Cost at Least $3.7 Billion,” Open Secrets, 23/2/2010.
[6] Glenn Thrush, “GOP Plans Wave of White House Probes”, Politico, 27/8/2010