domingo, 12 de dezembro de 2010

A narrativa da imprensa nos EUA (e no Brasil) esconde a importância da questão Israel - palestinos

É INDISPENSÁVEL LER & INTERPRETAR OS TELEGRAMAS WIKIVAZADOS. 
O Estadão, a Folha de S.Paulo, O Globo, a revista (NÃO)Veja só recortam, dos telegramas, o que “confirme” a interpretação POLÍTICA dos próprios jornais e jornalistas. 
A leitura que aí vai é EXEMPLAR do que se obtém DOS TELEGRAMAS, não das versões jornalísticas dos telegramas
10/12/2010, Eli Clifton e Jim Lobe, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


WASHINGTON. Líderes israelenses eufóricos e seus apoiadores neoconservadores gastaram boa parte da semana passada insistindo em que os telegramas do Departamento de Estado dos EUA publicados por WikiLeaks provariam que os líderes árabes sunitas no Oriente Médio estariam muito mais preocupados com a ameaça pressuposta de um Irã em ascensão e possivelmente nuclear, do que com resolver o conflito entre israelenses e palestinos. 

Mas exame mais acurado dos telegramas mais importantes mostra outra mensagem enviada a Washington por seus aliados árabes: controlar o Irã e resolver o conflito Israel - Palestinos são questões inextrincavelmente ligadas uma à outra; e a via mais efetiva para resolver a primeira questão é conseguir progressos tangíveis na segunda. 

De fato, a ideia de que há essa ligação inextrincável – a noção, aceita também pelos mais altos escalões militares dos EUA, de que resolver o conflito entre israelenses e palestinos ajudará a promover os interesses estratégicos dos EUA no Oriente Médio – emerge como tema recorrente em discussões confidenciais anteriores entre líderes árabes e diplomatas dos EUA, como melhor via para fazer frente ao crescente poder regional do Irã e para conter o programa nuclear de Teerã. 

Mas essa não é a mensagem que Israel e seus apoiadores têm batido e repetido desde a divulgação do primeiro bloco de 220 documentos, dia 29/11, por WikiLeaks. 

O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu imediatamente tomou os comentários apresentados como anti-Irã pelos líderes árabes citados com destaque no New York Times como comprovação e argumento que fortaleceria a posição de Israel. 

“Há um vácuo entre o que dizem os líderes privadamente e em público, sobretudo em nossa região, porque nossa região é refém de uma narrativa, e essa narrativa é resultado de quase 60 anos de propaganda” – disse Netanyahu em conferência de imprensa em Telavive, logo depois que WikiLeaks divulgou os primeiros telegramas. “Nessa narrativa, a única grande ameaça à paz regional e ao futuro dessa Região seria o conflito Israel - Palestinos e uma suposta agressão israelense”. 

“Contudo, a realidade mostra que os líderes árabes entendem que essa narrativa faliu. A realidade é que há uma nova compreensão de que há uma nova ameaça por aqui” – afirmou Netanyahu, sugerindo a existência de um suposto consenso entre Israel e os Estados árabes sunitas, segundo o qual seria necessário e urgente impedir que Teerã alcançasse capacidade nuclear e que, para isso, dever-se-iam empregar todos os meios necessários. 

Essa mensagem foi repetida pelos apoiadores do Partido Likud de Netanyahu nos EUA, durante praticamente toda a semana passada.

“Obama perdeu de vista a bola do jogo real, pondo em situação precária Estados árabes aliados, e mentiu ao povo dos EUA e ao mundo, que seriam necessárias conversações de paz para conter a ameaça iraniana” – escreveu Jennifer Rubin no blog Contentions, da revista Commentary [1]. 

“Os governos na Região pouco se preocupam com o conflito Israel-Palestinos. Estão sufocados pelo Irã” – escreveu David Frum, redator dos discursos de George W Bush, em seu Blog FrumForum blog e no National Post, do Canadá. “Se a questão Palestina é tão pouco importante no Oriente Médio, por que é tão importante nos EUA?” 

Verdade é que, embora incansavelmente repetida por jornalistas, colunistas, jornais, revistas e blogs neoconservadores, essa interpretação é praticamente impossível, a partir do que se lê nos próprios telegramas. 

“A chave para controlar o Irã tem de ser buscada em algum progresso que se obtenha na questão Israel - Palestinos” – disse o príncipe coroado de Abu Dhabi e comandante supremo das Forças Armadas dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Mohammed bin Zayed al-Nahyan, em visita que fez ao Secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, dia 15/7/2009, segundo telegrama datado de cinco dias depois [2]. 

“Para convencê-los, os EUA devem trabalhar rapidamente para chegar à solução dos Dois Estados, apesar de todas as objeções do governo de Netanyahu. Sugeriu que trabalhemos com os palestinos moderados que apóiam o Mapa do Caminho”, acrescentou bin Nayef, cuja hostilidade contra o Irã já estava patente na comparação – destacada pelo Times – do presidente do Irã a Adolf Hitler. 

Cinco meses depois, dia 9/12/2009, em encontro com o secretário de Energia Daniel Poneman, bin Zayed voltou ao mesmo tema. O príncipe “enfatizou a importância estratégica de criar-se um Estado palestino (i.e. de por fim ao conflito Israel - Palestinos) como única via possível de criar unidade genuína no Oriente Médio sobre a questão do programa nuclear e das ambições regionais do Irã” – nas palavras de “Olson [3]”, que assina o telegrama [4]. 

Outro telegrama, de 27/5/2008, narra conversação entre o deputado Jeff Fortenberry e Gamal Mubarak, filho e ‘herdeiro’ previsto do presidente egípcio Hosni Mubarak. Perguntado pelo deputado sobre qual seria o melhor modo de conter o programa nuclear iraniano, Mubarak respondeu: “O Egito e a Arábia Saudita, assim como a Jordânia, são os “pesos-pesados” que podem conter o Irã”. [5]

O telegrama prossegue, informando o Departamento de Estado que Mubarak “advoga movimento na trilha de resolver o conflito Israel/Palestinos, para remover a principal questão que o Irã pode usar como pretexto”. 

“Falando aos funcionários políticos da embaixada [orig. PolOffs], no início de fevereiro de 2009, imediatamente depois da Guerra de Faza, o diretor do Gabinete Político do primeiro-ministro da Jordânia Khaled al-Qadi observou que “a crise de Gaza permitiu que a interferência do Irã nas relações interárabes alcançasse níveis sem precedentes” – segundo telegrama da Embaixada dos EUA em Amman, imediatamente depois das três semanas de guerra entre Israel e o Hamás, em janeiro de 2009. [6]

O governo da Jordânia também considerou o conflito entre Israel e Palestina como o fator chave para a expansão da influência regional do Irã, como se lê no mesmo telegrama de 2/4/2009.

“Líderes jordanianos argumentaram que o único modo de conseguir puxar o tapete de sob os pés do Hezbollah – e, por extensão, de seus patrões iranianos – é Israel devolver ao Líbano as Fazendas Shebaa” – prossegue o mesmo telegrama. “Se o Hezbollah perder o argumento da “resistência à ocupação israelense” para manter a confrontação com Israel, perderá sua raison d'etre e, provavelmente, o apoio doméstico”. 

Em reunião dia 14/2/2010, com o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA John Kerry, o Emir do Qatar Hamad bin Khalifa Al-thani sugeriu que os esforços de Israel para obter apoio dos EUA e dos árabes para uma política mais confrontacional contra o Irã está de fato relacionado ao conflito Israel - Palestinos. “Os israelenses” – o Emir disse ao seu convidado – estão “usando o interesse dos iranianos em obter armas nucleares, como cortina de fumaça, para que esqueçamos a urgência de Israel acertar-se com os palestinos” [7]

Três dias depois, segundo telegrama datado de 22/2/2010, o ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos Sheikh Abdullah bin Zayed al-Nahyan alertou outra delegação de congressistas dos EUA liderada por Nita Lowey, empenhada apoiadora de Israel na Câmara de Deputados, contra um ataque militar contra o Irã. Como se lê no telegrama, o ministro concluiu a reunião com um “monólogo sobre a importância de um bem-sucedido processo de paz entre Israel e seus vizinhos como provavelmente o melhor modo de reduzir a influência regional do Irã.” [8]

Flagrantemente, como se vê nos telegramas, o fato de que os líderes árabes tanto tenham destacado a importância de resolver-se a disputa entre Israel e os palestinos não surpreendeu nenhum dos especialistas norte-americanos em Oriente Médio; nem os surpreendeu que os líderes israelenses e apoiadores conservadores nos EUA tanto se tenham empenhado – como se viu na semana passada – em ignorar ou ocultar a mensagem real. 

Já em telegrama de janeiro de 2007 publicado por WikiLeaks, a Embaixada dos EUA em Telavive alertou a secretária de Estado Condoleezza Rice de que o governo de Israel “manifestou-se profundamente interessado em que as questões israelenses-palestinos não se associem, na mente dos norte-americanos, à necessidade de criar-se ambiente regional mais propício para seja qual for a medida que decidamos tomar quanto a situação no Iraque, que se deteriora rapidamente” [9], situação que, naquele momento, parecia estar degenerando em guerra civil sectária. 

Ideia semelhante também foi reforçada pela publicação, em novembro, de relatório do Iraq Study Group, presidido pelo ex-secretário de Estado James Baker e pelo ex-deputado Lee Hamilton, o qual, dentre outras contribuições, concluiu, claramente: “Os EUA não alcançarão nenhum de seus objetivos no Oriente Médio, a menos que os EUA lidem, diretamente, com o conflito entre israelenses e palestinos”. (Contribuiu Ali Gharib. Inter Press Service)





Notas de Tradução


[1] É a revista mais sionista mais reacionária dos EUA, só comparável a outra, Dissent. São revistas tão sionistas e tão reacionárias, que foram imortalizadas pelo judeu Woody Allen, no filme “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” [Annie Hall. 1977], em diálogo entre Alvy Singer e Robin (aqui já traduzido, na medida do possível (ou necessário) : 
Alvy Singer: Estou farto de passar as noites fingindo que tenho insights com gente que trabalha para a revista “Dysentery”. / Robin[corrigindo Alvy]: Revista “Commentary”. / Alvy Singer: É mesmo? Me disseram que as revistas “Commentary” e “Dissent” tinham-se fundido e formado a nova “Dysentery”.
[2] “10. (S/NF) MBZ [o príncipe] sugeriu que a chave para controlar o Irã tem de ser buscada em algum progresso que se obtenha na questão Israel-Palestinos. Argumentou que será essencial trazer para bordo a opinião pública árabe, para o caso de conflito com o Irã, e 80% dessa opinião pública jamais se deixará persuadir [da importância de atacar-se o Irã]”. (do telegrama, aqui já traduzido, que se pode ler na íntegra, em inglês em http://git.tetalab.org/index.php/p/cablegate/source/tree/7077673a998cb1aa53dd4dfba1e427773f1e4b77/dates/2009/07/09ABUDHABI736.txt).
[3] Richard Olson, Embaixador dos EUA nos Emirados Árabes Unidos.




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