*Adriano
Benayon - 02.05.2012
No
momento em que surgem novos avanços na nanotecnologia e na criação de materiais,
como o grafeno, é fundamental compreender a interação da tecnologia com o
desenvolvimento econômico e social.
2.
Indispensável afastar ilusões, pois não há algo de que se fale tanto e de que se
entenda tão pouco como essa interação. Mesmo os que trabalham em inovar com
produtos e processos não têm, na maioria, a percepção de como um país se
desenvolve através da tecnologia.
3.
Na teoria econômica, ela é vista como progresso técnico e elemento externo à
função de produção, na qual entram os fatores: recursos naturais, trabalho e
capital (conjunto de máquinas, instrumentos e materiais utilizados na
produção).
4.
Alguns autores assinalam o papel da tecnologia como fator organizativo, que
determina a composição e a proporção dos fatores de
produção.
5.
Os que exercem poder sobre o capital, privado ou público, escolhem a tecnologia
a ser adotada. Para isso, baseiam-se, de um lado, no que os técnicos criam e,
de outro, nas estratégias de mercado e/ou nos objetivos da política econômica.
Os criadores de tecnologias as desenvolvem em função de suas ideias e do que
lhes é demandado por parte dos que comandam o
capital.
6.
Fator invisível, mas concreto, da produção, a tecnologia decorre do trabalho,
pois é gente que a produz: engenheiros, técnicos, artesãos (como nos primeiros
séculos da industrialização) ou operários.
7.
Por outro lado, tendo valor - e muito, do ponto de vista do mercado e em termos
monetários - a tecnologia é quase sempre apropriada pelos detentores do capital,
podendo a mais-valia ser especialmente elevada.
8.
De resto, o ordenamento jurídico da propriedade industrial está no Acordo TRIPS
(Trade Related Intellectual Property Rights) da Organização Mundial do Comércio
(OMC), aprovado no Brasil, no final de 1994.
9.
Esse acordo protege, muito mais que os direitos dos inventores, as corporações
transnacionais. É instrumento da oligarquia para aprofundar o apartheid
tecnológico, impedindo a absorção de tecnologia por países e empresas de menor
desenvolvimento.
11.
Essas legislações inserem-se no salto qualitativo do crescimento da concentração
do poder sob o império anglo-americano, em seguida ao desmantelamento da União
Soviética. Foi assim radicalizada a apropriação da tecnologia pelos
concentradores transnacionais do poder econômico.
12
Se,
antes de 1990, já prevalecia o comando do capitalismo – por definição,
concentrador – sobre os benefícios e os rendimentos monetários advindos da
tecnologia, esta passou, desde então, a ser cada vez mais amplamente expropriada
do Estado, dos empresários médios e pequenos, bem como dos técnicos e demais
trabalhadores.
13.
Tal como os demais bens suscetíveis de serem públicos, ou de - embora privados -
beneficiarem o conjunto da sociedade, a tecnologia vem sendo objeto da
privatização concentradora.
14.
E o que isso tem a ver com a desindustrialização do Brasil, com o baixo
percentual de empregos de qualidade, com as infra-estruturas econômica e social
mal construídas e deterioradas? E com o enorme déficit nas transações correntes
com o exterior, o qual não arrefece nem com a redução da demanda, como foi em
2011?
15.
Ora, o Brasil, após agosto de 1954, foi sendo inviabilizado em termos de
desenvolvimento econômico e social, ao ter continuadamente subsidiado a ocupação
do mercado por empresas transnacionais. Com esse tipo de ocupação, não se
desenvolvem tecnologias nacionais, pois raras são as as empresas de capital
nacional que subsistem no mercado.
16.
Aí reside um ponto-chave: tecnologia capaz de alavancar o desenvolvimento só
cresce dentro de empresas em competição nos mercados. Entretanto, domina, na
opinião comum, a falsa concepção de que o Brasil está atrasado tecnologicamente
porque investe pouco em educação, ciência, pesquisa básica e
tecnologia.
17.
É verdade que investe relativamente pouco. Mas o grave mesmo é que, desse pouco,
quase nada resulta em proveito da economia do País. Por que? Porque não há
empresas nacionais evoluindo com progressos tecnológicos próprios. Elas
simplesmente ficaram sem chance de permanecer no mercado ou de nele entrar,
salvo em raros e passageiros nichos, logo apropriados pelos concentradores,
principalmente transnacionais.
18.
Poderíamos comparar a tecnologia aos nutrientes e adubos de uma planta, que
seria a empresa produtiva. Ora, se a planta não é nossa, de pouco nos serve
alimentá-la.
19.
As transnacionais têm seus centros tecnológicos, em geral nas matrizes, e
utilizam nas subsidiárias daqui a tecnologia já paga no exterior durante anos de
vendas, o que lhes permite custo real zero no Brasil. Não têm, pois, interesse
em investir nem em adquirir alguma aqui
desenvolvida.
20.
Se alguma lhes interessar, quase nada pagarão por ela, porque, controlando o
mercado em sistema de oligopólio, impõem os preços e as condições, na qualidade
de únicas compradoras. O que fizeram muito foi adquirir empresas nacionais
apertadas pela política econômica, que as oprime em favor das
ETNs.
21.
Esta é a síntese da questão, como expus e documentei no meu livro “Globalização
versus Desenvolvimento: Não existe país que se tenha
desenvolvido, havendo entregado seu mercado a empresas comandadas
por capitais estrangeiros.
22.
Portanto, o conceito de “transferência de tecnologia” no Brasil só tem sentido
na direção inversa àquela em que costumam falar dele: de brasileiros para as
transnacionais dos países ditos desenvolvidos, ao contrário do que acontece(u)
nos países realmente em desenvolvimento.
23.
Agradeço ao Prof. Weber de Figueiredo, da UFRJ, por me ter transmitido um exemplo típico da ilusão
“desenvolvimentista” fomentada por JK: a eliminação de mais um projeto de
indústria nacional, a Romisetta.
24.
Figueiredo assim resumiu informações de Fernando Campanholo sobre esse veículo
produzido pela Romi, empresa brasileira de Santa Bárbara do Oeste (SP), de
1956 a
1959:
“O governo
JK abriu linha de financiamento subsidiado destinado às multinacionais de
automóveis que se estavam instalando no Brasil. A nacional Romi também pleiteou
o financiamento, deixando os burocratas embaraçados, pois o financiamento fora
pensado apenas para as multinacionais. Mas uma solução engenhosa foi encontrada.
O governo baixou uma portaria definindo que automóvel é o veículo que tem
dois bancos, o dianteiro e o traseiro! E, assim, a brasileira Romi foi jogada
para escanteio, ficando fora do financiamento oficial, falindo a sua linha
automotiva.”
26.
O Fusca da VW chegou a mais de 50% do mercado, dominou-o por mais de vinte anos
e pouco evoluiu. Fora desenvolvido nos anos 1930, e a VW ganhou o
incrível subsídio, dado às multinacionais, em 1954, de registrar como
investimento em moeda, o equipamento e tecnologia de produção, então mais do que
amortizados. Portanto, custo zero para o capital e a tecnologia. Além disso, com
JK, mais subsídios, como o financiamento oficial.
27.
Campanholo conclui:
“A
fabricação de 3.000 unidades no Brasil no período de 1956 até 1961,
principalmente comparados às 22.543 Isettas-BMW fabricadas somente em 1956 pela
Alemanha, fica como triste lembrança de quanto nós estamos suscetíveis e
passivos aos mandos e desmandos do capital estrangeiro. Até
hoje.”
28.
Resultado: as transnacionais, que ficaram com o mercado brasileiro de graça,
continuam recebendo subsídios e remetendo centenas de bilhões de dólares para o
exterior, a diversos títulos. Isso significa descapitalizar o
País.
29.
O Brasil foi programado pelo império anglo-americano para ser uma área de
exploração de recursos naturais, em condição semelhante à maioria dos países
africanos, submetidos ao mesmo tipo de intervenção. Além disso, em base de
lucros provenientes também da indústria, controlada pelas
transnacionais.
30.
Foram elementos-chave da estratégia para que esse programa tenha sido realizado
a pleno contento das potências imperiais e associadas: 1) a intervenção política
e militar diretamente junto aos governos brasileiros; 2) a intervenção do
dinheiro e da corrupção nas eleições, no sistema formalmente democrático; 3) o
genocídio cultural; 4) o fomento da crença em que a entrada do capital
estrangeiro favorece o desenvolvimento, complementa a poupança nacional, e em
outras falácias.
31.
Os entreguistas, culminando com os mega-entreguistas Collor e FHC, radicalizaram
a aplicação dessa fé bizarra e fatal. Foram muito além da simples abertura ao
comércio: fizeram o Estado brasileiro subsidiar os investimentos diretos
estrangeiros, de forma inacreditável, e discriminar contra o capital
nacional.
32.
O Brasil não deixará de ser um país saqueado e enganado pela conversa fiada,
enquanto não se reverter, de modo cabal, tudo isso e a mentalidade
subjacente.
33.
Eis algumas consequências para um país que participa do BRICs e pleiteia assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU, só para ser enrolado pela potência
dominante:
“Dos
25 navios daMarinha de Guerra
do Brasil apenas 14 estão em condições de navegar, e dos seus 23 aviões
apenas um tem condições de levantar voo. Enquanto isso, a Rússia, a Índia
e a China são potências nucleares, detentoras de tecnologia
militar de altíssimo nível...”
“Não
produzimos sequer uma calculadora de bolso - pois falta-nos até
fábrica de chips – somos meros montadores de aparelhos
eletrônicos.”
*Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”
e-mail: abenayon.df@gmail.com
Talvez o raio X que o articulista faz da situação atual do Brasil seja verdadeiro.
ResponderExcluirMas as razões apontadas por ele são para mim completamente equivocadas dentro desse discurso ingênuo (meio peronista) de que o mal vem sempre de fora.
Por que não colocar a culpa nas lideranças políticas e empresariais brasileiras de todos os tempos sempre procurando o caminho mais fácil das commodities do que o desenvolvimento tecnológico (herança portuguesa)?
Por que não colocar também a culpa no povo ignorante, hedonista e sambeiro que prefere uma roda de funk do que uma aula de matemática (herança africana) ?