LTRO = Lourdes Treatment and
Resuscitation Option
Satyajit Das |
por Satyajit Das
[*]
O tempo para
chegar a soluções ao problema da dívida europeia está a ficar cada vez
mais curto.
As esperanças
recentes confiavam no êxito aparente da LTRO –
Long Term Refinancing Operation, mais apropriadamente alcunhada como
Lourdes Treatment and Resuscitation Option – do Banco Central Europeu
(BCE). Em Dezembro de 2011 e Fevereiro de 2012, o BCE ofereceu financiamento
ilimitado a bancos europeus à taxa de 1% para três anos, substituindo um
programa anterior de 12 meses. Os bancos retiraram mais de 1 trilhão de euros
sob esta linha de crédito – €489 bilhões na primeira etapa e €529,5 bilhões na
segunda. A participação entre os bancos europeu foi generalizada, especialmente
na segunda etapa em que cerca de 800 bancos utilizaram a linha de crédito.
Os fundos tomados emprestados
foram utilizados para comprar títulos de governos, retirar ou reembolsar
empréstimos existentes mais caros e os fundos excedentes foram redepositados no
BCE. A primeira utilização implicou que bancos ao tomarem emprestado a 1%
compraram títulos de dívida soberana com rendimento mais elevado, tais como
títulos espanhóis e italianos que pagam 5,5%. Isto permitiu aos bancos lucros de
um carry
trade aprovado
oficialmente – conhecido como Sarkô
em homenagem ao presidente francês.
A LTRO
proporcionou financiamento tanto para países soberanos acossados como para
bancos, a qual precisou elevar a cerca de €1,9 trilhões em 2012. Isto ajudou a
reduzir taxas de juro para países como a Espanha e a Itália. Também ajudou
bancos a aumentar veladamente o capital, através dos lucros ganhos com o
diferencial entre o custo dos empréstimos do BCE e o retorno disponível com os
títulos soberanos.
A LTRO foi
muito engenhosa, efetivamente monetizando dívida (imprimindo dinheiro) sem
romper tratados europeu ou os estatutos do BCE.
O peso
absoluto do dinheiro – a uma nota de 500 euros por segundo levaria 63,5 anos
contar um trilhão de euros – verificou-se um êxito. O sentimento do
mercado financeiro era esmagadoramente positivo alimentando uma grande corrida
em mercados globais de ações e outros ativos de risco.
Contudo, como
eventos a seguir revelaram, havia razões para cautela.
A linha de
crédito LTRO é por três anos. Ela assume as condições serão normalizadas dentro
desse período. Não está claro o que acontece se isto não for o caso.
O economista
Walter Bagehot aconselhava que numa crise os bancos centrais deveriam emprestar
livremente a uma taxa penalizadora e garantidos por bonus colaterais. O BCE não
parece ter entendido suficientemente o mandamento de Bagehot. A taxa está abaixo
das taxas de mercado, equivalendo a um subsídio para os bancos. O BCE e os
bancos centrais de eurozona afrouxaram padrões, concordando em emprestar contra
qualquer espécie de bônus colateral. Com efeito, o BCE está agora a funcionar
como uma instituição financeira, assumindo riscos de crédito e de taxa de juro
significativos nos seus empréstimos.
Se o European Financial Stability Fund (EFSF)
era uma Collateralised Debt
Obligation (CDB), o BCE assemelha-se cada vez mais a um banco altamente
alavancado. O balanço do BCE está agora em torno dos €3 trilhões, um aumento de
cerca de 30% desde que Mario Draghi tomou posse em Novembro de 2012. Ele é
apoiado pelo seu próprio capital (com aumento previsto para €10 bilhões) e o
capital de bancos centrais da eurozona (€80 bilhões). Isto equivale a uma
alavancagem de cerca de 38 vezes.
Criticamente,
a LTRO não pode tratar questões fundamentais.
Ela não reduz
o nível de dívida em países problema, simplesmente financia-os a curto prazo. A
Europa está confiando nos seus programas de austeridade para reduzir dívida.
Como demonstrou a Grécia, e como a Irlanda, Portugal, Espanha e Itália estão
demonstrando, o endurecimento fiscal maciço quando combinado com redução de
dívida do setor privado simplesmente coloca a economia na recessão. Isto resulta
num aumento e não numa diminuição da dívida pública.
Em última
análise, pode ser necessário ir para o caminho grego. Para muitos países pode
ser necessário a reestruturação de dívida para alcançar a redução requerida nos
empréstimos públicos. Curiosamente, os mercados financeiros apreçam o risco de
uma reestruturação espanhola da dívida em torno dos 30-35%.
A LTRO não
melhora o custo ou disponibilidade de financiamento para os países relevantes.
As compras de
títulos de governos financiadas pela LTRO diminuíram artificialmente as taxas de
juro para países como a Espanha e a Itália. A menos que sejam oferecidos ciclos
adicionais de LTRO, as taxas de juro provavelmente retornarão aos níveis do
mercado.
O aumento
real de liquidez disponível para apoiar tomadas de empréstimo soberanas era
inferior a €1 trilhão, com talvez apenas um terço destinado a esta finalidade.
Os bancos utilizaram o grosso dos fundos para reembolsar as suas próprias
tomadas de empréstimos. Como as dívidas tornam-se devidas para reembolso ao
longo do ano, os bancos podem precisar vender os títulos soberanos comprados com
os fundos retirados através da LTRO. A menos que as condições de mercado se
normalizem e os bancos recuperem rapidamente acesso a financiamento normal, isto
colocará uma pressão crescente sobre o financiamento soberano e o seu custo.
Com países
europeus a enfrentar pesados programas de refinanciamento em 2012 e para além
disso, a capacidade para obter fundos a taxas razoáveis continua importante. Os
programas existentes de salvamento assumem que países como Portugal e Irlanda
serão capazes de retomar o financiamento nos mercados monetários em condições
normais a partir de 2013.
Certos
eventos complicam o financiamento comercial em curso de bancos europeus e de
países soberanos. A necessidade de bônus colateral para suportar financiamento
do BCE “obrigam” outros investidores prestamistas subordinados reduzir sua
propensão para emprestar ou aumentar o custo. Na reestruturação grega, bancos
centrais europeus e instituições oficiais foram isentas de perdas por legislação
retroativa ao passo que outros investidores sofreram cancelamentos de 75%. Isto
tem reduzido a propensão de investidores a financiar países considerados
perturbados.
Os bancos
europeus já têm grandes exposições à dívida soberana, a qual a LTRO os encorajou
a aumentar. Considere-se que bancos espanhóis e italianos compraram cerca de €90
e €60 bilhões dos títulos dos seus respectivos países desde o princípio da LTRO.
Como as taxas de juro de títulos espanhóis e italianos aumentaram, os
compradores agora têm grandes perdas ao preço de mercado (mark-to-market)
não realizadas sobre estes haveres.
Tal como os
títulos soberanos, a LTRO não resolve os problemas de solvência a prazo mais
longo ou de financiamento dos bancos, os quais agora permanecem fortemente
dependentes da generosidade dos bancos centrais.
A LTRO não
aumentou materialmente a oferta de crédito a particulares e a negócios. O
dinheiro está sendo utilizado pelos bancos para financiarem-se a si próprios,
pois eles reduzem tomadas de empréstimos através da liquidação de ativos a fim
de reduzir a dependência em mercados de financiamento voláteis. A LTRO pouco faz
para promover o desesperadamente necessário crescimento econômico na Euro Zona.
A euforia
inicial desvaneceu-se quando certo número de preocupações reapareceu,
manifestando-se na forma de aumentos de taxas nas dívidas espanhola e italiana,
as quais atingiram o patamar chave de cerca de 6,00% ao ano.
Os fracos
números do crescimento econômico europeu apontam cada vez mais para uma falta de
crescimento e de progresso na redução da dívida.
Tentativas de
reduzir o déficit da Espanha revelaram-se problemáticas. Não está claro o que os
mercados temem mais – a Espanha não alcançar seus objetivos através de cortes
selvagens nos gastos resultando em dívida mais alta ou a Espanha alcançar o
objetivo colocando a economia numa recessão ainda mais profunda e no aumento da
dívida.
As
dificuldades enfrentadas pelo primeiro-ministro Mariano Rajoy e o
primeiro-ministro italiano Mario Monti na implementação de reformas trabalhistas
destacaram a resistência à mudança estrutural. Protestos crescentes em muitos
países apontam para a dificuldade política em implementar as medidas de
austeridade acordadas.
A dependência
acrescida dos bancos espanhóis e italianos em relação ao financiamento dos
bancos centrais agravou a preocupação. As tomadas de empréstimos da banca
espanhola junto ao BCE aumentaram de €170 bilhões em fevereiro/2012 para mais de
€300 bilhões em março/2012. Os empréstimos aos bancos espanhóis agora
representam aproximadamente 30% do total de empréstimos do BCE. Os bancos
italianos também têm sido fortes tomadores de empréstimos, recordando a ligação
entre bancos e seus soberanos.
A relutância
em aumentar suficientemente a inadequada firewall europeia para enfrentar
problemas potenciais significa que as opções políticas são limitadas. Com cerca
de €500 bilhões em fundos disponíveis, o fundo de salvamento está longe do €1
trilhão desejados pelo Fundo Monetário Internacional e o G-20 ou os €2-3
trilhões que os mercados financeiros consideram necessário. Líderes alemães têm
repetido sua relutância em aumentar o fundo para a dimensão necessária,
argumento, provavelmente com correção, que nenhuma firewall será
adequada.
Comentários
mal pensados e inoportunos do presidente do BCE, Draghi, acerca da não
necessidade de outro financiamento LTRO e de planejamento para uma saída
atraíram atenção para a fragilidade da posição e para os riscos existentes. Os
comentários foram conduzidos pelo desconforto do Bundesbank para com a política do BCE. A
reação do mercado forçou Mario Draghi a retratar-se de comentários acerca de uma
saída prematura do financiamento de emergência. Como as taxas continuaram a
subir, Benoit Coeure, o membro francês do BCE, promoveu um novo round de compras diretas de títulos
espanhóis a fim de reduzir rendimentos.
O fracasso da
LTRO para resolver decisivamente problemas europeus não é surpreendente.
Análises confidenciais preparadas por responsáveis da União Europeia e
distribuídas a ministros na reunião em Copenhague em Março de
2012 concluíram que o €1 milhão de milhões em empréstimos era um “adiamento”, ao
invés de uma solução.
Ao invés de
aproveitarem o tempo concedido para movimentarem-se em outras frentes,
retornaram ao mesmo tipo de declarações. O ministro espanhol das Finanças, Luis
de Guindos, opinou que: “Nós estamos convencidos de que a Espanha não será mais
um problemas, especialmente para os espanhóis, mas também para a União
Europeia”. Isto foi um assustador repeteco da sua antecessora Elena Salgado que
quase inatamente um ano antes, em 11 de Abril de 2011, disse: “Não vejo qualquer
risco de contágio. Estamos totalmente fora disto”. O otimismo foi refletido pelo
presidente francês Nicolas Sarkozy, o qual estava confiante em que a Euro Zona
havia “virado a página”. O primeiro-ministro italiano Mario Monti declarou então
que o “aspecto financeiro” da crise havia acabado.
A crise da
dívida europeia não está ultrapassada. Os problemas fundamentais – níveis de
dívida, desequilíbrios comerciais, problemas dos setores bancários, reformas
estruturais requeridas, emprego e crescimento econômico – permanecem.
Para além do
remédio alemão favorito, de austeridade asfixiante para curar ou matar o
paciente, a Europa está rapidamente esgotando suas ideias e tempo para tratar
das questões. Quando a economia real estanca e os problemas de dívida continuam,
as mais prováveis ações políticas podem vir do BCE – um corte da taxa de juro
para próximo de zero e novo apoio de liquidez, talvez mesmo uma facilidade
quantitativa (quantitative easing) em plena escala. É duvidoso que ela
funcione.
Políticos e
cidadãos europeus querem um retorno rápido a um período que os espanhóis agora
chamam “cuando pensábamos que éramos ricos”. As políticas e a ação oficiais
estão centradas em adiar ao invés de tratar do problema. Infelizmente, isso
significa a inevitabilidade de encontrar o mesmo problema em algum lugar mais
adiante.
John Maynard
Keynes observou em The Economic
Consequences of the Peace que cada ação concebida
para encerrar uma crise lança as sementes de maiores problemas econômicos,
políticos e sociais. A Europa parece estar a viver aquela declaração tempos
seguidos.
28/Abril/2012
[*] Autor de Extreme Money: The Masters of the Universe and the
Cult of Risk
O artigo original, em inglês, encontra-se em: “The European Debt Crisis Redux”
Esta
tradução foi extraída de Resistir e
adaptada ao português do Brasil pela
redecastorphoto
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