quinta-feira, 3 de maio de 2012

A crise recorrente da dívida europeia


LTRO = Lourdes Treatment and Resuscitation Option

Satyajit Das
por Satyajit Das [*]

O tempo para chegar a soluções ao problema da dívida europeia está a ficar cada vez mais curto.

As esperanças recentes confiavam no êxito aparente da LTROLong Term Refinancing Operation, mais apropriadamente alcunhada como Lourdes Treatment and Resuscitation Option – do Banco Central Europeu (BCE). Em Dezembro de 2011 e Fevereiro de 2012, o BCE ofereceu financiamento ilimitado a bancos europeus à taxa de 1% para três anos, substituindo um programa anterior de 12 meses. Os bancos retiraram mais de 1 trilhão de euros sob esta linha de crédito – €489 bilhões na primeira etapa e €529,5 bilhões na segunda. A participação entre os bancos europeu foi generalizada, especialmente na segunda etapa em que cerca de 800 bancos utilizaram a linha de crédito.

Os fundos tomados emprestados foram utilizados para comprar títulos de governos, retirar ou reembolsar empréstimos existentes mais caros e os fundos excedentes foram redepositados no BCE. A primeira utilização implicou que bancos ao tomarem emprestado a 1% compraram títulos de dívida soberana com rendimento mais elevado, tais como títulos espanhóis e italianos que pagam 5,5%. Isto permitiu aos bancos lucros de um carry trade aprovado oficialmente – conhecido como Sarkô em homenagem ao presidente francês.

A LTRO proporcionou financiamento tanto para países soberanos acossados como para bancos, a qual precisou elevar a cerca de €1,9 trilhões em 2012. Isto ajudou a reduzir taxas de juro para países como a Espanha e a Itália. Também ajudou bancos a aumentar veladamente o capital, através dos lucros ganhos com o diferencial entre o custo dos empréstimos do BCE e o retorno disponível com os títulos soberanos.

A LTRO foi muito engenhosa, efetivamente monetizando dívida (imprimindo dinheiro) sem romper tratados europeu ou os estatutos do BCE.

O peso absoluto do dinheiro – a uma nota de 500 euros por segundo levaria 63,5 anos contar um trilhão de euros – verificou-se um êxito. O sentimento do mercado financeiro era esmagadoramente positivo alimentando uma grande corrida em mercados globais de ações e outros ativos de risco.

Contudo, como eventos a seguir revelaram, havia razões para cautela.

A linha de crédito LTRO é por três anos. Ela assume as condições serão normalizadas dentro desse período. Não está claro o que acontece se isto não for o caso.

O economista Walter Bagehot aconselhava que numa crise os bancos centrais deveriam emprestar livremente a uma taxa penalizadora e garantidos por bonus colaterais. O BCE não parece ter entendido suficientemente o mandamento de Bagehot. A taxa está abaixo das taxas de mercado, equivalendo a um subsídio para os bancos. O BCE e os bancos centrais de eurozona afrouxaram padrões, concordando em emprestar contra qualquer espécie de bônus colateral. Com efeito, o BCE está agora a funcionar como uma instituição financeira, assumindo riscos de crédito e de taxa de juro significativos nos seus empréstimos. 

Se o European Financial Stability Fund (EFSF) era uma Collateralised Debt Obligation (CDB), o BCE assemelha-se cada vez mais a um banco altamente alavancado. O balanço do BCE está agora em torno dos €3 trilhões, um aumento de cerca de 30% desde que Mario Draghi tomou posse em Novembro de 2012. Ele é apoiado pelo seu próprio capital (com aumento previsto para €10 bilhões) e o capital de bancos centrais da eurozona (€80 bilhões). Isto equivale a uma alavancagem de cerca de 38 vezes. 

Criticamente, a LTRO não pode tratar questões fundamentais.

Ela não reduz o nível de dívida em países problema, simplesmente financia-os a curto prazo. A Europa está confiando nos seus programas de austeridade para reduzir dívida. Como demonstrou a Grécia, e como a Irlanda, Portugal, Espanha e Itália estão demonstrando, o endurecimento fiscal maciço quando combinado com redução de dívida do setor privado simplesmente coloca a economia na recessão. Isto resulta num aumento e não numa diminuição da dívida pública.

Em última análise, pode ser necessário ir para o caminho grego. Para muitos países pode ser necessário a reestruturação de dívida para alcançar a redução requerida nos empréstimos públicos. Curiosamente, os mercados financeiros apreçam o risco de uma reestruturação espanhola da dívida em torno dos 30-35%.

A LTRO não melhora o custo ou disponibilidade de financiamento para os países relevantes.

As compras de títulos de governos financiadas pela LTRO diminuíram artificialmente as taxas de juro para países como a Espanha e a Itália. A menos que sejam oferecidos ciclos adicionais de LTRO, as taxas de juro provavelmente retornarão aos níveis do mercado.

O aumento real de liquidez disponível para apoiar tomadas de empréstimo soberanas era inferior a €1 trilhão, com talvez apenas um terço destinado a esta finalidade. Os bancos utilizaram o grosso dos fundos para reembolsar as suas próprias tomadas de empréstimos. Como as dívidas tornam-se devidas para reembolso ao longo do ano, os bancos podem precisar vender os títulos soberanos comprados com os fundos retirados através da LTRO. A menos que as condições de mercado se normalizem e os bancos recuperem rapidamente acesso a financiamento normal, isto colocará uma pressão crescente sobre o financiamento soberano e o seu custo.

Com países europeus a enfrentar pesados programas de refinanciamento em 2012 e para além disso, a capacidade para obter fundos a taxas razoáveis continua importante. Os programas existentes de salvamento assumem que países como Portugal e Irlanda serão capazes de retomar o financiamento nos mercados monetários em condições normais a partir de 2013.

Certos eventos complicam o financiamento comercial em curso de bancos europeus e de países soberanos. A necessidade de bônus colateral para suportar financiamento do BCE “obrigam” outros investidores prestamistas subordinados reduzir sua propensão para emprestar ou aumentar o custo. Na reestruturação grega, bancos centrais europeus e instituições oficiais foram isentas de perdas por legislação retroativa ao passo que outros investidores sofreram cancelamentos de 75%. Isto tem reduzido a propensão de investidores a financiar países considerados perturbados.

Os bancos europeus já têm grandes exposições à dívida soberana, a qual a LTRO os encorajou a aumentar. Considere-se que bancos espanhóis e italianos compraram cerca de €90 e €60 bilhões dos títulos dos seus respectivos países desde o princípio da LTRO. Como as taxas de juro de títulos espanhóis e italianos aumentaram, os compradores agora têm grandes perdas ao preço de mercado (mark-to-market) não realizadas sobre estes haveres.

Tal como os títulos soberanos, a LTRO não resolve os problemas de solvência a prazo mais longo ou de financiamento dos bancos, os quais agora permanecem fortemente dependentes da generosidade dos bancos centrais.

A LTRO não aumentou materialmente a oferta de crédito a particulares e a negócios. O dinheiro está sendo utilizado pelos bancos para financiarem-se a si próprios, pois eles reduzem tomadas de empréstimos através da liquidação de ativos a fim de reduzir a dependência em mercados de financiamento voláteis. A LTRO pouco faz para promover o desesperadamente necessário crescimento econômico na Euro Zona.

A euforia inicial desvaneceu-se quando certo número de preocupações reapareceu, manifestando-se na forma de aumentos de taxas nas dívidas espanhola e italiana, as quais atingiram o patamar chave de cerca de 6,00% ao ano.

Os fracos números do crescimento econômico europeu apontam cada vez mais para uma falta de crescimento e de progresso na redução da dívida.

Tentativas de reduzir o déficit da Espanha revelaram-se problemáticas. Não está claro o que os mercados temem mais – a Espanha não alcançar seus objetivos através de cortes selvagens nos gastos resultando em dívida mais alta ou a Espanha alcançar o objetivo colocando a economia numa recessão ainda mais profunda e no aumento da dívida.

As dificuldades enfrentadas pelo primeiro-ministro Mariano Rajoy e o primeiro-ministro italiano Mario Monti na implementação de reformas trabalhistas destacaram a resistência à mudança estrutural. Protestos crescentes em muitos países apontam para a dificuldade política em implementar as medidas de austeridade acordadas.

A dependência acrescida dos bancos espanhóis e italianos em relação ao financiamento dos bancos centrais agravou a preocupação. As tomadas de empréstimos da banca espanhola junto ao BCE aumentaram de €170 bilhões em fevereiro/2012 para mais de €300 bilhões em março/2012. Os empréstimos aos bancos espanhóis agora representam aproximadamente 30% do total de empréstimos do BCE. Os bancos italianos também têm sido fortes tomadores de empréstimos, recordando a ligação entre bancos e seus soberanos.

A relutância em aumentar suficientemente a inadequada firewall europeia para enfrentar problemas potenciais significa que as opções políticas são limitadas. Com cerca de €500 bilhões em fundos disponíveis, o fundo de salvamento está longe do €1 trilhão desejados pelo Fundo Monetário Internacional e o G-20 ou os €2-3 trilhões que os mercados financeiros consideram necessário. Líderes alemães têm repetido sua relutância em aumentar o fundo para a dimensão necessária, argumento, provavelmente com correção, que nenhuma firewall será adequada.

Comentários mal pensados e inoportunos do presidente do BCE, Draghi, acerca da não necessidade de outro financiamento LTRO e de planejamento para uma saída atraíram atenção para a fragilidade da posição e para os riscos existentes. Os comentários foram conduzidos pelo desconforto do Bundesbank para com a política do BCE. A reação do mercado forçou Mario Draghi a retratar-se de comentários acerca de uma saída prematura do financiamento de emergência. Como as taxas continuaram a subir, Benoit Coeure, o membro francês do BCE, promoveu um novo round de compras diretas de títulos espanhóis a fim de reduzir rendimentos.

O fracasso da LTRO para resolver decisivamente problemas europeus não é surpreendente. Análises confidenciais preparadas por responsáveis da União Europeia e distribuídas a ministros na reunião em Copenhague em Março de 2012 concluíram que o €1 milhão de milhões em empréstimos era um “adiamento”, ao invés de uma solução.

Ao invés de aproveitarem o tempo concedido para movimentarem-se em outras frentes, retornaram ao mesmo tipo de declarações. O ministro espanhol das Finanças, Luis de Guindos, opinou que: “Nós estamos convencidos de que a Espanha não será mais um problemas, especialmente para os espanhóis, mas também para a União Europeia”. Isto foi um assustador repeteco da sua antecessora Elena Salgado que quase inatamente um ano antes, em 11 de Abril de 2011, disse: “Não vejo qualquer risco de contágio. Estamos totalmente fora disto”. O otimismo foi refletido pelo presidente francês Nicolas Sarkozy, o qual estava confiante em que a Euro Zona havia “virado a página”. O primeiro-ministro italiano Mario Monti declarou então que o “aspecto financeiro” da crise havia acabado. 

A crise da dívida europeia não está ultrapassada. Os problemas fundamentais – níveis de dívida, desequilíbrios comerciais, problemas dos setores bancários, reformas estruturais requeridas, emprego e crescimento econômico – permanecem.

Para além do remédio alemão favorito, de austeridade asfixiante para curar ou matar o paciente, a Europa está rapidamente esgotando suas ideias e tempo para tratar das questões. Quando a economia real estanca e os problemas de dívida continuam, as mais prováveis ações políticas podem vir do BCE – um corte da taxa de juro para próximo de zero e novo apoio de liquidez, talvez mesmo uma facilidade quantitativa (quantitative easing) em plena escala. É duvidoso que ela funcione.

Políticos e cidadãos europeus querem um retorno rápido a um período que os espanhóis agora chamam “cuando pensábamos que éramos ricos”. As políticas e a ação oficiais estão centradas em adiar ao invés de tratar do problema. Infelizmente, isso significa a inevitabilidade de encontrar o mesmo problema em algum lugar mais adiante.

John Maynard Keynes observou em The Economic Consequences of the Peace que cada ação concebida para encerrar uma crise lança as sementes de maiores problemas econômicos, políticos e sociais. A Europa parece estar a viver aquela declaração tempos seguidos.
28/Abril/2012

[*] Autor de Extreme Money: The Masters of the Universe and the Cult of Risk

O artigo original, em inglês, encontra-se em: The European Debt Crisis Redux
Esta tradução foi extraída de Resistir e adaptada ao português do Brasil pela redecastorphoto

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