terça-feira, 23 de novembro de 2010

Guerra de moedas? Evidentemente

O estatuto do dólar como moeda de reserva do sistema-mundo é a última grande vantagem que os Estados Unidos têm hoje.
Esquerda.net
Traduzido por Luís Leiria
OPINIAO | 22 NOVEMBRO, 2010 - 12:45 | POR iMMANUEL WALLERSTEIN

As moedas são um problema econômico muito particular. Porque só entre as moedas existe a verdadeira relação ganha-perde. Independentemente dos méritos de revalorizar ou desvalorizar uma moeda particular, estes méritos só são vencedores se outros perderem. Não é possível que todos desvalorizem ao mesmo tempo. É logicamente impossível e, portanto, politicamente sem sentido.

A situação mundial é bem conhecida. Vivemos num mundo no qual o dólar dos EUA é a moeda de reserva mundial. Isto, obviamente, dá aos Estados Unidos um privilégio que nenhum outro país possui. Pode imprimir a sua moeda à vontade, sempre que considere que fazê-lo resolve um problema econômico imediato. Nenhum outro país pode fazer o mesmo; ou melhor, nenhum outro país pode fazer o mesmo sem penalização, enquanto o dólar continuar a ser a moeda de reserva aceita.

Também é sabido que o dólar já há algum tempo vem perdendo o seu valor em relação a outras moedas. Apesar das constantes flutuações, a curva tem sido descendente pelo menos nos últimos 30 anos.

Os países do nordeste da Ásia – China, Coreia e Japão – têm desenvolvido políticas monetárias criticadas por outros países. Na verdade, este é um tema de constante atenção por parte da mídia. No entanto, para ser justo, não é de forma alguma fácil estabelecer, no momento, a política mais sensata, mesmo sob a perspectiva egoísta de cada país.

Considero que a questão fundamental é mais simples do que as explicações complicadas da maioria dos analistas políticos. Parto de algumas premissas. O estatuto do dólar como moeda de reserva do sistema-mundo é a última grande vantagem que os Estados Unidos têm no sistema-mundo de hoje. Por isso, é compreensível que os Estados Unidos façam todo o possível para manter essa vantagem. Para fazê-lo, é necessária a disposição de outros países (incluindo, nomeadamente, os do nordeste da Ásia), não só de usarem o dólar como uma forma de calcular as transferências, mas também como um meio de investimento dos seus excedentes (particularmente em títulos do Tesouro dos EUA).

No entanto, a taxa de câmbio do dólar tem vindo a decair constantemente. Isto significa que os excedentes investidos em títulos do Tesouro dos EUA valem menos à medida que o tempo passa. Chega um ponto em que as vantagens de tal investimento (sendo que a principal vantagem é sustentar a capacidade das empresas dos EUA e dos consumidores individuais de pagarem as importações) acabarão por ser inferiores à perda do valor real dos investimentos em títulos do tesouro. As duas curvas movem-se em direções opostas.

O problema é o que se coloca em qualquer situação de mercado. Se o valor de uma ação está a cair, os seus donos vão querer livrar-se dela antes que fique demasiado baixo. Mas a alienação rápida por um grande acionista pode induzir outros a uma venda apressada, causando prejuízos ainda maiores. O jogo é sempre o de encontrar o momento certo de vender, que não seja nem demasiado tarde nem cedo demais, ou não fazê-lo nem muito lentamente, nem rápido demais. Isso exige um timing perfeito, e a procura deste timing é o tipo de decisão que muitas vezes tem mau resultado.

Esta é, para mim, a imagem básica do que está a ocorrer e vai acontecer com o dólar dos EUA. Não pode continuar a manter o grau de confiança mundial que antes gozava. Cedo ou tarde, a realidade econômica vai confrontá-lo. Isso pode acontecer num choque de cinco minutos ou num processo muito mais lento. Mas quando ocorrer, a pergunta chave é: o que vai acontecer depois?

Não há qualquer outra moeda hoje preparada para substituir o dólar como moeda de reserva. Nesse caso, quando o dólar cair, deixará de haver moeda de reserva. Estaremos num mundo de moeda multipolar. E um mundo de moeda multipolar é um mundo muito caótico, no qual ninguém se sente confortável, porque as alterações constantes e rápidas das taxas de câmbio tornam muito precárias as previsões económicas de curto prazo que pretendam ser minimamente racionais..

O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Kahn, advertiu publicamente que o mundo está a mergulhar numa guerra de moedas, cujo resultado “teria um impacto negativo e muito prejudicial no longo prazo”.

Uma possibilidade real é que o mundo possa evoluir, e parece-me que já está a fazê-lo, para acordos de permuta de facto – uma situação que não é realmente compatível com o funcionamento eficaz de uma economia-mundo capitalista.

Caveat emptor!1
Immanuel Wallerstein
Comentário nº 292 de 1 de Novembro de 2010
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net, revista pelo autor.

1 E xpressão latina que significa – literalmente – o risco é do comprador. Outra forma de traduzir a expressão seria: Compre por sua própria conta e risco. A situação oposta é o caveat venditor.

Sobre o autor

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a actuação do movimento anticolonialista na India. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971.
Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.

Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

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