segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A Semana nas Comunicações, a Denegação de MOSCOU e uma receita de #Mordalingua

Nas derrotas futebolísticas, há um momento em que você sente que o jogo está perdido. É um instante de chegada meio mágica, retrato do imponderável do futebol. Enquanto que nos outros esportes coletivos pode-se supor uma fórmula matemática que combine a diferença de pontos com os minutos ou posses de bola restantes e nos dê uma equação universal que localiza esse momento, no futebol, como atesta qualquer um que tenha jogado ou mesmo assistido com atenção ao esporte, só mesmo o devir particular de cada jogo vai lho dizer.
Um 3 x 0 aos 30 minutos do 2º pode ser um jogaço em aberto, como sabemos os fanáticos do time das impossíveis viradas (contra e a favor). Por outro lado, uma equipe pode perfeitamente estar batida de forma categórica depois de um simples 1 x 0 aos 10 do 1º. Omitamos, por incontáveis, os exemplos.
Esse momento epifânico, que só no futebol é imponderável, é o descrito em “Rosa dos Ventos”:
Pois transbordando de flores/ A calma dos lagos zangou-se/ A rosa-dos-ventos danou-se/ O leito do rio fartou-se/ E inundou de água doce/ A amargura do mar // Numa enchente amazônica/ Numa explosão atlântica/ E a multidão vendo em pânico/ E a multidão vendo atônita/ Ainda que tarde/ O seu despertar
Relembre com Chico:
(Se você trabalha num grupo de mídia brasileiro e nunca se perguntou sobre o que a 2ª estrofe de “Rosa dos Ventos” pode estar lhe dizendo sobre o seu lugar hoje, a piedosa recomendação deste blog é que você o faça antes de continuar as tarefas do dia. A pergunta, com certeza, é mais urgente).
A tese deste post é que, durante esta semana, uma parcela significativa dos conglomerados máfio-midiáticos brasileiros deu-se conta de que o jogo está perdido.
Ele ainda será jogado durante algum tempo mas, como previu “Rosa dos ventos”, está perdido para eles. Que jogo é esse e que parcela é essa, o que significam “perdido” e “dar-se conta”, e até mesmo qual é o sentido da palavra “brasileiros” naquela frase são temas que merecem reflexão, se queremos ter uma visão matizada, não ufanista do processo. Antes, uma palavra sobre o termo mais polêmico, “conglomerados máfio-midiáticos”, que será doravante usado neste blog de forma também intercambiável com o acrônimo MOSCOU.
intro_moscow.jpg

Foto de Jochem Wijnands, no Getty, museu montado por meu amigo Tom Reese

Meu não-uso do termo PIG advém de que, apesar de a própria executiva da Folha reconhecer textualmente que a imprensa brasileira substituiu os partidos de oposição no governo Lula, apesar de sabermos que, em várias partes do Brasil, ela é partido mesmo o tempo todo (como no caso da RBS no Sul), e apesar de ser visível o componente golpista do seu DNA em diversos momentos de sua história, não acho que a metáfora “partido golpista” tenha referencialidade suficiente; é unitário demais. Não há, por exemplo, como assistir ao Seminário de ontem sobre mídia, ouvir Merval Pereira e Renata LoPrete, e não perceber a imensa diferença intelectual, moral e ética entre eles. É um bom achado humorístico, a sigla PIG, e eu a leio sob esse tipo de licença poética. Não a uso.
“Conglomerado máfio-midiático” é diferente, porque você pode perfeitamente ser funcionário de um conglomerado mafioso e continuar fazendo, no seu canto, um trabalho sério e honrado, como bem sabem os datilógrafos e faxineiros do PPS (ou do PTB, pra não dizerem que só falo mal da oposição). Com esse tipo de preocupação em mente, o antenadíssimo gringo Colin Brayton cunhou, em português, sim sinhô, o acrônimo MOSCOU: Mídia Orquestrada por Sociedade Civil de Oligarcas Unidos. Como também numa orquestra podem existir reais sonoridades dissonantes, prefiro MOSCOU a PIG.
Pois bem, MOSCOU percebeu que o jogo está perdido, argumentávamos. Mas também “perdido” aqui requer explicação, para que não se leia o que não está escrito.
Eles perderam, mas isso não quer dizer que o vitorioso seja “a internet”, “a blogosfera” ou muito menos a blogosfera “progressista”--termo que merece um digno funeral em breve, pelo menos como suposição de que representa universalmente a esquerda. Note-se que eu proponho que MOSCOU perdeu. Não presumo saber quem ganhou. Aliás, o segundo argumento do post é este: MOSCOU já perdeu o jogo, mas quais serão os vencedores é matéria que ainda não sabemos. Ao contrário do que argumentam os que reclamam do Fla x Flu, esta não é uma partida com dois jogadores.
Ganha a democratização da informação, é óbvio, quando perde MOSCOU. Mas quais são as vozes concretas que encarnarão dita abertura, ou seja, qual será o bloco hegemônico a emergir das ruínas, é matéria ainda mais nebulosa do que parece, na opinião da ala trotsko-atleticana de blogolândia.
Continuemos com a tese do post: MOSCOU deu-se conta de que perdeu o jogo. Mas como “deu-se conta”? 
MoscowSouvenirs1.jpg

bonequinhas-souvenir de Moscou

Mais ou menos como a palavra “talvez” em Derrida, que sempre significa seu antônimo, ou seja, “com certeza”, entendo o termo “dar-se conta” aqui como o oposto de “perceber”. MOSCOU dar-se conta de que perdeu o jogo deve ser entendido freudianamente, ou seja, comoVerneinung (denegação [pdf]). Ainda não entenderam nada do que está acontecendo, isto me parece óbvio, mas algo neles percebe, um “algo” freudiano, ou seja, inconsciência.
Só assim é possível ler a coleção de micos com que O Globo e uma colunista de MOSCOU nos brindaram esta semana, na esteira da entrevista do Presidente Lula ao grupo de blogueiros. Listemos alguns desses micos, poupando a paciência do leitor com uma abundância de links:
1) O Globo afirma que Cloaca News é o primeiro pseudônimo que “participou de entrevista”, provavelmente se esquecendo da existência de Truman Capote e Stanislaw Ponte Preta, entre incontáveis outros; 2) Na mesma matéria, O Globo usa intercambiavelmente os termos “apócrifo” e “pseudônimo”, o que qualquer consulta a qualquer dicionário da língua desautoriza: são termos mutuamente exclusivos, aliás. As Escrituras não são “de pseudônimo”, e quando Truman Capote assina In Cold Blood, por definição, não se trata de algo “apócrifo”; 3) A mesma matéria d'O Globo, não assinada, mas tão ruim que poderia ter sido escrita por um ator de filme pornô ou personagem de ficção científica, diz que José Serra os “teria classificado” de blogs sujos, sem ter feito, portanto, a pesquisa básica no próprio MOSCOU, que lhe confirmaria que a paternidade do sintagma “blogs sujos” é mesmo do candidato do Jornal Nacional nas últimas eleições; 4) o episódio em que a acho-colunista Dora Kramer tentou dar aulas de Direito a um dos maiores Penalistas do Brasil merece um parágrafo a parte, para que se entenda porque eu vejo “dar-se conta”, na frase-tese do post (MOSCOU deu-se conta de que perdeu), como sinônimo de “denegação”.
Sem guglar o nome “Túlio Vianna”, Dora Kramer interpretou a pergunta do Doutor em Direito pela UFPR, Professor da UFMG e autor de Transparência Pública, Opacidade Privada, a Lula, sobre a possibilidade de nomeações mais, digamos, à esquerda para o STF (enfim, sem citar Konder Comparato, o Túlio fez a pergunta número 1 que eu teria feito) como se Túlio não soubesse o que é separação de poderes, passando, enquanto isso, atestado de não ter, ela, nem vaga notícia sobre o assunto. Ela confundiu prerrogativa presidencial de indicação de Ministros ao STF com suposta violação da separação de poderes.
Tentemos desenhar. Imagine, leitor, o mico.
Um colunista com QI abaixo da média, de um jornal em decadência, com vendas declinantes, pertencente a um conglomerado que viu reduzidas as suas chances de realizar mutações em bolinhas de papel, interpela o Professor Luiz Antonio Simas para lhe explicar o que é um samba-enredo e qual a diferença entre a Beija-Flor e a Deixa Falar, cometendo, no processo, confusão entre quem foi Noel Rosa e quem é Martinho da Vila.
Esse é o nível do monumental mico que a colunista Dora Kramer pagou esta semana no Estadão.
Em qualquer imprensa genuinamente pluralista do mundo, seria abalador ou detonador de carreira, e sobre isso perguntem Arianna Huffington no dia 21 de dezembro, em São Paulo. Acho que ela concordaria. Daí, enfim, que a locução verbal "dar-se conta de", na frase-tese deste post, deva ser lida como signo do seu antônimo: ainda não entenderam nada, é evidente, mas algo neles entendeu.


PS: Ainda sobre o tema deste post, eu gostaria de alistar alguém que entende de programação para uma receita de gerador eletrônico de #Mordalíngua: o mecanismo é muito simples. Visitamos os arquivos de MOSCOU, digitamos "Merval", "Leitão" ou "Cantanhêde" e mandamos a máquina rastrear verbos no futuro ou no condicional. Tudo o que eles preveem dá errado. São a confirmação viva de que "até relógio parado acerta duas vezes ao dia" é só isso, um clichê falso. É perfeitamente possível estar errado sempre. É um talento notável, convenhamos. Mas ele existe.
PSTU (apud NPTO): De forma relacionada ao post, mesmo que tangencialmente, o blog acompanha o zumbido de que o Ministro Paulo Bernardo pode ser o encarregado da Pasta das Comunicações no governo Dilma. O blog tenta ter informação independente e não trafica boatos, mas acompanha com interesse e torcida. Seria excelente combinação de firmeza, tato político e ponderação num ministério chave.
PSTU do B: O Biscoito anuncia, esta semana, três coautores: colunistas convidados que escreverão, cada um, um post quinzenal (os confirmados são dois homens e uma mulher). Ainda estamos em negociações com a quarta convidada.

Extraído de O Biscoito Fino e a Massa

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