domingo, 3 de abril de 2011

*Consequências de um voto

COMENTÁRIO do Coletivo da Vila Vudu : O artigo é brilhante. Grande Celso Amorim, orgulho do Brasil!

Contudo, o que aí se vê é reflexão construída do ponto de vista segundo o qual haveria “governo Lula” absolutamente separado de “governo Dilma”. Desse ponto de vista, sim, a posição que o Brasil assumiu antes, ao lado do Irã (e Turquia), seria “melhor” que a posição que o Brasil assumiu agora, de apoiar investigador especial de direitos humanos para o Irã. 

Mas, se se assume que o que há é “governos Lula-Dilma” (não no sentido de o presidente Lula ainda mandar -- o que é falso --, mas no sentido de que os governos Lula e o governo Dilma são etapas diferentes e em sequência, de um mesmo projeto), vê-se que os dois votos são posições complementares. 

É simultaneamente verdade que (1) o Irã tem pleno direito de manter programa nuclear para fins pacíficos e que (2) o Irã tem de demonstrar atenção aos direitos humanos: (1) não exclui (2) e, de fato, são posições complementares. O Irã, se não sabe, que se vire-lá, com a ajuda de Alá, para entender que essas lutas são longas e que as “solidariedades” nacionais são difíceis, sobretudo em tempos de guerra. 

É indiscutivel verdade que o voto do Brasil na questão do inspetor especial de DH para o Irã terá consequências, mas serão menos importantes do que as previstas nesse artigo (brilhantíssimo). 

Ou, dito de outro modo, em segunda tentativa: é indiscutível verdade que o voto do Brasil na questão do inspetor especial de DH para o Irã terá consequências, mas cabe a todos os interessados em ajudar o Brasil a atravessar os tempos difíceis que há pela frente e construir argumentos que ajudem os brasileiros a ver com mais clareza a viagem de mais longo prazo que estamos lutando para conseguir fazer. 

Pessoalmente, eu adoraria ver o brilho (e a magnífica, democrática e democratizatória, linda clareza com que escreve e fala nosso eterno chanceler, histórico, eterno, o chanceler do florescimento da democracia lulista-dilmista para O MUNDO), argumentar A FAVOR do voto pró inspetor especial de Direitos Humanos para o Irã, sem ver esse voto como um “tropeço”, mas vendo-o, mais, como um passo mais difícil, mas complexo, de uma mesma longa caminhada. 

Ajudar a ver a viagem de mais longo prazo ajuda mais, hoje, que fazer-ver eventuais “tropeços”, ou pressupostos tropeços, da “atualidade”. 

O Brasil está cheio de “especialistas” em história semanal. E nos fazem desesperada falta os especialistas em futuro lançado.

O chanceler Celso Amorim é perfeito para construir as duas análises. Eu adoraria vê-lo fazer avaliações de mais longo prazo futuro.

Saudações, agradecidas, ao chanceler Celso Amorim, nosso chanceler honorário eterno!
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*Consequências de um voto
Em sua coluna de estreia, Celso Amorim, afirma
que dizer que o apoio à resolução da ONU contra
 o Irã não afetará a percepção que se tem da nossa
postura internacional é tapar o sol com a peneira.
Foto: Agência Brasil
Por Celso Amorim, em CartaCapital em 1 de abril de 2011 às 11:51h
No dia 24 de março, o Brasil apoiou a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que instituiu um Relator Especial para investigar a situação no Irã. Esse tipo de relator sobre um país específico, do ponto de vista simbólico, representa o nível mais alto de questionamento sobre o estado dos direitos humanos. Para se ter uma ideia, apenas oito paí ses estão sujeitos a esse tipo de escrutínio.
Se excluirmos o Haiti, cuja inclusão se deve sobretudo aos efeitos de catástrofes naturais e contou com o apoio do próprio governo de Porto Príncipe, todos os demais (Camboja, Mianmar, Somália etc.) foram palco de tragédias humanitárias graves. São em geral países muito pobres, ditos de menor desenvolvimento relativo, em que o Estado, seja por incapacidade (Burundi, Haiti), seja em razão de sistemas políticos autocráticos (Coreia do Norte, Myanmar), não atende minimamente às necessidades dos seus cidadãos.
Mesmo países, certa ou erradamente, considerados pelas potências ocidentais como ditaduras (Cuba, China e Líbia, antes dos últimos acontecimentos) ou que passaram a ser qualificados como tais recentemente (Egito e Tunísia, antes da Revolução do Jasmim) não fazem parte dessa lista infamante. Noto, a propósito, que um recente artigo publicado no Herald Tribune dava conta da opinião de um ex-diplomata norte-americano sediado em Teerã de que haveria no Irã mais elementos de democracia do que no Egito de Mubarak, então apontado como exemplo de líder árabe moderado. Que eu me recorde, o Irã é o único país que poderia ser classificado como uma potência média que está sujeita a esse tipo de escrutínio. Não procedem explicações que procuram minimizar a importância da decisão com comparações do tipo: “O Brasil também recebe relatores” ou “não houve condenação”.
Não há como comparar os relatores temáticos que têm visitado o Brasil com a figura de um relator especial por país. Na semiologia política do Conselho de Direitos Humanos e de sua antecessora, a Comissão, a nomeação de um relator especial (ressalvados os casos de desastres naturais ou situações pós-guerras civis, em que o próprio país pede ou aceita o relator) é o que pode haver de mais grave. Se não se trata de uma condenação explícita, implica, na prática, colocar o país no banco dos réus. Quando fui ministro do presidente Itamar Franco, viajei a Cuba com uma carta do nosso chefe de Estado, a qual, além de referir-se à ratificação do Tratado de Tlatelolco, sugeria que Cuba fizesse algum gesto na área de direitos humanos.
Cuba admitiu convidar o Alto Comissário das Nações Unidas para o tema, mas recusou-se terminantemente a receber o relator especial sobre o país. Conto isso não para justificar a atitude de Havana, mas para ilustrar a reação que desperta a figura do relator especial. Não cabe assim diminuir a importância do voto da semana passada. Pode-se concordar ou não com ele, mas dizer que não afetará as nossas relações com Teerã ou a percepção que se tem da nossa postura internacional é tapar o sol com a peneira.
Nos últimos meses e anos, o Brasil participou de várias ações ou empreendeu gestões que resultaram na libertação de pessoas detidas pelo governo iraniano, tanto estrangeiros quanto nacionais daquele país. É difícil determinar qual o peso exato que nossas démarches tiveram em situações como a da norte-americana Sarah Shroud ou do cineasta Abbas Kiarostami. No primeiro caso, a jovem alpinista veio nos agradecer em pessoa. Em outros casos, como a da francesa Clotilde Reiss, não hesito em afirmar que a ação brasileira foi absolutamente determinante. Mesmo no triste caso da mulher ameaçada de apedrejamento, Sakineh Ashtiani, os apelos do nosso presidente, seguidos de várias gestões no meu nível junto ao ministro do Exterior iraniano e ao próprio presidente Ahmadinejad, certamente contribuíram para que aquela pena bárbara não tenha se concretizado.
Poderia mencionar outros, como o do grupo de bahais, cuja condenação à morte parecia iminente. Evidentemente, tais ações só puderam ser tomadas e só tiveram efeito porque havia um certo grau de confiança na relação entre Brasília e Teerã, grau de confiança que não impediu que o presidente Lula tenha demonstrado ao presidente iraniano o absurdo de suas declarações que negavam a existência do Holocausto ou que propugnavam pela eliminação do Estado de Israel. Parece-me muito improvável que o governo brasileiro se sinta à vontade para esse tipo de démarche depois do voto do dia 24. Ou caso se sinta, que os nossos pedidos venham a ser atendidos. Muito menos terá o Brasil condições de participar de um esforço de mediação como o que empreendemos com a Turquia, em busca de uma solução pacífica e negociada para a questão do programa nuclear iraniano (o que, certamente, fará a alegria daqueles que desejam ver o Brasil pequeno e sem projeção internacional). Oxalá eu esteja errado.
Este é o artigo de estréia do  ex-chanceler Celso Amorim em CartaCapital.

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