quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Pepe Escobar − OTAN ataca!

4/9/2014, [*] Pepe EscobarAsia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

SEGURANÇA!  OTAN reunida! Cardiff cercada!
Primeira coisa a fazer: matar todos os mitos. A Organização do Tratado do Atlântico Norte é, só, o Conselho de Segurança do Império do Caos. Não passa disso.

Ninguém precisa ser um neo-Foucault viciado nas práticas Orwell/Panopticon para admirar o hiper democrático anel de aço que cercou estradas, parques e até muralhas de castelos para “proteger” dúzias de ministros e chefes de estado da OTAN, 10 mil tipos “de apoio” e 2 mil jornalistas do mundo real, em Newport, Gales – e entorno.

A reunião de cúpula da OTAN em Gales também provê oportunidade para que o (está de saída) Secretário-Geral Anders “Fog da Guerra” Rasmussen solte todos os cães de guerra do seu repertório. É como se estivesse ensaiando para o papel principal em remake do épico“Marte Ataca!” de Tim Burton. Trailer original a seguir:


Fogh da Guerra está em todas as salas, falando sem parar, conversa de “preposicionar suprimentos, equipamento” – eufemismo para armas; de ampliar bases e quartéis-generais em países hospedeiros; e promovendo uma “força avançada” [orig. spearhead] para responder à “agressão” russa, mobilizável num máximo de cinco dias.

Enquanto isso, em cena ruim de policial-bonzinho/policial-durão, o presidente (está de saída) da Comissão Europeia e impressionante mediocridade, José Manuel Barroso, vazava que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, lhe dissera, ao telefone, semana passada, que poderia tomar Kiev em duas semanas, se quisesse.

Bom. Se Putin quisesse, Putin poderia. Mas Putin não quer. O que importa é o que Putin disse à TV estatal Rossiya: que Kiev deve promover conversações inclusivas sobre o futuro estatuto do Leste da Ucrânia. Mais uma vez, a “análise” dos especialistas ocidentais foi que estava pregando o nascimento do estado de Novorússia. Em “Novorússia: independente, associada ou (con)federada?” (1/9/2014, The Vineyard of the Saker [em tradução]),The Saker analisa em detalhe as implicações do que a Rússia realmente quer, e o que as forças da Novorússia realmente querem.

Dalia Grybauskaite, Presidenta da Lituânia
Com a Presidenta da Lituânia, Dalia Grybauskaite, espalhando, como se poderia prever que fizesse, que a Rússia está “em guerra contra a Europa”, e o Primeiro-Ministro britânico, David Cameron, evocando – e o que mais evocaria? – Munique 1938 (Chamberlain cedendo diante de Hitler), Fogh da Guerra tinha toda a munição de que precisa para vender seu Einsatzgruppen [lit. “grupo de intervenção” [1]]. Os mais cínicos estão autorizados a entender que o principal “grupo de intervenção” a serviço da OTAN são, mesmo, os rapazes do Estado Islâmico d’O Califa, fazendo o inferno no “Siriaque”.

Mas não é fácil vender guerras & guerras numa União Europeia atingida pela crise, como se vê hoje. Não só a Alemanha, mas também França, Itália, Espanha, Romênia, Hungria e até a Polônia manifestaram “relutância”, de um modo ou de outro a apoiar a estratégia da OTAN de impor presença mais “robusta” no Leste Europeu e no Báltico. O Império do Caos e seus sócios britânicos minoritários no tal “relacionamento especial” querem, isso sim, que todos soltem mais dinheiro (pelo menos, 2% do PIB). Mesmo que a União Europeia esteja passando por nada menos que sua terceira recessão em cinco anos.

Resumo da história é que não haverá mais rotação no front oriental da OTAN. Em termos legais, o arranjo não pode ser definido como “permanente”, porque iria contra um pacto de 1997 OTAN-Rússia. Mas será permanente. Aplica-se a Szczecin, na Polônia, perto do Báltico, e o chamado Corpo Nordeste multinacional – terra, ar e mar. Estônia e Letônia, para todas as finalidades práticas, estão “definidas” como “próximos alvos de Putin”. A nova linha vermelha da OTAN é defendê-las contra “a agressão russa”.

Os guardas da prisão de Cardiff fazem ronda!
Além disso, Finlândia e Suécia podem assinar acordos que as tornam Nações-Convidadas dentro da OTAN. Implica que as forças da OTAN podem usar territórios suecos e finlandeses no futuro, sempre que necessário, a caminho do que tem sido chamado, de forma pouco precisa, de “operações”. Pelo menos, a presença de tropas estrangeiras ainda exige aprovação parlamentar – e deve-se prever que os cidadãos suecos e finlandeses desconfiem do arranjo.

Nada de “responsabilidade de proteger” você, cara

Apesar de toda essa histeria de Marte ataca!, a OTAN, em tese, não discutirá a Ucrânia em profundidade em Gales – ou alguma iminente R2P  (“Responsabilidade de Proteger”) a Ucrânia contra o “Império do Mal”  remix  (copyright Ronnie Reagan). Mas haverá “consultas militares” e um pouco de dinheiro será bombeado para os militares em Kiev – os quais estão tendo os traseiros coletivos (e já em bancarrota) solenemente chutados pelas forças federalistas/separatistas no leste da Ucrânia, exatamente como a mesma OTAN teve o traseiro dela chutado por um bando de pashtuns armados com Kalashnikovs no Afeganistão.

Por falar disso, os recentes 1,4 bilhão de dólares norte-americanos que o FMI bombeou para dentro da Ucrânia – os juros à moda gângsteres só doerão muito mais tarde – serão usados por uma Kiev já falida, a maior parte, para pagar por uns tanques T-72 que Kiev comprou da Hungria. Dinheiro por nada, tanques gratuitos.

Cardiff: liberando cancelas!
A Ucrânia, é preciso não esquecer, não é membro da OTAN. Tecnicamente, todos os burocratas da OTAN em Bruxelas admitem que país candidato tem de solicitar a inclusão como membro. E países em regiões “conturbadas” envolvidas em disputas internacionais não são aceitas. A candidatura da Ucrânia só seria considerada, se Kiev desistisse da Crimeia. Não acontecerá.

Mesmo assim, prosseguirá o jogo obsessivo de Washington para anexar a Ucrânia à OTAN (no caso de vir a ser anexada, a União Europeia não aceitará). O Primeiro-Ministro Arseniy “Yats” Yatsenyuk (está de saída), e o presidente Poroshenko, suplicam desesperadamente por intervenção da OTAN ou, pelo menos, para que a Ucrânia seja aceita como alguma espécie de aliado privilegiado. “Yats” espera “decisões monumentais de nossos parceiros ocidentais durante a reunião de cúpula”. Espera em vão.

De um jeito ou de outro, a OTAN já está na Ucrânia. Um grupo do ciber-centro da OTAN está em Kiev desde março/2014, operando no prédio do Conselho Nacional de Segurança e Defesa. Assim sendo, é uma gangue de burocratas da OTAN quem realmente determina a agenda de notícias na Ucrânia – e a demonização sem parar, total, da Rússia, principalmente.

Um dos ESQUADRÕES DA MORTE neonazistas da Ucrânia 
A Ucrânia agora é assunto de Alemanha. Berlim quer uma solução política. Berlim quer o gás russo atravessando novamente pela Ucrânia. E rápido. Berlim não quer saber de mísseis de defesa dos EUA no Leste da Europa – não importa o muito que gritem os países do Báltico. Essa é a explicação real de por que o recente surto de “Invasão! Invasão! Invasão”, de Poroshenko, não passa de puro desespero de reles vassalo do Império do Caos em bancarrota. Claro que nada disso impede que Fogh da Guerra – que arranjou aquele emprego na OTAN por causa do entusiasmo com que promoveu o estupro do Iraque – continue a choramingar “Invasão! Invasão” até que todos os Danish retrievers estejam recolhidos ao canil.

O negócio realmente sério: o que realmente interessa

E há também o currículo recente da OTAN. Uma derrota ignominiosa no Afeganistão. Um bombardeio “humanitário” que reduziu a Líbia, que era país estável e próspero, a desgraçado estado falido, imerso em anarquia total e devastado pelas milícias mais alucinadas. Não é exatamente boa recomendação de Relações Públicas para o futuro da OTAN como linha de montagem de coalizões com “vocação” global, capaz de detonar guerras expedicionárias por todo o planeta, criando a aparência de um consenso militar e político unificado por uma – e o que poderia ser?! – doutrina do Império do Caos: o “conceito estratégico” da OTAN, aprovado na reunião de Lisboa em 2010 (ver EUA: como criança em loja de doces da OTANAToL, 25/11/2010).

Desde os anos go-go de “Bubba” Clinton; passando pela era “preventiva” de Dábliu; e agora regido pela demência das Medusas guerreiras de Obama (Rice, Power, Hillary), o sonho do Pentágono sempre foi ter uma OTAN como um Robocop global, dominando todos os papéis encarnados na ONU e na União Europeia em termos de segurança. Isso tem absolutamente nada a ver com a defesa coletiva dos signatários do Tratado da Organização do Atlântico Norte contra possíveis ataques territoriais. Oh, sorry; esquecemos os ataques que podem vir daqueles mísseis nucleares (inexistentes) manobrados pelo Irã-do-Mal.

"Bubba" Clinton 
O campo de batalha na Ucrânia tem pelo menos o mérito de mostrar que a aliança está nua.

Para o Pentágono da Doutrina da Dominância de Pleno Espectro, o que interessa, acima de tudo, é algo que realmente já está acontecendo desde a queda da União Soviética: expansão ilimitada da OTAN na direção das fronteiras ocidentais extremas da Rússia.

Mas o negócio realmente sério nesse mês de setembro, o que realmente interessa, não é a OTAN. É a reunião de cúpula da Organização de Cooperação de Xangai. Aguardem as proverbiais agitações de placas tectônicas na próxima reunião da OCX – mudanças de tão longo alcance quanto as que se viram quando o império Otomano fracassou às portas de Viena em 1683.

Por iniciativa de Rússia e China, naquela reunião da OCX a Índia, o Paquistão, o Irã e a Mongólia, serão convidados a tornarem-se membros permanentes. Mais uma vez, estão traçadas as linhas de combate.

OTAN vs Organização de Cooperação de Xangai. OTAN vs BRICS. OTAN vs Sul Global. Quer dizer... OTAN ataca! A seguir:


Nota dos tradutores
[1] O Einsatzgruppen era o esquadrão-da-morte, tropa de assalto móvel da Schutzstaffel, que operou nos países ocupados pela Alemanha Nazista. De 1941 até 1943, mataram mais de um milhão de judeus e dezenas de milhares de partisans, inimigos políticos, ciganos e deficientes físicos.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Obama Does Globalistan,  Nimble Books, 2009.

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