quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Pepe Escobar — Está sentindo o cheiro do que o Califa está cozinhando?

2/9/2014, [*] Pepe Escobar, RT − Russia Today, Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Militante do ISIS/ISIL/EI
(Foto: Ahmad al-Rubaye)
Semana que vem é o 13º aniversário do 11/9 (2001). E Washington voltou a bombardear... O Iraque, sim, tudo outra vez – eco sinistro do mais trágico dos desenvolvimentos do pós 11/9: Operação Choque e Pavor.

Osama bin Laden, supostamente no fundo do Mar da Arábia (como reza o “noticiário” oficial), foi dado como a personificação da visão de mundo wahhabista intolerante que enlouquecera de vez. Depois seu wahhabismo casou-se com o islamismo egípcio de Sayid Qutb, personificado pelo Dr. Ayman al-Zawahiri.

Qutb, morto pelo regime egípcio no final dos anos 1960s, foi o profeta rebelde de uma jihadglobal entre o Islã e o ocidente. Mas seus filhos zelosos – da corrente de Osama/al-Zawahiri à corrente do Califa Ibrahim do ISIS/ISIL/EI [Estado Islâmico do Iraque e Levante/Estado Islâmico] –foram muito além, a jihad deles tomando por alvo civis e até muçulmanos.

Agora, o Califa Ibrahim manobrou Washington para pô-la de volta a bombardear o Iraque e − potencialmente − também a Síria. Obama, dando um trato no “Siriaque”. Mas, e mais crucialmente importante, e se Obama estiver cumprindo ordens da Al-Qaeda?

Combinaria perfeitamente com a arapuca que Osama montou cuidadosamente – ao longo dos anos – de finalmente dar jeito de expelir os EUA do Oriente Médio, via guerra de atrito constante, fazendo sangrar lentamente o Império do Caos. Eric Margolis aludiu a essa possibilidade em Ultraje cauteloso (em inglês).

No mínimo, os EUA e alguns aliados seletos sim andaram cumprindo ordens da Al-Qaeda – mesmo que ISIL/EI tenha-se separado da Al-Qaeda “histórica”.

A “coalizão de vontades” de Obama, para dar combate ao ISIS/ISIL/EI/O Califa, inclui Grã-Bretanha, Austrália, Qatar, Arábia Saudita, Turquia, Jordânia e os Emirados Árabes Unidos. Nada menos que cinco desses sete são os que treinaram/armaram/viabilizaram as “flores do mal” de ISIS/ISIL/EI que desabrocharam na Síria.

Assim sendo, não surpreende que a Rua Árabe esteja afogada em ceticismo sobre quem realmente comanda o show do ISIS/ISIL/EI. Não pode ser Abu Bakr al-Baghdadi, codinome Califa Ibrahim, sozinho. Como é que o Califa, saído do nada, atravessa o deserto com deserto completamente armado, artilharia e tudo, para capturar território maior que o da Grã-Bretanha?

Entrementes, o poderoso lobby de Relações Públicas da Casa de Saud é absolutamente monolítico; o wahhabismo – que andou incendiando/financiando fanáticos em todo o mundo desde os primeiros dias da jihad antissoviética no Afeganistão – não deve de modo algum ser culpado pelo que O Califa anda aprontando. Mas foi a ideologia saudita que, em última instância, gerou o Califa Frankenstein e o pôs na liderança dos filhos enlouquecidos da “revolução” síria.

Militantes do ISIS/ISIL/EI
Foto: Ahmad al-Rubaye
Mostre o dinheiro

O ISIS/ISIL/EI é uma máquina formidável azeitada por todas as modalidades de extorsão, sequestros com pagamento de resgates, assaltos a bancos e roubos de joias e cobrança de “taxas de proteção” por onde passem. Mas o Santo Graal é, definitivamente, contrabando de petróleo.

O Califa agora controla sete poços de petróleo e duas refinarias no norte do Iraque, mais seis campos de petróleo no nordeste da Síria – extraindo, com realismo, pelo menos 40 mil barris/dia. Vendem todo esse petróleo ao preço de US$ 25,ºº a um máximo de US$ 60.ºº o barril. O cru brent, para comparar, está custando hoje mais de US$100.ºº na Bolsa de Valores London ICE Futures Europe.

O Califa está fazendo seus US$2 milhões por dia, tudo pago em dinheiro ou trocado por bens. Ninguém sabe quem está comprando da complexa rede de distribuição dos intermediários a serviço do Estado Islâmico, mas fato é que o petróleo flui do “Siriaque” controlado pelo Califa, para Turquia e Jordânia.

Assim cheio de dinheiro, não surpreende que os exércitos do Califa estejam marchando em direção a Aleppo; estão a menos de 50 km, e podem em breve tomar algumas áreas dos subúrbios leste.

O governo Obama, enquanto isso, prefere superar-se, sancionando a Rússia. Se fossem realmente sérios quando falam contra o Califa, já estariam seguindo o dinheiro, usando inteligência local para rastrear o dinheiro e descobrir onde está (e certamente não está em banco). Não. Em vez disso, a retórica do Departamento de Estado é só sobre bombardear – mais uma ironia histórica – material norte-americano que ficou para trás, deixado lá pelo exército iraquiano; mais drones; e, eventualmente, mais “coturnos em solo”.

Os “sabidos sabidos” – para citar Donald “Rummy” Rumsfeld – no “debate” na Beltwayinformam que, para a CIA e o Pentágono, combater o Califa é a desculpa absolutamente perfeita para eventualmente impor “mudança de regime” nos dois países, Iraque e Síria.

Washington já está ficando mudança-de-regimista em Bagdá. CIA e Pentágono estão pensando em termos de bombardeamos o Califa/Califa ataca Assad/Hezbollah se envolve/Dividir e governar cada vez mais e Mais-Caos/Bombardeamos um pouco mais/Assad cai.

O problema é que não funcionará. Washington pensava – antes de o Califa capturar Mosul – que o Califa estava sob controle. Mas o homem pensa com a própria cabeça – e muito dinheiro que ainda chove vindo de poderosos apoiadores sauditas e kuwaitianos, sem contar o contrabando de petróleo. O Califa sonha com envolver-se intimamente na sucessão da Casa de Saud e talvez até fazer um lance ele mesmo, pelo poder.

Sou assassino serial muito melhor que você

O Estado Islâmico é produto do sinistro Tawhid & Jihad (“Monoteísmo e Guerra Santa”) liderado pelo assassino serial jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, incinerado por um míssil norte-americano em 2006. Zarqawi jurara fidelidade a Osama em 2004, e rebatizou seu grupo como Al-Qaeda no Iraque (AQI). Depois que morreu, AQI passou a ser Estado Islâmico no Iraque (ISI).

Passaram-se anos para que seu sucessor, Ibrahim al-Badri, também conhecido como Abu Bakr al-Baghdadi, codinome Califa Ibrahim, convertesse o ISI em ISIL (acrescentando o Levante) e tentasse absorver a franquia síria da Al-Qaeda, Frente Al-Nusra.

Al-Zawahiri, por sua vez, nunca gostou nada-nada, dessas confusões. Insistia que a Frente al-Nusra era o único assunto realmente jihadista. Al-Baghdadi ouviu a maior descompostura: lutar no Iraque, não na Síria. Movimento errado, al-Baghdadi acabou por dizer a al-Zawahiri que fosse se catar.

Abu Bakr al-Baghdadi (Califa Ibrahim)
E al-Zawahiri afinal “excomungou” o ISIL.

Assim nasceu o mito de que o ISIS/ISIL/EI seria muito mais linha-duríssima que a Al-Qaeda – magnífico movimento de Relações Públicas assinado pelo Califa − para promover-se, ele mesmo e o carisma do seu grupo. Para a geração da Jihad multinacional Google, se o grande mufti do Egito, o grande mufti da Arábia Saudita e a Organização de Cooperação Islâmica (OCI) todas falam contra o ISIS/ISIL/EI... é porque o que realmente importa é o  ISIS/ISIL/EI. E são ricos, armados até os dentes e comandam grande território. É reduzir a pó o acordo Sykes-Picot.

Assim sendo, sim, sim, o Califa está, sim, pondo em operação a arapuca de Osama – ao seu modo. Zarqawi tentou pô-la em funcionamento. E Zarqawi é o predecessor de al-Baghdadi. Mas isso é só parte da história.

O caldo, mesmo, é como o Califa legitimou agora a Guerra Global ao Terror (GGT) para durar “décadas”, nas palavras do primeiro-ministro britânico David Cameron. Os infatigáveis “altos oficiais militares norte-americanos” entraram em alerta vermelho, alertando que o  ISIS/ISIL/EI em breve “ameaçará” EUA e Europa. O Califa é o neo-Osama.

E isso só um ano depois de Obama – armado com sua própria linha vermelha que ele mesmo se impôs – ter estado a um passo de bombardear a Síria porque “Assad tem de sair” havia “usado gás contra seu próprio povo”. E quem conseguiu salvar Obama dessa insanidade foi ninguém menos que o presidente Vladimir Putin e o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov – agora atacados na demonização vingancista pelo Império do Caos.

Hollywood não teria conseguido inventar roteiro mais forçado e mal costurado.

Do fundo das vísceras de sua morada palaciana no “Siriaque”, podem-se ouvir as gargalhadas do Califa.


[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
 Obama Does Globalistan Nimble Books, 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.