quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Por que combater o ISIS/ISIL? E como combater o ISIS/ISIL, se não há aliados?

9/9/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

ISIS/ISIL alistando jovens árabes aos milhares
De onde vem esse pânico artificial sobre o ISIS/ISIL nos EUA? Por quê? Por que alguma maioria concorda com lançar ataques aéreos contra o ISIS/ISIL, “estratégia” que tem tudo para fracassar e que, com certeza, produzirá mais gente enfurecida disposta a combater contra “o ocidente”?

Nada nessa “questão” faz sentido. Sim, o ISIS/ISIL é perigoso e erigiu-se sobre uma ideologia brutal e rígida que pode atrair muitos, muitos seguidores. Surgiu imediatamente depois do ataque dos EUA ao Iraque. O czar [Paul] Bremmer dos EUA desmontou o exército do Iraque, com o que produziu um exército de várias centenas de milhares de soldados desempregados. Como se não bastasse, sua campanha de des-Baathificação converteu em miseráveis dezenas de milhares de funcionários públicos e tecnocratas sunitas. A Constituição do Iraque escrita pelos EUA consagrou, de vez, o sectarismo.

Os contos narrados pela propaganda “ocidental” sobre o governo sírio que “massacrava sunitas” – apesar de a maioria do governo sírio ser então, como até hoje, constituído de sunitas – jamais fez sentido algum. Mas aquelas sandices, repetidas incansavelmente sempre e sempre, combinadas a palavras ocas sobre “liberdade” e “democracia”, ajudaram a mobilizar uma excepcional força de combatentes estrangeiros, os quais, agora, se uniram aoISIS/ISIL.

Paul Bremer (de terno) no Iraque
O ISIS/ISIL é perigoso para quem viva no Iraque e na Síria. É ameaça para alguns dos governos na área. Mas absolutamente não é ameaça para os EUA nem para a Europa. Mesmo que gente influenciada pelo ISIS/ISIL explodisse alguma coisa em algum ponto da Europa, seria apenas mais um evento numa década de eventos de crescente terror gerado por lá mesmo. De onde teria saído a ideia de que seria necessário combater contra o ISIS/ISIL?

E combater contra o ISIS/ISIL com que aliados?

No Iraque, os EUA pressionaram para acelerar o fim do governo do primeiro-ministro Maliki. O novo primeiro-ministro Abadi é tão sectário quanto Maliki. O novo gabinete tem agora 11 membros sunitas, quando o de Maliki tinha 15. Os curdos uniram-se ao novo governo só por um período de testes, três meses, e os dois mais importantes ministérios, do Interior e da Defesa, ficam, como no tempo de Maliki, nas mãos o próprio primeiro-ministro. Quem disse que esse movimento de “mudança de regime” contra Maliki mudou, de fato, alguma coisa? Qualquer ajuda iraquiana contra o ISIS/ISIL será massacre sectário. Qualquer ajuda curda ou dos xiitas, será malversada e usada exclusivamente para gerar ganhos para aquelas comunidades.

Os “rebeldes moderados” do “exército sírio livre” (ESL) que a CIA alimenta com dólares e armas sauditas não passam de gangue e farsa. São criminosos ou fanáticos religiosos e a diferença é mínima, entre eles e o ISIS/ISIL. No Líbano, o “Exército Sírio Livre” está abertamente cooperando com o ISIS/ISIL:

Estamos colaborando com o Estado Islâmico e a Frente al-Nusra, atacando as reunião do Exército Sírio em (...) Qalamoun, disse Bassel Idriss, comandante de uma brigada rebelde aliado do Exército Sírio Livre.

Foto tomada no início de julho de 2014
Alguns grupos do ESL parecem ser os responsáveis pelo sequestro do jornalista (e, pelo que se diz, espião do Mossad?) Steven Sotloff e depois o venderam ao ISIS/ISIL. A posterior degola de Sotloff pelo ISIS/ISIL foi propagandeada−marquetada pelo governo Obama como uma das razões para bombardear o grupo. Nesse caso... por que não bombardear o Exército Sírio Livre que o sequestrou no começo de toda a história? Armas entregues pela CIA a rebeldes do Exército Sírio Livre estão, hoje, em mãos de combatentes do ISIS/ISIL. Qualquer ideia de que grupos do Exército Sírio Livre, com certeza já infiltrados de simpatizantes do ISIS/ISIL, poderiam, seja como for, ajudar em campanha contra oISIS/ISIL é pura loucura, ou sandice.

E há também a questão da total falta de cooperação internacional na área. Os dois únicos países que realmente ofereceram ajuda aos EUA foram Irã e Síria.

A Jordânia pediu para não ser (oficialmente) envolvida, porque teme rebelião interna.

A Turquia, governada por um islamista, garante conforto e apoio logístico ao ISIS/ISIL; e a Turquia nem declarou o ISIS/ISIL organização terrorista.

Israel acaba de ajudar a Frente al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda, a tomar uma estação de fronteira síria no Golan, bombardeando a posição do governo sírio que tentava impedir aquele avanço.

Os curdos estão ocupados defendendo o próprio lar nas montanhas contra incursões do ISIS/ISIL. Nem têm meios nem vontade para ação de agressão militar.

Soldado Peshmerga (curdo) observa aldeia de Baretle (ao fundo) dominada pelo ISIS/ISIL em 8/9/2014
Os ditadores da Arábia Saudita temem o ISIS/ISIL, porque é wahhabismo mais verdadeiro que a farsa que é o Estado Islâmico Wahhabi construído na Arábia Saudita. Ironicamente, tudo faz crer que o ISIS/ISIL venha a atacar em breve o estado saudita, cuja ideologia e cujo dinheiro tanto ajudaram no nascimento do grupo. Os sauditas não ajudarão na luta contra o ISIS/ISIL, seus irmãos de crença, de medo da luta interna que estariam fomentando.

Nenhum dos aliados locais que os EUA querem usar contra o ISIS/ISIL quer ajudar ou tem meios para ajudar. E os EUA consideram hostis, as três únicas forças que ofereceram ajuda e podem ajudar (Síria, Irã e Hezbollah) contra o ISIS/ISIL...

Como, então, tudo isso considerado, é possível que alguém nos EUA ainda fale de campanha militar contra o ISIS/ISIL? Com que aliados locais? Sem coturnos em solo? Sem, sequer, coturnos−amigos em solo?

Agora, os EUA querem alguma espécie de “resolução” do Conselho de Segurança da ONU, contra o ISIS/ISIL. Rússia e China serão muito, muito cautelosas. Há alto risco de os EUA darem uso abusivo a qualquer Resolução, para “justificarem” novo ataque contra a Síria.


[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como“Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir podemos ouvir versão em performance de Tim van Broekhuizen.


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