domingo, 8 de março de 2015

Divórcio Europa/EUA, por causa da Ucrânia

7/3/2015, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

OH... Desculpe-me, Angela!
O governo alemão afinal acordou, embora um pouco atrasado, e reconhece o fato evidente de que os neoconservadores norte-americanos estão dedicados a arrastar a Europa para uma guerra. Os alemães já estão culpando abertamente alguns círculos dentro do governo dos EUA e da OTAN de estarem sabotando o acordo de cessar-fogo, de Minsk. Especialmente ofensiva, na avaliação dos alemães, é a fala-delírio do general norte-americano Breedlove, comandante da OTAN:

Já há meses, Breedlove comenta sobre atividades russas no leste da Ucrânia, fala de tropas de avançam pela fronteira, fala de armazenarem munição e fala de colunas de tanques russos. Mês a mês e sempre, os números de Breedlove sempre foram significativamente mais altos que o correspondente a armas, munições, colunas e tanques que realmente pertencem a aliados dos EUA na Europa, na OTAN. Vê-se assim claramente que o general é manobrado diretamente pelos agentes linha-duríssima que há, ativos, no Congresso dos EUA e na OTAN.

O governo alemão está alarmado. Estarão os norte-americanos tentando fazer gorar os esforços de mediação liderados pela chanceler Angela Merkel? Fontes na Chancelaria referem-se aos comentários de Breedlove como “perigosa propaganda”. O Ministro alemão de Relações Exteriores Frank-Walter Steinmeier chegou a falar sobre o que Breedlove anda dizendo com o Secretário-Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, a tal ponto lhe pareceu grave a incontinência do general norte-americano.

Mas Breedlove não é o único ponto de atrito. Os europeus também começaram a considerar daninha a ação de outros norte-americanos, que trabalham contra a busca de solução diplomática para o conflito na Ucrânia. À frente desses, aparece Victoria Nuland, que coordena a área europeia dentro do Departamento de Estado dos EUA. Nuland e outros trabalham sem parar para fazer entregar armas de Washington à Ucrânia, ação apoiada não só por Republicanos, mas também por poderosos Democratas, no Congresso dos EUA.

Verdade é que o presidente Obama parece quase isolado. O presidente jogou o peso de seu apoio a favor dos esforços diplomáticos de Merkel, mas fez bem pouco contra os que se dedicam a aumentar as tensões contra a Rússia e insistem em fornecer armas à Ucrânia. Fontes em Washington dizem que as declarações de Breedlove são analisadas e liberadas ou não pela Casa Branca e Pentágono. O general está na função de “super falcão”, cujo papel é aumentar a pressão sobre parceiros considerados mais reservados, dentre os parceiros transatlânticos dos EUA.

Philip Breedlove
Os EUA, inclusive Obama, querem fortalecer o comando dos EUA sobre a OTAN e, assim, a capacidade para influenciar a Europa. E a Europa, que já perdeu negócios com a Rússia e agora está ameaçada de ver-se envolvida numa guerra, teria de pagar por isso...

O público alemão, apesar das toneladas de propaganda transatlântica, compreendeu muito bem o jogo; o governo alemão não tem como fugir dessa evidência. Se, para que a discussão retome alguma via racional e admissível, o governo alemão tiver de confrontar Washington, o confronto virá.

Os Ministros de Relações Exteriores de Alemanha, França e EUA estão atualmente reunidos em Paris. Dificilmente o Secretário de Estado Kerry gostará do que vai ouvir:

Em Berlim, políticos influentes sempre consideraram assumir posição comum em relação à Rússia, como pré-requisito necessário para o sucesso dos esforços de paz. Por enquanto, essa frente comum ainda se mantém, mas a disputa é fundamental e crucial – e tem a ver com se a diplomacia pode ser bem-sucedida sem a ameaça de ação militar. Além disso, os parceiros transatlânticos também têm hoje objetivos divergentes. 

A meta da iniciativa franco-alemã é estabilizar a situação na Ucrânia, mas o que mais preocupa os falcões linha-dura dentro do governo dos EUA é a Rússia. Querem fazer recuar a influência de Moscou na região e desestabilizar o poder de Putin. Para eles, o sonho perfeito realizado é conseguir ‘mudança de regime’ [derrubar o governo democraticamente eleito de Putin] em Moscou.

Nenhuma “mudança de regime” na Rússia interessa à Europa. O resultado será provavelmente governo muito pior e governante muito mais difícil de enfrentar que Putin, o super liberal.

Império do Caos
Os EUA, o império do caos, não querem nem saber do que acontece depois de um regime ser “mudado”. Na avaliação dos “estrategistas” e políticos norte-americanos, agitação, tumultos, desassossego no “resto do mundo” sempre ajudam a melhorar a posição (relativa) dos EUA. Se todas as capacidades produtivas europeias forem destruídas numa grande guerra... os EUA conseguirão afinal ressuscitar a indústria de exportação norte-americana!

Parece que agora, afinal, alguns líderes europeus começam a dar-se conta de que foram ludibriados por Washington e tentam voltar ao jogo em melhores condições. Uma esfera eurasiana realmente interessa à Europa.

Será que Obama aceitará essa posição europeia e fará calar os falcões norte-americanos pró-guerra? Ou escalará ele também, pondo em risco a aliança com a Europa? À primeira vista, pode-se ter alguma esperança boa. Os EUA já adiaram um projeto para dar treinamento militar à Guarda Nacional Ucraniana (neonazistas de Kiev):

Na 6ª-feira (6/3/2015), porta-voz das forças dos EUA na Europa confirmou o adiamento: “O governo dos EUA gostaria de ver alcançados os objetivos do acordo de Minsk. A missão de treinamento está adiada, mas o Exército Europa [exército dos EUA na Europa] está preparado para aquela missão se e quando nosso governo decidir avançar” – dizia a declaração oficial.

Alguns europeus, como quem escreveu a declaração acima, ainda veem Obama como guerreiro relutante, que tem de ser empurrado para a guerra pelos falcões linha-dura pró-guerra que há em seu governo e pelos Republicanos no Congresso.

A “avançada” [surge] no Afeganistão, a destruição da Líbia, a guerra contra a Síria e as dificuldades na Ucrânia, todos esses eventos, foram coordenados por um mesmo esquema de propaganda: Obama não quer guerra; Obama é empurrado para a guerra; e Obama, relutantemente, aceita a guerra. Essa visão é absolutamente falsa.

O pacote acaba sempre sobre a mesa do presidente. E Nuland, como o general Breedlove [Dr. Strangelove (Dr. Fantástico), vídeo no fim do parágrafo] e outros falcões, todos sempre muito preocupados com o bom fluxo de seus preciosos fluidos vitais obedecem o comando direto de Obama. Obama pode fazê-los calar o bico, porque pode demiti-los com um telefonema de 30 segundos.


Cada vez que Nuland, o general ou qualquer daqueles falcões,  faz uma “das suas”, e Obama não os faz calar, é absolutamente claro que Obama deseja que digam exatamente o que estão dizendo. Quem dirige a viatura pela estrada neoconservadora é Obama em pessoa.

Os europeus que tratem logo de entender isso. E de afastar-se dessa estrada de destruição.


[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Barou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir podemos ver/ouvir versão em performance de David Johansen com legendas em português.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.