terça-feira, 1 de junho de 2010

Drogas, um falso problema

por A.P.Santos

Um psicólogo francês afirmou que “não existem drogados felizes”. Deve ser verdade porque custa-me crer que uma pessoa bem resolvida venha a se tornar usuária de drogas que possam fazer mal a sua saúde ou até levá-la à morte.

Faço a ressalva porque de drogas o mundo anda cheio só que algumas são consideradas lícitas e vendidas livremente. Viagra é droga, não é? Antigamente o sujeito ficava impotente e encerrava a sua vida sexual. Naturalmente que a impotência o deixava deprimido, acabrunhado, principalmente se ele considerasse que, aquela altura da vida, ainda não tinha desfrutado de todos os prazeres que o sexo pode proporcionar. Ou se o seu desempenho não estivesse à altura do seu desejo. O Viagra veio a resolver (em parte) este problema, na medida em que deu ao indivíduo a possibilidade de fazer coisas de que gosta e que, de outra forma, não poderia mais fazer.

Remédios contra a depressão são drogas, não são? E são vendidos em farmácias e drogarias. Agora eu pergunto, depressão é mal a ser curado? Depende. Imaginemos alguém que perdeu a mãe, esposa, filho, etc. Quem vai achar que essa pessoa não tem razão para ficar deprimida e que, por conseguinte, deva tomar remédio para se curar? Nessas horas ficar triste, deprimido, é coisa normal e o “remédio” é o tempo, que atenua todas as dores das perdas.

O sofrimento e a infelicidade fazem parte da vida. O Frank Sinatra, com toda a fama, prestígio e fortuna que tinha quis se matar depois que a sua mulher, a belíssima Ava Gardner, se mandou para a Espanha, para viver com outro homem. Foi salvo a tempo. Mas não comia, emagreceu tremendamente (e ele já era magro) até que, com o tempo, despertou para a vida de novo.

Imagino que o Sinatra, naquele período, tenha consumido doses cavalares de Jack Daniels e que, sentado na sua cadeira, fumando, ficasse olhando a fumaça do cigarro e pensando “the smoke from my cigarette climbs through the air”, como diz a canção Deep in a dream. Coisa de quem está deprimido, não é?

Acontece que coisas como sofrimento (moral) e depressão podem gerar belíssimas obras de arte. Mas quantos podem estabelecer essa relação? Como ligar uma coisa à outra?

Bebida e fumo são coisas muito antigas. Bebida então nem se fala, é coisa que existe há séculos.

O povo boliviano consome chá de coca, uma excelente infusão da milenar cultura tradicional dos índios Aymara e Quéchua. Proibi-la seria como dizer a um inglês que não consuma chá, um hábito importados do Reino Unido da Ásia, conquistado e colonizado por ele durante centenas de anos.

Diga-se, de passagem, que “Coca não é cocaína”.

A difusão do ópio, uma substância que é extraída da papoula, bem como a morfina, e que é extremamente prejudicial diretamente consumida, foi resultado do colonialismo em países como o Afeganistão. Usado pelos colonizadores britânicos como moeda em outro país de cultura milenar, a China, onde se forçava a aceita-lo como pagamento por produtos mais sofisticados a partir de China e Europa, até então pagos com moedas de prata. Frequentemente é citado como um exemplo da injustiça nas primeiras décadas do século XIX que “um trabalhador chinês que se tornava viciado gastava dois terços do seu salário em ópio e deixava sua família na miséria.”

Em 1839, o ópio já estava disponível para os trabalhadores e camponeses chineses. Comerciantes britânicos e norte-americanos, com forte apoio da coroa inglesa, viram a possibilidade de grandes negócios e lucros. Por esse tempo muitos das grandes fortunas americanas foram baseadas naquele narcotráfico.

Esperem um pouco. Vamos botar a cabeça para pensar.

O sofrimento existe e a realidade é tão insuportável para algumas pessoas que elas precisam se refugiar nas drogas. Isso significa que essas pessoas vão correr atrás dessas drogas com o mesmo desespero com que o náufrago procura se agarrar a uma bóia. E como existe a demanda é razoável supor que alguém se apresentará para levar vantagem oferecendo aquilo que é demandado. E, de fato, se apresentaram, como a História nos mostra. E não foram pés rapados não. Grandes fortunas se fizeram com o tráfico. A própria coroa britânica se beneficiou dele.

O rico empresário chega a casa, depois de um dia de trabalho e preocupações. Suas ações dessa ou daquela empresa caíram, os empregados querem aumento de salário, ameaçam fazer greve. Ele tira o paletó, afrouxa o laço da gravata e bebe a sua dose de uísque para relaxar.

Se o rico sofre, tem problemas, o pobre tem muito mais motivos para sofrer e os seus problemas podem ser de outra ordem, mas ainda são problemas. O que ele faz? Enche a cara de cachaça (rico bebe, pobre enche a cara) e vai dormir. Ou então liga a TV (outra droga) e tenta se esquecer de tudo.

Tentem tirar a bebida de quem a aprecia e vejam o que acontece. Os Estados Unidos tentaram, no início do século passado, com a “Lei seca” e quebraram a cara. Quem bebia não deixou de beber porque a bebida continuou sendo vendida, clandestinamente. Só que, sendo ilegal, era mais cara, dando à máfia, que a contrabandeava, grandes lucros e o poder de corromper polícia e políticos.

Bebidas e cigarros estão liberados. Proporcionam grandes ganhos aos governos, através dos impostos. Quem gosta compra, quem não gosta nem de graça iria querer.

O problema então não esta na liberação ou não da droga. Quem não precisa de cocaína não iria comprá-la tão somente pelo fato dela ter sido, eventualmente, liberada e estar disponível no comércio legal. Cigarros e bebidas são vendidas, livremente, mas os abstêmios e os não fumantes os ignoram, solenemente.

O fato é que a realidade existe, com todas as suas nuances, e é essa realidade que leva as pessoas a buscarem as drogas. Algumas se contentam com a TV, mas outras precisam de algo “mais pesado”. Depende da circunstância de cada um.

Proibições e repressões não resolvem o problema, mas é um grande negócio para traficantes, políticos e policiais corruptos.

Li, não faz muito tempo, “A Mão Esquerda”, do Fausto Wolff, e nesse livro ele, que circulou por altas rodas, nos fala de algumas festas que freqüentou, onde o haxixe rolava farto.

Por aqui a gente ouve falar em festas da alta sociedade onde, além do uísque, a cocaína é servida em bandejas. E a polícia nem chega perto. E se chega é porque está do lado de fora, fazendo a segurança de quem está dentro.

Se rico precisa de droga porque o pobre não iria precisar?

Quem lê relatos de psicólogos, psiquiatras e psicanalistas sobre pacientes adolescentes viciados se depara com histórias bem tristes. Vendo a infelicidade e a miséria moral e material dos ambientes onde vivem esses adolescentes concluímos que eles teriam que ser pessoas extraordinárias se pudessem conservar a sua sanidade e não precisassem recorrer ás drogas.

O problema não está na droga, mas sim numa sociedade que gera a necessidade dela, nos níveis que observamos hoje. Bertold Brecht dizia “um pais onde as pessoas precisam ter uma moralidade extraordinária para não roubar é um pais muito mal organizado”.

Salta aos olhos que somos um país muito mal organizado. Aliás, o mundo está muito mal organizado. É por isso que ele produz tantos drogados (sendo a pior droga a TV, embora poucos se dêem conta do perigo), tanta prostituição, tanta perversão, tanta violência, tanta corrupção.

É um verdadeiro milagre que, num mundo desses, algumas pessoas consigam conservar a sua sanidade.

Algo precisa ser mudado.

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