2/12/2010, *Farhang Jahanpour, Informed Comment
Jahanpour: US following Israeli 5-Point Plan on Iran: Wikileaks
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
O mais alarmante, no pacote de arquivos recentemente vazados por WikiLeaks, é o quanto os políticos norte-americanos e seus aliados israelenses vivem obcecados com o Irã. Ninguém fala das colônias israelenses na Cisjordânia, na invasão israelense ao Líbano, dos crimes de guerra em Gaza, do ataque à Flotilha da Paz, do arsenal de centenas de ogivas atômicas que se acumulam em Israel. Todos só falam sobre e pensam em e preocupam-se com o enriquecimento de urânio no Irã. É como se o único problema fosse decidir quem – Israel ou os EUA – atacará primeiro o Irã.
A imprensa só deu atenção, quase exclusivamente, ao que disse o embaixador do rei Abdullab da Arábia Saudita em Washington, quando conclamou os EUA a “cortar a cabeça dessa serpente”. Há frases de outros amigos do Ocidente no Oriente Médio, Kuwait, Bahrain, Emirados Árabes Unidos e Jordânia, todos repetindo o que os diplomatas dos EUA desejavam ouvir: que as ambições nucleares do Irã representam “ameaça existencial” a todos eles...
Ao só repetir essas falas supostas autências desses ditadores, a mídia ocidental trabalha para convencer o mundo de que o Irã seria “ameaça existencial” não só para Israel, mas também para outros amigos do Ocidente na Região.
De fato, o pesadelo dos ditadores árabes é que, embora todos eles odeiem figadalmente o Irã por razões óbvias, a ampla maioria das populações nos países em que reinam com mão de ferro veem o Irã como o único país que defende a causa dos palestinos e não se intimida ante Israel e o Ocidente.
Segundo a mais recente pesquisa do Instituto US Zogby e da Universidade de Maryland, na Arábia Saudita, Egito, Jordânia e outros estados árabes pró-ocidente, a maioria da população vê com entusiasmo a possibilidade de o Irã vir a construir armas atômicas. Interrogados sobre que países ameaçavam sua segurança, 88% dos pesquisados responderam “Israel”; 77%, “EUA” e só 10%, “Irã”.
Os diplomatas norte-americanos sabem disso. O problema é que perderam completamente de vista a realidade, os princípios democráticos e os interesses de longo prazo dos EUA. A experiência de os EUA terem apoiado Saddam Hussein, o general Musharraf e tantos outros ditadores, já lhes deveria ter ensinado que confiar em ditadores e líderes antidemocráticos sempre dá mau resultado, para não lembrar que apoiar ditadores implica renegar todos os princípios democráticos que os EUA dizem defender.
Dado que os EUA estão armando seus “aliados” com bilhões de dólares dos mais sofisticados armamentos, o discurso contra a ameaça militar que viria do Irã soa como palavras vazias.
Segundo o Financial Times, os EUA trabalham para rearmar os exércitos árabes [ver, sobre isso “A economia dos EUA depende das vendas de armas aos árabes”, PressTV, 23/9/2010], com vendas para quatro Estados do Golfo Persa, que batem hoje todos os recordes históricos e que chegarão a 123 bilhões de dólares: cerca de 67 bilhões para a Arábia Saudita; 40 bilhões para os Emirados Árabes Unidos; 12 bilhões para Omã; e 7 bilhões para o Kuwait, segundo o jornal.
Tudo isso, apesar de esses países e Israel já consumirem parte maior dos seus respectivos PIBs, para comprar armas.
Segundo o SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute) [Ismael Hossein-Zadeh, “The Militarization of the World”, em Counterpunch, 12-14/11/2010], o Irã gastou em 2009, em compras de armas, $9,174 bilhões (2,7% do PIB); a Arábia Saudita, $39,257 bilhões (8,2% do PIB); o minúsculo Emirados Árabes Unidos gastou, em compras de armas, 13,5 bilhões (5,9% do PIB); e Israel gastou 14,34 bilhões (7% do PIB).
No Irã, os gastos militares chegam a 2,7% do PIB (9,174 bilhões: 340 bilhões); nos EUA, já estão perto de 7% (1 trilhão: 14 trilhões). Em outras palavras: o Irã gasta, em armas, menos de 1% do que os EUA gastam.
Apesar de todas essas evidências, EUA e Israel cometem a temeridade de apresentar o Irã como principal ameaça no Oriente Médio e principal obstáculo ao “processo de paz”.
Há passagem excepcionalmente eloquente nos telegramas WikiVazados, quando o primeiro-ministro de Israel explica a uma delegação de congressistas dos EUA, dia 28/4/2009, que “Estado palestino, só se for desmilitarizado, sem controle sobre o espaço aéreo e campo eletromagnético [sic], sem poder assinar tratados nem controlar fronteiras” [Robert Fisk, The Independent, UK, 30/11/2010, “Confirmado: Se depender dos EUA, todas as injustiças estão liberadas no Oriente Médio”, traduzido].
Se é assim, o que significariam a “solução de dois Estados” de que fala o governo Obama e o estabelecimento de um Estado palestino “viável”? Que objetivo teria o “processo de paz”, em troca de cujo prosseguimento os EUA estão dispostos a fazer tantas concessões a Israel?
Praticamente todas as conversações EUA-Israel manifestam a mesma frenética, obcecada preocupação com o Irã. Nem um nem outra sequer tenta encontrar vias para resolver as dificuldades do programa nuclear iraniano mediante cooperação, conversações, busca de soluções construtivas: só se considera a via das sanções econômicas que podem rapidamente levar à guerra.
Tudo faz crer que os líderes iranianos acertaram ao não confiar, sequer, na oferta do presidente Obama, de conversações sem pré-condições. As revelações de WikiLeaks, de que funcionários dos EUA planejavam aumentar a pressão sobre o Irã com mais sanções e a implantação de um escudo de defesa antimísseis, ao mesmo tempo em que, para a opinião pública, apresentavam atitude de abertura, estão sendo vistas em Teerã como comprovação de que as ofertas do presidente Obama não mereciam, de fato, qualquer confiança. Os documentos vazados mostram que, no mínimo, o convite para “o engajamento” foi parcialmente falso; que, simultaneamente, o governo Obama prosseguiu na política de “duas vias”: simultaneamente pressionar e negociar, e tudo, sempre, sob a constante ameaça de que “todas as opções permanecem sobre a mesa”.
Um dos momentos mais reveladores sobre a abordagem que EUA-Israel tentam contra o Irã aparece no relato de reunião entre Meir Dagan, chefe do Mossad, e Nicholas Burns, então subsecretário de Estado dos EUA. O chefe dos espiões israelenses praticamente exibe todo o “mapa do caminho” que os EUA devem obedecer, inclusive uma “Estratégia dos 5 Pilares”1.
A passagem merece ser reproduzida na íntegra. Os "cinco pilares" do plano do Mossad são:
1) Denunciar o Irã ao Conselho de Segurança da ONU e fazer aprovar Resolução para uma terceira rodada de sanções;
2) “Covert Operations” [aprox. “operações clandestinas”]: Dagan e o subsecretário decidiram não discutir esse item no contexto do grande grupo;
3) Contraproliferação: impedir que tecnologia e know-how [nucleares] cheguem ao Irã;
4) Sanções – o maior sucesso até agora. Três bancos iranianos estão à beira do colapso. Sanções financeiras estão tendo impacto em todo o país.
5) Mudança de regime. Israel acredita que é preciso fazer mais nessa direção, possivelmente com o apoio dos movimentos de estudantes pela democracia e grupos étnicos como os azeris, os curdos e os baluques [minorias étnicas que vivem no Irã].
É exatamente a fórmula que vem sendo seguida ao longo dos dois últimos anos, pelos líderes norte-americanos.
Sob forte pressão dos EUA, o Conselho de Segurança aprovou mais duas Resoluções que impuseram sanções debilitantes ao Irã. O Congresso dos EUA e países da União Europeia têm ido além e imposto também suas próprias sanções contra relações comerciais com Teerã, embarques, bancos, aviações, petróleo e gás, contra o programa nuclear iraniano, os Guardas Revolucionários...
Depois da revelação desses documentos, o governo dos EUA tem duas opções: ou insistem na mesma política falida e impõem cada vez mais e mais sanções – processo que fatalmente levará à guerra; ou mudam de curso e dão sentido às primeiras frases do presidente Obama, sobre conversações e negociações, respeitosas e democráticas, com o Irã, em busca de um acordo amplo que garanta ao Irã o direito de continuar a enriquecer urânio sob estrita supervisão internacional, e que impeça que se construam mais bombas atômicas.
Até aqui, o presidente Obama tem conseguido resistir à intensa pressão do lobby israelense, que exige ataque militar contra o Irã. Essa pressão deverá aumentar nos próximos meses, à medida que se aproximem as eleições presidenciais. O presidente Obama terá de ter sangue frio e resistir. Cabe-lhe dizer claramente aos mercadores da guerra, que o Irã não será outro Iraque.
O Irã deve ser chamado para que ajude a resolver alguns dos mais complexos problemas do Oriente Médio, desde os intermináveis conflitos no Iraque, Afeganistão, Paquistão, às décadas de guerra entre árabes e israelenses na Palestina, em troca de garantias de segurança para o Irã e a normalização de relações com o Irã. Um Irã respeitado pode desempenhar importante papel no Oriente Médio – como aliado dos EUA, não mais como inimigo.
Para avaliar a importância do Irã, basta comparar as eleições inexistente na maioria dos países árabes, ou, mesmo, as recentes eleições parlamentares no Egito (nas quais, miraculosamente, a Fraternidade Muçulmana, que comanda a oposição ao ditador Mubarak, não obteve sequer um assento com direito a voto no Parlamento), com a vibrante, viva, embora ainda não perfeita, democracia iraniana. Ano passado, as eleições presidenciais no Irã mostraram que a maioria dos iranianos anseia pelo fim do governo radical e por constituir plena e autêntica democracia. Os iranianos foram mais uma vez contidos pela repressão brutal imposta pelo governo de Ahmadinejad e dos clérigos conservadores que o apoiam.
Mas os iranianos precisam, sobretudo, de garantias de que, se se levantarem em grandes números contra os atuais governantes impopulares, não estarão favorecendo a divisão étnica de seu país – como planeja o chefe do Mossad (Pilar n. 5, do plano, acima) –, ou criando pretexto para que o país sofra ataque militar de israelenses ou norte-americanos.
Para que o Irã alcance seus objetivos democráticos e para que os EUA possam inaugurar nova página nas suas relações com esse importante e influente player na Região – os iranianos são, talvez, as populações mais pró-ocidente de todo o Oriente Médio – , é essencial que os EUA rompam o cordão umbilical que os liga aos elementos mais extremistas em Israel e iniciem assim uma nova era de relações no Oriente Médio e com todo o mundo islâmico. No longo prazo, essa nova política atenderá também os interesses de Israel. Na trilha em que segue hoje, Israel condena-se ao fracasso.
[1] A expressão aparece num dos telegramas WikiVazados, no item “IRAN: DAGAN REVIEWS ISRAEL'S FIVE PILLAR STRATEGY” (telegrama, na íntegra).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.