Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Coluna recente de David Brook [“Nossa frágil comunidade”]
e resposta de Ross Douthat [“As ambições de Julian Assange”] à defesa que fiz de WikiLeaks ajudaram-me a ver e articular a fonte da sensação de que estávamos deixando escapar alguma coisa no grande quadro.
Começo por sugerir que políticos e jornalistas a pedir a cabeça de Julian Assange numa bandeja são como brincadeira de criança para ele. Enquanto todos os olhos rastreiam o misterioso albino internacional, a infraestrutura humana e física de um movimento muito maior e mais amplo, mais difuso, continua a crescer e a consolidar-se bem longe dos holofotes. Se Assange for assassinado amanhã, se todos os servidores de WikiLeaks forem desligados por algumas horas, ou dias, ou para sempre, nada de fundamental de fato mudará.
Com ou sem WikiLeaks, a tecnologia existe para permitir que vazadores vazem dados e documentos, preservando o anonimato. Com ou sem WikiLeaks, a equipe, as tecnologias e a ideologia continuarão aí, permitindo o vazamento anônimo e tornando acessíveis ao grande público todos os tipos de informação. Meter Thomas Edison no cárcere em 1890 não teria tornado a noite mais escura.
Apesar disso, prossegue o debate sobre WikiLeaks, como se fosse possível resolver o caso com a erradicação dos atuais vazadores – como se tudo não passasse de ligeira pane do sistema, corrigível por funilaria superficial; como se se pudesse espantar o incômodo, com boas doses de poder governamental. Pois não creio que a coisa acabará tão facilmente.
Assim como a tecnologia foi tão facilmente simplificada, para que governos e empresas invadissem cada vez mais facilmente a vida privada dos indivíduos, assim também a tecnologia foi simplificada para uso dos indivíduos, em ações solitárias ou em grupos, para invadir arquivos secretos de governos e empresas. WikiLeaks é apenas uma manifestação precoce do que prevejo que será traço mais ou menos permanente da vida contemporânea, e impedimento mais ou menos permanente que se imporá ante todas as estratégias de preservação de sigilos.
Lembremos que o jovem Bradley Manning, ao que se sabe, teria feito tudo o que fez com uma simples senha USB de acesso a uma rede militar. Há 30 anos, era impossível alguém sair de um prédio e andar até a calçada carregando centenas de milhares de documentos secretos. Pesariam toneladas. Hoje, há milhões e milhões de empregados públicos e privados que podem copiar arquivos massivos de dados em minúsculos dispositivos de transporte. Só não haverá vazamentos como os de WikiLeaks, se as pessoas que têm livre acesso a dados sigilosos se recusarem a copiá-los e distribuir. Mas, enquanto as pessoas tiverem alguma noção de certo e errado — e mesmo que só aconteça a uma minoria — os vazamentos e escândalos continuarão.
A questão básica não é concluirmos que Julian Assange é terrorista ou herói. A questão básica não é decidirmos se a exposição de conversas de diplomatas beneficia ou prejudica o trabalho deles, e se isso é bom ou mau. Insistir em só discutir essas questões é querer avaliar toda a floresta pela casca dura de um único carvalho. Se se constata a inevitabilidade de enormes vazamentos de dados, acho, então, que é preciso discutir de onde virão os vazadores e os dados a vazar.
Alguns sonham com estimular nos indivíduos o senso de justiça que os fortaleceria para o embate contra as instituições que controlam nosso destino e os levaria a trazer à luz todos os segredos daquelas instituições. Outros sonham com estimular nos indivíduos a lealdade e a submissão às corporações e ao Estado, para proteger os privilégios e as prerrogativas dos poderosos, porque a erosão daqueles privilégios e prerrogativas ameaçaria o que David Brooks chama de “a frágil comunidade” – nossa atual, confortável ordem natural das coisas.
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