segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Berberes da Líbia unem-se ao levante

Ghaith Abdul-Ahad

28/2/2011, Ghaith Abdul-Ahad  (de Zentan), Guardian, UK
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

“Tenha uma boa revolução”, disse o agente de imigração da Tunísia, devolvendo nossos passaportes. Atravessamos a faixa estreita da terra-de-ninguém em direção à Líbia e a um cartaz gigante de Muammar Gaddafi, queixo levantado, as mãos unidas, num gesto de vitória.

Antes de chegarmos até ele, um carro com a bandeira da revolução líbia apareceu em alta velocidade, passou por nós, o motorista fazendo gestos de vitória, antes de desaparecer por trás do posto de fronteira, num grande círculo. Ainda vimos as expressões surpreendidas da polícia e dos agentes de segurança, enquanto o carro sumia na distância.

“Agora, tudo é livre”, disse o motorista do carro que nos levava, apontando montanhas e o deserto.

As estradas do oeste da Líbia estão cobertas de postos de controle improvisados. Barricadas feitas de pedras e restos de veículos, à volta das quais sempre há um colorido grupo de ativistas, que bloqueiam as entradas de cidades e vilas. Os combatentes oferecem rostos de todos os tipos, com os mais diferentes turbantes, amazigues ou berberes, homens das tribos de cada região, desertores ainda em uniformes do exército, voluntários em seus surrados trajes de combate.

Os cabeças desse levante também são grupo muito variado: um dos comandantes militares, Talibi, da tribo amazigue, é poeta na vida civil. Outros que encontramos são médicos, engenheiros, anciãos líderes de comunidades e até um jovem agarrado a um laptop, com boné de baseball, todos amazigues.

Já era noite, quando chegamos a Nalut, onde vários amazigues faziam guarda em torno de fogueiras e barracas, no ponto de controle da entrada, na noite gelada. Vários armados, com as armas que saquearam das bases do exército, vários com rifles, alguns com porretes. O amazigue com quem falamos mal conseguia esconder a euforia.

“São décadas de medo. Agora, acabou, depois do que aconteceu no Egito e na Tunísia” – disse SKhairy, oferecendo pequenas xícaras de chá verde. Os amazigues lutam há décadas para manter seus direitos culturais na Líbia de Gaddafi. “Já não tinha esperança de ver acontecer, antes de morrer” – disse. 

Nos arredores de Nalut, fomos levados para dentro de uma pequena tenda, onde havia quatro negros junto à uma das paredes, as armas longe deles, num canto. Os combatentes examinavam os rostos, com lanternas. “São mercenários”, disse um dos amazigues. Vasculharam as mochilas dos prisioneiros, para nos mostrar o que traziam: um álbum de fotografias, poucas peças de roupa, meias e um boné.

“Traziam facas”, disse-me um amazigue. Mas, para mim, os quatro, assustados, muito jovens, de jeans, tênis e camiseta, pareciam não passar de jovens migrantes africanos, a caminho para a Europa.

Na manhã seguinte, fomos com Talibi, o comandante-poeta, até uma pequena colina, de onde se avistava a estrada. Talibi planejava um ataque ao posto de fronteira entre Líbia e Tunísia, tentando abrir caminho pelo oeste para que médicos e líderes da oposição cheguem à Líbia.

Talibi gritou em amazigue nos dois telefones celulares. Sua pequena brigada guerrilheira de uma dúzia de homens altos e fortes, à volta dele, esperava instruções para o ataque. Contei ali quatro Kalashnikovs, alguns rifles de caça e um porrete.

Talibi passou um ano preso, condenado por organizar atividades de guerrilha com os amazigues contra o regime de Gaddafi. As cicatrizes nas pernas são restos de tortura. “Aqui, usaram uma furadeira” – disse, levantando a perna da calça e mostrando uma cicatriz de três círculos perfeitos. Na outra perna, uma longa cicatriz, marca de golpe de machado.

Quando receberam ordem, os amazigues correram para cinco jipes e partiram rumo à fronteira. Os guardas líbios abriram o portão e os deixaram entrar, sem que um tiro fosse disparado. Depois que os carros pararam, um soldado líbio apareceu atrás de uma porta, arrastando o rifle.

Os amazigues de Talibi espalharam-se, enquanto oficiais de inteligência e um policial eram encostados num canto, visivelmente apavorados. “É o pessoal do velho regime – um espião e um ex-oficial” – disse Talibi. “Mas não é hora de vingancismos. Precisamos de governo, lei e ordem. Depois, poderemos julgá-los.”

Havia informação de que o exército estaria mandando reforços para a fronteira, e Talibi e seus homens saíram. O resto do dia foi dedicado a organizar um ataque a uma coluna de caminhões do exército armados com metralhadoras. O comboio foi visto de longe, a partir de informações que chegaram de outras pessoas da tribo.

“Olhe para eles! Estão felizes, como se fosse feriado” – disse Talibi.

Cinco homens organizaram uma emboscada num desfiladeiro entre montanhas, e dois tomaram posição de tiro numa borda de pedra, mas o comboio não chegou até ali. Mais tarde chegaram informações de que o comboio parara num acampamento do exército, nos arredores.

No dia seguinte chegamos a Zentan, quase 80 quilômetros a leste de Nalut. A cidade orgulha-se de ser a primeira, no oeste da Líbia, a levantar-se contra o regime, embora ainda se ouçam tiros de metralhadora à distância. Aqui, como por todo o caminho, restos de carros e pedaços de metal indicam o caminho para a cidade, dividindo o fluxo de carros, para melhor controlar os pontos de entrada.

O centro da cidade é zona de guerra. Os principais prédios do regime – o quartel-general da polícia política e os ‘comitês populares’ – foram depredados e incendiados e estão agora decorados com graffiti anti-Gaddafi. Longas filas de carros nos postos de combustível e padarias. Já faltam itens básicos, como açúcar e arroz.

Guardas rebeldes, armados com pistolas e Kalashnikovs fazem guarda na entrada do hospital onde os rebeldes organizaram seu quartel general. Parecem tensos, nervosos. “Não se preocupe. Só temos de impedir que os mercenários entrem” – disse um homem, sacudindo a pistola no ar, enquanto fala.

Abdul Satar, comandante da unidade de combate mais organizada de Zentan, é homem baixo e intenso, dado a explosões de gritos. Está sentado numa das salas da administração do hospital, uma Kalashnikov com baioneta sobre os joelhos.

Zentan vive agora uma espécie de rotina, uma semana depois de ocupada pelos manifestantes, disse ele. O regime e os rebeldes estão fazendo guerra de atrito: o regime manda pequenas unidades para atirar sem alvo e retirar-se, e Abdul Satar e seus homens atacam postos de controle das vizinhanças, onde há notícia de que pessoas foram impedidas de entrar ou sair da cidade. Acaba de voltar de um desses ataques. Um soldado do exército foi morto e trouxeram três prisioneiros feridos.

“Saímos, atacamos os postos que resistem e voltamos e assim vamos” – disse Satar. Onde conseguem armas? Responde que “Todo o nosso armamento foi capturado nos acampamentos do exército”. 

Entre os cansado rebeldes que trabalham no hospital, está Othman Zantani, médico, elegante, de voz suave. “Para ser franco”, diz ele, “a revolução ainda não está muito bem coordenada.

“Tudo aconteceu espontaneamente, mas agora temos de nos auto-organizar. Estou organizando reuniões com várias outras cidades e os anciãos das tribos. Temos de organizar comitês para cuidar da rotina do hospital, de saúde e segurança, e também ajudar outras pessoas a criar comitês políticos que representem a parte oeste do país, exatamente como foi feito no leste. As reuniões são para coordenar essas ações”.

Outro membro do comitê de segurança contou sobre planos para mandar armas e munição para Trípoli e cidades sitiadas, como Zawiyah. Dois dias antes, um comboio com munição foi enviado para lá, mas foi interceptado pelo exército do regime ao chegar à capital.

“O plano em andamento é coordenar a ação com dois irmãos que estão no leste e marchar para Trípoli” – disse o agente de segurança. “Esse plano começou a ser posto em marcha ontem, mas foi adiado. A situação muda tão rapidamente, que não se pode, de fato, planejar nada, mas temos de mandar pessoal e armamento para Trípoli. Estão desarmados e estão sendo massacrados. Temos de ajudá-los.” 

Alguns prédios adiante do hospital, os revolucionários organizaram uma sala de comunicações. Numa mesa coberta de grossa camada de pó, operando dois telefones celulares e dois laptops, cercado por nove carregadores de celular e dois maços de Marlboro, está sentado Omar, fumando sem parar, os olhos pulando de uma para outra tela de seus vários aparelhos. Usa um boné de baseball puxado sobre a testa. Está copiando vídeos do YouTube, enviando mensagens pelo Facebook, atualizando seus contatos na rede Al-Jazeera.

Outros, noutras mesas, escrevem para blogs, monitoram noticiários de televisão e comunicam-se com outros ativistas. “Sem essa sala, a revolução já teria morrido”, diz Omar. “Nós mantivemos aceso o fogo”. Nem tirou os olhos da tela.

Um comentário:

  1. Você nunca entrou na Líbia verdadeira, esteve em 1 acampamento de fronteira, esteve com mercenários patrocinado pelo governo frances que está assassinando pessoas da Líbia.

    Qadaffi é berbere não árabe.
    O sistema de governo da Líbia é democracia direta. Durante 4 décadas a shari'ah governou a Líbia e governou Qadaffi que nunca foi presidente, 1º ministro, nada, nenhum cargo publico ou político. Ele apenas reconstruiu a Líbia e nunca violou a shari'ah. Qdº ele comprava armas p/ fazer guerrilha contra o império colonizador frances e guerrilha p/ colocar Mandela no poder todos calados, todas as nações quietas.

    Agora que as geleiras que serviam aos EUA, a Europa, Argentina já eram, isto é, degelaram e evaporaram todos estão fazendo guerra ao povo líbio porque este povo decidiu em Assembléia negar à UNRECO a internacionalização do Nubian Aquiffer, a maior reserva de água doce do Próximo Oriente 10 vezes maior que a Bacia do Jordão que também está na lista da UNESCO. Esse é o motivo dos muçulmanos e cristãos da África e da região do Levante estarem indo às ruas. Eles estão dizendo não a internacionalização de suas reservas hídricas.

    Democracia indireta como a nossa é 1 palavra vazia p/ muçulmanos porque Alcorão prega o socialismo como sistema de governo. Arábia, EAU têm como sistema de governo o socialismo embora sejam países monárquicos.

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