segunda-feira, 11 de abril de 2011

Islândia, combata esta injustiça

por Eva Joly*

Este artigo foi escrito antes do referendo de 09/Abril/2011, vencido pelo povo islandês com 59,1% de votos “não” contra 40,9% de “sim”.

A Islândia COMBATEU a injustiça...

No sábado o povo islandês vota em referendo sobre se o Estado islandês e portanto os cidadãos deveriam garantir o chamado pedido de indenização (claim) do Icesave. O Icesave era um banco com contas de depósito que prometia as melhores taxas de juro do mercado. Quando o banco faliu, levantou-se a questão de se o fundo de garantia de depositantes islandês – uma instituição privada financiada pelos bancos – deveria ter o apoio dos contribuintes. Ao invés de deixar os depositantes perderem o seu dinheiro ou mesmo à espera de compensação do espólio da bancarrota, os governos do Reino Unido e da Holanda (onde os produtos Icesave eram comercializados) decidiram reembolsar os depositantes dos seus próprios países. O reembolso incluía todo o principal, enquanto os proveitos dos juros temerariamente altos dos depositantes que se arriscaram foram acrescentados como bônus.

A seguir as autoridades britânicas e holandesas foram junto ao governo islandês e reclamaram, referindo-se à regulamentação da UE, que a compensação era, de fato, da responsabilidade do contribuinte islandês e que a Islândia tinha de reembolsar plenamente os britânicos e holandeses.

As exigências à Islândia são enormes, considerando a dimensão da sua população – £3,5 bilhões [€3,97 bilhões] equivale a uma exigência ao contribuinte britânico de £700 bilhões [€795 bilhões]. Tal exigência é contestável, tem uma duvidosa base legal e uma ainda mais duvidosa base moral.

Com uma disposição semelhante, os povos da Irlanda, Grécia, Portugal e outros países da UE teriam de aceitar uma garantia total de todos os empréstimos feitos por prestamistas comerciais, deixando, portanto, tanto as instituições financeiras como os possuidores de títulos livres de qualquer responsabilidade. Por que isto? Será que isto foi discutido adequadamente? Será a ideia de que contribuintes deveriam necessariamente garantir prestamistas privados uma proposta aceita habitualmente? Será que supor que o empréstimo temerário não tenha consequência?

Ao invés de aplicar os métodos costumeiros de cancelamento (writing off) da dívida, parece que foi criado um consenso invisível – que recorda a frase de Chomsky da "conspiração inconsciente" – de que os excessos financeiros e os empréstimos temerários da década passada serão transferidos para os contribuintes no futuro imprevisível. Em resultado disso, cidadãos através de toda a Europa estão a enfrentar cortes em serviços públicos, elevações de impostos e aumentos maciços no desemprego.

Até agora, problemas graves de dívida soberana eram limitados a países em desenvolvimento, frustrando o desenvolvimento social e econômico real. Mas agora os problemas que povos em alguns dos mais pobres países no Sul têm estado a enfrentar durante décadas estão atingindo o Norte.

É neste contexto que o referendo do Icesave é tanto significativo como importante para a Europa e para todo o vasto mundo. É evidente que o processo democrático está ausente. Não houve debate público para decidir se, como questão de princípio, os contribuintes deveriam salvar ou não instituições financeiras. Duvido seriamente que os contribuintes europeus pensem que isto é justo e razoável. Não está claro se isto é uma posição ideológica ou uma questão prática. E se for puramente prática, será sustentável?

A crise financeira provocou um sofrimento inimaginável em milhões de pessoas que perderam suas casas, empregos e pensões. Estes homens e mulheres sabem o que estas perdas significam, enquanto financeiros internacionais, banqueiros e possuidores de títulos fogem à plena compensação, com os seus bônus e salários surrealistas e lucros intactos, como se nada houvesse acontecido. O seu comportamento cínico e temerário é claramente visível, como crateras de bombas na paisagem econômica.

O mundo olha para o povo islandês que, até agora, tem se recusado a aceitar a ordem do dia – salvamentos incondicionais do sector financeiro. Tenho esperança de que este louvável espírito combativo irá vencer.

08/Abril/2011

Eva Joly* é juíza e deputada francesa ao Parlamento Europeu pelo partido Verde.
O original, em inglês, encontra-se em: Iceland, fight this injustice
 Esta tradução foi extraída de: Resistir

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