segunda-feira, 8 de junho de 2015

Grécia: A batalha no Syriza

3/6/2015, Alexis Tsipras e Stathis Kouvelakis, Jacobin Magazine
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 
Adiante publicamos coluna assinada pelo primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, escrita para o Le Monde, que inclui a primeira lista de concessões que o governo grego aceitou nas negociações com a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) [aqui traduzido do francês (NTs)].
Na sequência, publicamos uma resposta de Stathis Kouvelakis, figura central da Plataforma de Esquerda do Syriza.
Os dois artigos apareceram primeiro no blog da editora Verso Books [in Jacobin Magazine, aqui traduzido].

Alexis Tsipras: “Não a uma Eurozona de duas velocidades”
Alexis Tsípras (C) Primeiro-Ministro da Grécia
  
“Coragem, coragem, se o que você quer é aquilo que pensa e faz
Coragem, coragem que eu sei que você pode mais”
(Raul Seixas, Por quem os sinos dobram, 1979 – vídeo no pé da postagem).
Epígrafe acrescentada pelos tradutores.

Dia 25 de janeiro, o povo grego tomou decisão corajosa. Ousaram desafiam a austeridade rigorosa, que era como rua de mão única, e exigiram novo acordo. Vale dizer, novo acordo que permitisse à Grécia voltar ao caminho do crescimento – dentro da eurozona, e com programa econômico viável –, ao mesmo tempo em que se evitariam os erros do passado.
O povo grego já pagou preço pesado por aqueles erros passados. Em cinco anos, o desemprego saltou para 28% (e chega a 60% entre os mais jovens), e a renda média caiu 40%, o que fez da Grécia o estado da União Europeia com o mais alto índice de desigualdade social, segundo números do Eurostat.
Pior que isso, mesmo com o grande dano que causou ao tecido social na Grécia, aquele programa de nada serviu para devolver competitividade à economia grega, e a dívida pública inchou, de 124 para 180% do PIB. Apesar dos grandes sacrifícios que o povo grego fez, a economia do país continua mergulhada na mesma incerteza gerada pelos objetivos irrealizáveis da doutrina dos orçamentos equilibrados. Assim o país foi preso num círculo vicioso de austeridade e recessão.
O principal objetivo do governo grego ao longo dos últimos quatro meses tem sido pôr fim a esse círculo vicioso e a essa incerteza. Agora, mais que nunca, é necessário um acordo mutuamente benéfico que fixe objetivos realistas para o superávit orçamentário, ao mesmo tempo em que reintroduzimos um programa de desenvolvimento e investimento: uma solução definitiva para a situação grega. Sobretudo, tal acordo poria fim à crise econômica europeia que eclodiu há sete anos; e poria fim ao ciclo de incerteza na eurozona.
A Europa hoje tem capacidade para tomar as decisões que produzirão forte recuperação na economia grega e europeia, encerrando qualquer possibilidade de “Grexit.” Tal possibilidade é uma barreira à estabilização de longo prazo da economia europeia, e a qualquer minuto pode derrubar a confiança de cidadãos e investidores na moeda conjunta europeia.
Mesmo assim, há quem diga que a Grécia nada estaria fazendo para ajudar a avançar nessa direção, porque chega às negociações com atitude intransigente, e sem oferecer qualquer proposta. Mas será realmente assim?
Considerando-se que o momento que atravessamos, é de importância crítica, pode-se dizer, de importância histórica para o futuro da Grécia e da Europa, gostaria de oferecer o relatório correto, dando à opinião pública europeia e mundial um quadro responsável das reais intenções e posições do governo grego.
Depois da decisão de 20 de fevereiro do Eurogrupo, nosso governo apresentou inúmeras propostas de reformas, buscando um acordo que combine respeito ao veredicto do povo grego e às regras que governam o funcionamento da eurozona. Concordamos, especialmente, com superávits primários menores [o superávit orçamentário antes de pagarmos juros] para 2015 e 2016 e maiores para os anos seguintes, na expectativa de que os superávits crescerão correspondentemente às taxas de crescimento da economia grega.
Outra importante proposta foi nosso compromisso de aumentar a renda pública, aliviando a carga que pesa sobre cidadãos de baixa e média renda e aumentando-a para quem tenha renda mais alta, os quais, até agora, ainda não haviam sido convocados a arcar com a parte que lhes compete dessa crise, protegidos como sempre foram pelos dois lados: pela elite política de meu próprio país e pela troika que fechou os olhos a essa evidência.
Mais do que isso, desde seu primeiro dia no poder, o novo governo mostrou suas intenções e sua determinação, ao introduzir medidas legislativas para confrontar as fraudulentas transações triangulares, e ao intensificar controles fiscais e aduaneiros para suprimir o contrabando e a evasão fiscal. Simultaneamente, pela primeira vez em muitos anos o Estado grego cobrou as dívidas jamais resgatadas de proprietários de veículos de mídia.
Que o clima está mudado na Grécia, é óbvio. Prova-se também pelo fato de que as cortes aceleraram a tramitação dos processos, de modo que ações que envolvem evasão fiscal possam ser levadas mais rapidamente a julgamento. Oligarcas habituados a viver sob a proteção do sistema político têm hoje boas razões para se preocupar com as nossas medidas.
Durante as discussões com as instituições, nós não apenas expusemos nossa linha geral de marcha, mas também apresentamos propostas específicas. Cobrimos assim grande parte da distância que nos separou há alguns meses. Mais especificamente, o lado grego concordou com embarcar numa série de reformas institucionais, dentre as quais: reforçar a independência da Agência Grega de Estatísticas (ELSTAT); fazer intervenções para acelerar a administração da justiça; e intervenções nos mercados, para eliminar privilégios e distorções.
Além disso, embora nos oponhamos diametralmente ao modelo de privatização que as instituições pregam, porque não oferece nenhuma perspectiva de desenvolvimento e não transfere recursos para a economia real, mas sempre e só para o pagamento da dívida – e o qual, seja como for, não é viável –, aceitamos fazer algumas pequenas mudanças no programa das privatizações, para fazer prova de nossa intenção de caminhar na direção de uma reaproximação.
Concordamos também com fazer uma grande reforma do Imposto sobre Valor Agregado, simplificando o sistema e reforçando a dimensão redistributiva do imposto, com vistas a aumentar tanto a abrangência do imposto como as receitas.
Apresentamos propostas concretas para medidas que visar a um aumento suplementar da receita (imposto excepcional sobre os benefícios muito elevados, imposto sobre jogos de apostas online, aumento dos controles sobre grandes depositantes fraudadores, imposto especial sobre produtos de luxo, concorrência pública para concessões de radiotelevisão) que foram esquecidas, como por acaso, pela troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) durante cinco anos, dentre outras ideias.  
Essas medidas visam a aumentar as receitas públicas, sem contribuir para a recessão, pois não diminuem ainda mais a demanda efetiva e não impõem novos impostos e taxas sobre rendas pequenas e médias.
Nos pusemos de acordo, para empreender uma grande reforma do sistema de segurança social, com unificação dos fundos de assistência social, supressão de disposições que autorizam concessão de aposentadorias antecipadas, aumentando assim a idade mínima para aposentadoria.
Devemos ter em conta que as perdas nos fundos de assistência social, que levaram à questão de como garantir-lhes viabilidade no médio prazo, são resultado de escolhas políticas pelas quais são responsáveis os governos gregos que vieram antes de nós, e principalmente a própria troika (diminuição dos fundos de reserva das caixas em 25 bilhões de euros, em razão do “Private sector involvement” em 2012; e sobretudo a taxa de desemprego muito elevada, que se explica quase exclusivamente pelo programa de extrema ‘austeridade’ aplicado à Grécia desde 2010).
Finalmente, apesar de nosso interesse em restabelecer imediatamente as normas europeias em matéria de direito do trabalho, que foi completamente desconstruído nos últimos cinco anos, sob o pretexto da competitividade, aceitamos pôr em andamento uma reforma do mercado de trabalho, depois de consultas com o Organização Internacional do Trabalho, e por ela validada.
Não mexer mais nas aposentadorias
Levando em conta tudo o que houve antes, podemos com razão nos perguntar por que os representantes das instituições insistem em repetir que a Grécia não apresenta propostas.
Por que continuar sem fornecer liquidez monetária à economia grega, agora que a Grécia demonstrou que pode cumprir suas obrigações exteriores, com o pagamento, a partir de agosto de 2014 de mais de 17 bilhões de euros do principal e de juros (cerca de 10% de seu PIB), sem financiamento externo?
Finalmente, qual é o interesse dos que vazam para a imprensa que não estamos nem perto de qualquer acordo, quando se sabe que qualquer acordo permitirá pôr fim à incerteza política e econômica que se vê no nível europeu e mundial, que se prolonga por causa da questão grega?
A resposta não oficial e alguns é que não estamos nem próximos de um acordo porque o lado grego mantém suas posições com o objetivo de restabelecer as convenções coletivas e recusa-se a diminuir ainda mais as aposentadorias.
Quanto a esses pontos, devo dar alguma explicações: no que concerne ao primeiro, a posição da Grécia é que a legislação do trabalho deve corresponder às normas europeias e não violar de modo flagrante a legislação europeia. Não pedimos nada de mais além do que vigora nos países da zona do euro. Nesse sentido, fizemos uma declaração com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
No que concerne ao segundo ponto, o das aposentadorias, a posição do governo grego é bem argumentada e lógica. A diminuição cumulada das aposentadorias na Grécia durante os anos do Memorando alcança já de 20% a 48%: atualmente, 44,5% dos aposentados recebem aposentadoria que está abaixo do limiar de pobreza relativa e, segundo os dados da Eurostat, 23,1% dos aposentados vivem em condições de risco de miséria e de exclusão social.
Essa situação, que resulta da política do Memorando, não é tolerável, nem pela Grécia nem por nenhum outro país civilizado.
É preciso pois falar das coisas como as coisas são: se ainda não chegamos a um acordo com nossos parceiros, não é por causa de nossa intransigência ou de posições incompreensíveis. A causa é, antes, a obsessão de alguns dos representantes das instituições, que insistem em soluções não razoáveis, mostrando-se indiferentes tanto ao resultado democrático das recentes eleições legislativas na Grécia como às posições de instituições europeias e internacionais que se dizem dispostas a demonstrar flexibilidade para respeitar o veredicto das urnas.
Por que aquela obsessão? Explicação fácil seria dizer que ela resulta da intenção de alguns representantes das instituições, interessados em encobrir o fracasso de seus programas e em conseguir, a qualquer preço, uma validação para eles. Não se pode além do mais esquecer que o FMI reconheceu publicamente, há alguns anos, que se enganou sobre os efeitos devastadores dos cortes de orçamento que foram impostos à Grécia.
Entendo que essa abordagem não basta para explicar tudo. Não creio que o futuro da Europa possa depender dessa obsessão de alguns atores.
As duas estratégias opostas da Europa
Concluo afinal que a questão grega não diz respeito exclusivamente à Grécia, mas encontra-se no centro de um conflito entre duas estratégias opostas sobre o futuro da integração europeia.
A primeira delas visa a aprofundar a integração europeia num contexto de igualdade e de solidariedade entre povos e cidadãos. Os que defendem essa estratégia partem do fato de que é inadmissível forçar o novo governo grego a aplicar as mesmas políticas dos gabinetes que deixam o governo e que, além do mais, fracassaram totalmente. É isso, ou teríamos de criar leis que suprimissem as eleições em todos os países submetidos a programa de austeridade.
Seríamos assim obrigados a aceitar que os primeiros-ministros e governos fossem impostos aos diferentes países pelas instituições europeias e internacionais, e que os cidadãos seriam privados do direito que hoje têm ao voto, até a ‘conclusão’ de cada programa de austeridade. Eles são conscientes de que isso equivaleria a abolir a democracia na Europa, e ao início de uma ruptura inadmissível no seio da União Europeia. Enfim, tudo resultaria no surgimento de um monstro tecnocrático e no afastamento, da Europa, dos seus valores fundadores.
A segunda estratégia conduz à ruptura e à divisão da zona euro, e, com isso, da União Europeia. O primeiro passo nessa direção seria a formação de uma zona euro de duas velocidades, cujo núcleo central imporia as mais duras regras de austeridade e de ajustamento. Esse núcleo central imporia também um superministro de Finanças para a zona euro, que teria poder descomunal, com o direito de recusar orçamentos nacionais, mesmo de estados soberanos, que não estivessem conforme as doutrinas do neoliberalismo extremo.
Para todos os países que se recusassem a abrir mão desse poder, a solução seria simples e a punição, severa: aplicação obrigatória da austeridade e, mais que isso, de restrições aos movimentos de capitais, sanções disciplinares, multas e até a criação de uma moeda paralela ao euro.
É assim que o novo poder europeu procura construir-se. A Grécia é sua primeira vítima. Já é até apresentada como o mau exemplo que outros estados e povos europeus desobedientes não devem copiar.
Mas o problema fundamental é que essa segunda estratégia implica grandes riscos, que os que os que a apoiam parecem não levar em conta. Essa segunda estratégia corre o risco de ser o começo do fim, pois converte a zona euro, de união monetária, em simples zona de taxa de câmbio. Mas, mais do que isso, inicia um processo de incerteza política e econômica que poderia abalar o equilíbrio em todo o mundo ocidental, de cima abaixo.
Hoje, a Europa está numa encruzilhada. Depois das maiores concessões do governo grego, a decisão não está mais em mãos das instituições da troika – as quais, com exceção da Comissão Europeia, não têm representantes eleitos nem têm de prestar contas ao povo –, mas está em mãos dos governantes europeus.
Que estratégia predominará? A Europa da solidariedade, igualdade e democracia, ou a Europa da ruptura e, essencialmente, da divisão?
Se há quem pense, ou queira nos fazer crer, que essa questão diz respeito exclusivamente à Grécia, estão gravemente errados. É o caso de recomendar-lhes o grande trabalho de Ernest Hemingway, Por Quem os Sinos Dobram (ou, então “Por quem os sinos dobram” de Raul Seixas –vídeo no pé da página [NTs]).
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Stathis Kouvelakis: Syriza preso na “gaiola de ferro” [1]?
Stathis Kouvelakis

Ler também:
27/2/2015, Stathis Kouvelakis, redecastorphoto: Grécia: Fase Um (Entrevista)
4/3/2015, Stathis Kouvelakis, redecastorphotoGrécia: resposta aos sofistas
28/4/2015, Stathis Kouvelakis, redecastorphotoGrécia: O Nó Aperta
  
A coluna acima de Alexis Tsipras é importante em vários sentidos. Mostra mudança qualitativa na situação grega, e por muitas diferentes razões.
Antes de qualquer coisa, pela primeira vez Tsipras nos oferece (inclusive aos leitores gregos) uma lista das concessões que o governo grego fez durante as negociações com as instituições, como a troika passou a ser chamada.
E é lista impressionante: acordo sobre superávits orçamentários; abandono efetivo da demanda de cancelarem-se todas as dívidas (que não é sequer mencionado na coluna acima); aumento no Imposto sobre Valor Agregado; adiamento do aumento no salário mínimo e restauração da negociação coletiva de salários para futuro vago, e só se a Organização Internacional do Trabalho aprovar; implementação de reformas para reduzir aposentadorias e reconhecimento de impostos existentes sobre a propriedade, os mesmos que o Syriza declaradamente se comprometeu a abolir.
E a isso se deve acrescentar mais um ponto essencial: como a versão em grego do texto de Tsipras, o “fortalecimento dos corpos públicos independentes” não diz respeito só à agência ELSTAT de estatísticas, mas, e mais importante, também ao secretariado de rendas públicas.
Com isso o próprio aparelho econômico do estado é “libertado” de qualquer controle pelos governos eleitos: na realidade, trabalhará sob supervisão direta das instituições da União Europeia. Mantendo Katerina Savaidou na posição estratégica que ocupa, para a qual foi indicada nas últimas semanas do governo anterior, e que já foi sinal de que o governo estava aceitando manter esse corpo estratégico fora de seu corpo de controle executivo.
Sejamos claros. Em primeiro lutar, essas concessões, que Alexis Tsipras reconheceu aqui pela primeira vez, jamais antes foram discutidas publicamente em nenhum nível, nem no Partido, nem no Parlamento, nem, sequer, dentro do governo, no sentido de debate coletivo comunicado à cidadania. São medidas simplesmente anunciadas, depois de acertadas ao longo de negociações absolutamente opacas com a União Europeia.
Em segundo lugar, nesse texto Alexis Tsipras não fala de tema ao qual se referiu várias vezes em outras ocasiões, inclusive em sua muito comentada entrevista a Der Spiegel, a saber, o fato de que desde fevereiro o Banco Central Europeu está usando a liquidez como meio para chantagear a Grécia .
Menciona só a suspensão dos pagamentos de empréstimos, que forçou o governo grego a reembolsar seus credores usando exclusivamente recursos próprios – processo que levou à situação atual, que continua a drenar os cofres. Com isso, nega a ele mesmo o principal argumento que lhe poderia permitir mostrar o que a União Europeia está realmente fazendo – mas argumento que, ao mesmo tempo, o forçaria a admitir o enfraquecimento de sua posição e o caráter danoso do acordo de 20/2/2015 que ele continua a defender.
Em terceiro lugar, é claro que, seja a questão posta como for, o quadro que Tsipras propõe aqui é de uma austeridade suavizada, não, de modo algum , de ruptura com a austeridade. Todo o edifício dos memorandos está aí de volta, apenas que algumas rebarbas foram aparadas. Dito de outro modo, resta bem pouco do Programa Thessaloniki, que foi, não esqueçamos, apresentado como “programa de emergência” a ser aplicado imediatamente e independentemente do resultado das negociações.
Ainda pior, as quatro linhas vermelhas que o próprio Alexis Tsipras fixou, ele mesmo, dia 16 de abril, em declaração portentosa à agência Reuters (sobre aposentadorias, Imposto sobre Valor Agregado, privatização e negociação coletiva) também foram, todas elas, atropeladas de um ou de outro modo.
Assim sendo, muitos se perguntarão onde estará o limite imposto e por que Alexis Tsipras procura dramatizar as coisas, como na sentença final (“por quem os sinos dobram”) e como outras passagem parecem sugerir. A razão muito simples para tudo isso é que a troika não está satisfeita com continuar com a austeridade existente e com o que o Memorando demarca.
A troika quer apertar as atuais condições, impondo imediatamente outros cortes nas aposentadorias e aumentando a desregulação do mercado de trabalho, e, isso, exclusivamente para desmoralizar o governo do Syriza. E Tsipras devolve a bola para a quadra deles, dizendo:
Quem quer o rompimento são vocês, não eu. Vejam aí: estou pronto a administrar a austeridade e a adiar sine die o programa que fui eleito para implementar, mas vocês pedem mais que isso, e que eu vá além, até, do que você exigiram de Samaras.
Na sequência, ele brande o espectro da “divisão da Europa” e exige que aqueles “valores” sejam respeitados, como se o enterro das promessas do Syriza, nem cinco meses completos depois de eleito, fosse sacrifício aceitável para preservar a tal “unidade” da Europa; como se aceitar o “acordo” que ele propõe representasse um passo na direção da “solidariedade, igualdade e democracia europeias” que ele evoca (é só fraseado oco, mas só muito raramente soou tão sinistro).
Sem brincar de profetizar ou tentar prever a que tudo isso nos levará, anotemos simplesmente o atual estado de coisas:
● O governo grego entrou numa verdadeira espiral de retrocessos, onde uma concessão leva a outra, e não há motivo para pensar que isso vá parar.
● Tudo isso era inteiramente previsível, porque a maioria da liderança do Syriza não preparou nem adotou linha de confrontação como proposta desde o início da crise nas numerosas intervenções da Plataforma de Esquerda e, mais amplamente, de toda a esquerda do Syriza.
● Claramente, depois disso tudo, continuar a falar de alguma ruptura com a austeridade e com as políticas neoliberais dentro do atual quadro europeu é ou irresponsabilidade ou tentativa deliberada de enganar as pessoas.
Há uma alternativa.
Outra via é possível, que poderia poupar, à mais promissora experiência da Esquerda em décadas, o desastre que, agora, parece já à vista e próximo. Os principais elementos dessa alternativa foram expostos no mais recente documento da Plataforma de Esquerda, que obteve 44% dos votos na última reunião do Comitê Central do Syriza.
O governo deve empreender um contra-ataque, com plano alternativo, que é baseado nas promessas pré-eleitorais do Syriza e nos programas anunciados pelo partido, plano a ser estruturado acompanhando o seguinte conjunto de medidas, a ser implementado imediatamente:
● Nacionalização dos bancos com todas as necessárias medidas para garantir a função dos bancos nacionalizados, por critérios transparentes, produtivos, de desenvolvimento e sociais.
● Fim imediato de qualquer grade de proteção que favoreça a oligarquia grega mergulhada em escândalos.
● Taxação substancial da riqueza e das grandes propriedades, bem como taxação dos maiores acumuladores e dos altos lucros de corporações.
● Imediata e total reintrodução, além de proteção e implementação prática da legislação trabalhista e dos direitos de organização sindical.
O governo tem de responder com decisão à propaganda dos círculos de poder que aterrorizam o povo com o cenário de total desastre, que a suspensão do serviço da dívida e uma eventual saída da eurozona atrairiam sobre o país.
A prioridade dos próximos dias tem de ser não fazer o pagamento da próxima parcela do FMI, devida dia 5/6/2015.
O maior desastre que surge no horizonte da Grécia seria a imposição de algum novo memorando, que significaria o fim de qualquer esperança de alternativa à terapia de neoliberal de choque. Esse é desenvolvimento que tem de ser evitado, como costumava dizer Malcom X, por todos os meios e sacrifícios necessários.
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[*] Stathis Kouvelakis ensina Teoria Política no King’s College London e é membro do Comitê Central da Syriza. Obteve Mestrado e Doutorado em Filosofia pela Universidade de Paris 10 e Doutorado em Filosofia Política pela Universidade de Paris 8. Foi professor na Universidade de Paris 8 e bolsista de investigação na Universidade de Wolverhampton, antes de começar a lecionar no King’s College em setembro de 2003 onde está até hoje.
Seus principais interesses de pesquisa estão nos estudos sobre Marx, Filosofia alemã e Teoria crítica recente. Sua pesquisa tem-se centrado na formação do pensamento político de Marx, a trajetória dos Jovens Hegelianos e na crítica ao liberalismo político. Também pesquisa a Política Francesa Contemporânea e sobre a história dos protestos sociais na França. Kouvelakis está atualmente trabalhando em dois livros, o primeiro sobre a política atual, discutindo as noções de temporalidade e decisão no pensamento político contemporâneo, o segundo sobre o estado atual da Teoria Marxista. Seu projeto de longo prazo inclui um estudo da formação da Teoria de Marx no contexto (político, intelectual e cultural) das Revoluções Europeias de 1848 e suas consequências. É membro do conselho editorial das revistas francesas Contretemps e La Pensée, do Groupe d'Etudes Sartriennes e da série de livros sobre Materialismo Histórico em Brill Academic Publishers (Leiden, Holanda).
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[*] Aléxis Tsípras (em grego Αλέξης Τσίπρας) (Atenas, 28/7/1974), é um político grego, Primeiro-ministro de seu país desde 26/1/2015. É presidente do partido de esquerda Synaspismos (SYN) e o líder da Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA).
Tsípras possui um diploma em engenharia civil e pós-graduação em agrimensura e planeamento. Trabalhou como engenheiro civil no setor de construções e é autor de vários estudos e projetos sobre temas da cidade de Atenas
Com a vitória do SYRIZA ganhou as eleições legislativas da Grécia Tsípras, foi nomeado Primeiro-Ministro, formando um governo de coligação com os partidos SYRIZA e Gregos Independentes.
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Notas dos tradutores
[1] “Gaiola de Ferro” ou “Jaula de ferro” e também “Jaula de Aço”, conforme a tradução, é conceito de Max Weber. Sobre isso, em português, ver LÖWY, Michael, 2014, A jaula de aço. Max Weber e o marxismo weberiano, São Paulo: Boitempo Editora.
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