Traduzido por mberublue
Relatos da grande mídia dão conta que a Arábia
Saudita enviará uma delegação até Moscou com o objetivo de, mais uma vez,
tentar atrair a Rússia a desistir de seus interesses no Oriente Médio e
alinhar-se ao lado de Riad e seus subscritores em Washington.
Vladimir Putin e Abdulrahman Al-Rassi, embaixador Arábia Saudita na Rússia fazem um brinde em Moscou (19/6/2015) |
No entanto, oscilando no passado entre ameaças vazias e acordos econômicos mirabolantes os sauditas conseguiram até agora apenas uma coisa em sua série de manobras diplomáticas: dar demonstração de uma imensa fraqueza e desesperação antes de sua próxima visita.
De fato, se existe no planeta uma nação que precisa muito da ajuda russa, esta pode ser a Arábia Saudita. Por outro lado, no entanto, se existe uma nação com a qual a Rússia não desejaria jamais entabular negociações, esta também pode ser a Arábia Saudita. Um estado cliente (vassalo - NT) primeiro do Império Britânico e depois do império dos Estados Unidos, que sempre se permitiu ser facilmente usado como intermediário em cada vez mais crescente e perigosa Guerra por procuração (ing. proxy war) envolvendo Síria, Iraque, Irã, Iêmen e até certo ponto, Líbano, Egito e até mesmo a Líbia.
Mesmo levando em consideração que o staff do Departamento de Estado dos EUA tenha explicado minuciosamente que jamais permitirá que nada de ruim aconteça com a sua autocracia regional favorita, a guerra lançada por Riad, por ordem de Washington, contra o Iêmen lentamente transborda através das fronteiras sauditas e as armas e os guerreiros remanescentes destas batalhas podem ainda conectar-se e aproveitar as antigas tensões latentes no leste da Arábia Saudita.
Ao norte, a Arábia Saudita tem contribuído ativamente na destruição do Iraque e da Síria, para não falar do continente africano, onde os sauditas desempenharam papel decisivo na desestabilização tanto do Egito quanto da Líbia, neste caso em ainda maior medida. Caso as coisas mudem em qualquer destes teatros da atuação maléfica da Arábia Saudita, a tentação das vítimas em retribuir espalhando o caos pela península arábica será muito, muito forte.
Se afirmarmos que a Arábia Saudita é um país que necessita urgentemente de amigos, estaríamos usando de eufemismos, e Riad começa a perceber com certa facilidade que Washington vê a sua “autocracia favorita” do mesmo modo que vê qualquer um de seus países/clientes. Como perfeitamente dispensável. No entanto, a desfiguração – tanto sociopolítica, econômica e geopoliticamente – do país que foi permitida por seus governantes o tornou quase irrelevante no desempenho no papel de coordenador regional para Londres e Washington e colocando-se numa posição onde não vêem alternativas.
O “acordo”
A Arábia Saudita empregou o melhor de seus esforços na destruição de seus vizinhos no Oriente Médio e Norte da África (original: Middle East and North Africa – MENA – NT), mas também desempenha papel importante na aplicação de pressão sobre países que não fazem parte da região, mas que têm significante influência em todo o Oriente Médio. Isso inclui a Rússia. Na realidade, o papel desestabilizador e destruidor da Arábia Saudita na região do MENA faz parte de um esforço geopolítico de maior escala, destinado, em princípio, a prejudicar a Rússia, entre outros países.
Os sauditas têm, ao mesmo tempo, no passado, feito promessas de riqueza e/ou ameaçado Moscou abertamente com terrorismo, na intenção de pressionar a Rússia para que abandone seus aliados em Damasco, Bagdá e Teerã.
Isso foi relatado em agosto de 2013 pelo The London Telegraph em seu artigo intitulado “Sauditas oferecem à Rússia um acordo secreto de energia se a Rússia desistir da Síria”, que seja:
A Arábia Saudita ofereceu secretamente para a Rússia um acordo completo para controlar o mercado mundial de petróleo, resguardando os contratos russos para comércio de gás, se o Kremlin deixar o regime de Assad entregue à própria sorte.
Porém, o relato informa ainda que, dentro da oferta, havia uma ameaça implícita:
O príncipe saudita Bandar comprometeu-se com a manutenção incólume da base naval russa na Síria caso o regime de Assad fosse derrubado, mas também deixou implícito nas entrelinhas a possibilidade de ataques de terroristas chechenos quando da realização dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, caso não houvesse acordo. “Posso garantir para você a proteção dos Jogos de Inverno do próximo ano. Os grupos chechenos de terroristas que ameaçam a segurança dos jogos são controlados por nós”, teria afirmado o príncipe saudita.
Incrivelmente, o príncipe Bandar acabou por dizer que os chechenos que operam na Síria não passam de um instrumento de pressão que pode ser dispensado a qualquer momento. “Não tememos estes grupos. Nós os usamos em face do regime sírio, mas eles não terão qualquer papel no futuro político da Síria.
Tais declarações fazem entender perfeitamente porque a Arábia Saudita, por boas razões, é carente de aliados confiáveis. A arrogância com a qual Bandar se jactou da criação e controle pelos sauditas de uma das mais cruéis organizações terroristas na face da Terra vem confirmar os relatos já existentes não só na mídia institucional como na imprensa alternativa. Também confirma que enquanto Londres, Washington e Bruxelas desonestamente esfregam as mãos ao falar sobre a “ameaça islâmica”, estão ombro a ombro com a nação que é, na verdade, responsável pela única ameaça real.
Porque Putin pode recusar
O renascimento da Rússia como potência global não é sustentada pelo petróleo da Arábia Saudita ou pelo fracasso do terrorismo na região do Cáucaso, mas, em vez disso, no crescimento de seu relacionamento com os demais membros do grupo BRICS, assim como com outras nações em todo o mundo em desenvolvimento que rapidamente ganham terreno ante o poder global tradicional em declínio.
BRICS - Reunião em Fortaleza, CE em julho de 2014 |
Brasil, China, Índia e África do Sul, todos por sua vez receberam a mesma pressão sofrida pela Rússia, seja exercida por Washington ou por Londres, embora essa pressão não tenha a magnitude da pressão sofrida pela Rússia. Suas populações e economias combinadas proporcionam, em conjunto, um Mercado para o qual a Rússia está gradualmente fazendo uma transição, para escapar da extorsão imposta a qualquer país que se disponha a entabular acordos comerciais com o ocidente. Da mesma forma, outras nações pelo mundo em desenvolvimento já estão se tornando cientes dessa já visível mudança no pêndulo do poder global e buscam por sua vez, meios de escapar e aplacar os interesses estrangeiros que podem destruir qualquer país como já aconteceu com o Iraque, a Síria e a Líbia.
Além do mais, apesar das pressões impostas pelo ocidente e do preço do petróleo artificialmente derrubado pela Arábia Saudita, e enquanto tenta incrementar uma política de auto sustentação, a Rússia continua com a mão estendida para as nações europeias, na esperança de trabalhar na reformulação de acordos para implantação de gasodutos, objetos de prejuízos intencionalmente criados e visando prejudicar a Rússia. Nesta missão, os russos tem tido relativo sucesso.
Ironicamente, a União Europeia tem sofrido muito com as sanções impostas contra a Rússia, e muitas nações do grupo já tentam trabalhar junto com a Rússia sub-repticiamente, para bordejar as sanções, no objetivo de voltar a ter os benefícios confiscados alegremente por Bruxelas, que com nada se importa, a não ser com a própria agenda.
Na realidade, o presidente Putin pode tranquilamente dizer “não!” para a Arábia Saudita e seus acordos, especificamente porque, de fato, não é a Rússia quem precisa da Arábia Saudita, e sim o contrário. O papel desempenhado pela Arábia Saudita como procurador de Washington no Oriente Médio como meio de impulsionar sua importância no palco do teatro global, acabou por levar o país para a beira de um abismo. Neste abismo, os Estados Unidos inevitavelmente cairão, mas não sem antes empurrar para as profundezas todos os seus “procuradores”.
Analisando estas inegáveis realidades, talvez tenha chegado o tempo em que a próxima delegação de Riad para Moscou deixe de lado as ameaças vazias e promessas igualmente inúteis e conversar sobre um caminho verdadeiro para o futuro. É o futuro de Riad, e não o de Moscou que depende disso.
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Nota do tradutor
[1] O autor faz referência a um diálogo presente no filme “O Poderoso Chefão”, onde o personagem Don Corleone, afirma que fará ao seu adversário, ou àqueles com quem esteja negociando “uma oferta que ele não poderá recusar” – A afirmação, além de uma oferta contém, nas entrelinhas, uma ameaça. Trecho com a cena do filme, a seguir:
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