terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O povo da Tunísia decidiu acabar com Ben Ali

Os meios de comunicação estrangeiros falseiam a visão dos acontecimentos. Dão a entender que a Tunísia vive um movimento social como se as causas principais fossem o desemprego ou o preço dos alimentos básicos.

Traduzido por Margarida Ferreira para ODiario.info

Quando eles denunciam a ditadura, têm tendência para desculpá-la. Acima de tudo, escondem as razões por que o governo francês apoia o regime criminoso de Ben Ali: alegam que é principalmente por causa da participação de Ben Ali na luta contra os islamitas.

Mentira nº 1 dos meios de comunicação: “Trata-se apenas de um movimento social, não é um levantamento”

De há duas semanas a esta parte intensificou-se a repressão na Tunísia. Tiros de balas reais das forças policiais juntaram-se às detenções em massa e às ameaças de perseguições. Sabe-se que há mortos desde 9 de Janeiro. Mas o balanço é difícil e os hospitais proíbem as filmagens. Os meios de comunicação locais estão amordaçados, mas as informações espalham-se na Internet como um rasto de poeira. Entre os mortos, há crianças, mulheres e pessoas idosas. Uns morrem sufocados com os cartuchos de gás lacrimogêneo fora de prazo que são utilizados. Os vídeos na Internet mostram que as vítimas foram quase todas atingidas no peito ou na cabeça. Tiros de precisão para matar.

Kasserine (a sudoeste do país) foi particularmente atingida. Sábado à noite, os polícias de Ben Ali dispararam sobre o cortejo fúnebre de um manifestante que tinham morto na véspera. Foram colocados atiradores em sítios altos. Houve pelo menos 50 mortos ali e os confrontos continuam. Polícias à paisana pilharam os estabelecimentos comerciais e as casas. E na segunda-feira foi possível ouvir na Radio Kalima que as forças especiais de Ben Ali arrombaram as portas das casas e violaram as raparigas que encontraram.

A ira chegou a uma situação sem retorno. Toda a gente aderiu ao combate: médicos e advogados lutam ao lado dos mais pobres pelo seu país. Na segunda-feira à noite Ben Ali faz uma declaração, prometendo 300 000 empregos. Como se essa mentira pudesse acalmar os ânimos. “Estamos nas tintas para o desemprego, queremos que Ben Ali seja preso” declaram em coro os tunisianos.

Os subúrbios de Tunis revoltam-se na quarta-feira. Ben Ali manda o exército intervir, mas este se volta contra ele em várias cidades, protegendo os cidadãos pacíficos dos tiros da polícia e das detenções. Na quarta-feira à noite é decretado o recolher obrigatório em Tunis e seus subúrbios, das 20 horas às 5h30 da manhã. Uma hora antes, o jovem Magid é assassinado em Ettadhamen no subúrbio oeste de Tunis com um tiro de um polícia, quando regressava a casa. Contrariamente ao que nos descrevem os jornalistas do France 24, abrigados no centro, os corajosos habitantes das cidades de Ettadhamen e de Intilaka lutaram toda a noite apesar do recolher obrigatório e dos tiros da polícia. Os confrontos continuam, os jovens cantam: “Não temos medo de vocês”. O exército retira-se da cidade, por ordem de Ben Ali, para deixar que as forças especiais continuem o massacre.

Imolação de manifestante
Não se trata de um simples movimento social, é uma revolução que está em marcha. Um levantamento cuja faísca foi o suicídio por imolação, no dia 17 de Dezembro em Sidibouzid, de um jovem de 28 anos, mas cujas raízes são mais profundas.

A luta organiza-se na Internet e na rua, começa no sul onde as populações são mais pobres, mas estende-se a todo o país. Na quinta-feira passada, depois de Tunis e dos seus subúrbios, as cidades de Tabarka e Jendouba no noroeste juntam-se por seu turno à luta.

Ben Ali alega ter sido enganado por gente corrupta. Imediatamente, na quarta-feira, a ONU que receia que ele perca o seu trono, recomenda-lhe que instale uma comissão de inquérito independente. Mas os tunisianos não são parvos: sabem muito bem que os corruptos são os que dirigem o seu país. Pelo seu lado, os Estados Unidos tentam também chamar à razão o tirano que perde o controle do país e só agrava a situação com a repressão.

Pouco depois, o primeiro-ministro tunisiano anuncia a exoneração do ministro do interior, Rafik Belhaj Kacem, e a libertação de todas as pessoas detidas durante o “levante social”. Na mesma altura, Hamma Hammami, um opositor político que já conheceu a clandestinidade, a prisão, o exílio e a tortura, na sua qualidade de porta-voz do PCOT (partido comunista tunisiano, oficialmente proibido) é raptado do seu domicílio pelas forças especiais. A família muito inquieta receia pela sua vida.

Quinta-feira, o presidente autoproclamado, Zin El Abidiin Ben Ali, anuncia que não tem a intenção de exercer um novo mandato e promete a liberdade total da informação e da internet: “Nada de presidência vitalícia e recuso-me a mexer no limite de idade fixado pela Constituição”. “Basta de tiros com balas reais”, “Já vos compreendi”. São estas as palavras do ditador assassino agonizante que alega ter sido enganado. Nenhuma palavra sobre o recolher obrigatório instaurado desde a véspera.

Depois da declaração, ouvem-se alguns gritos de regozijo na rua, mas rapidamente são criticados por uma grande parte dos resistentes e pela totalidade dos ciber-ativistas.

Para Tarak Mekki, opositor político de Ben Ali e humorista, estas manifestações de regozijo são uma encenação: “Antes da declaração estacionaram uns carros diante da sede do partido em Sfax. Julgamos que iam quebrar tudo, mas eis que se põem a festejar, buzinando e foi o mesmo cenário que aconteceu em Tunis e em Kérouan, só que em Kérouan as pessoas foram espancadas e em Kasserine as manifestações continuaram”.

Um pouco mais tarde, confirma-se a mentira: a polícia continua a atirar e enumeram-se mais mortos. Em Zarzouna, os resistentes clamam vingança depois de um tiro mortal que atingiu uma rapariga pacífica cujo único crime tinha sido ter protestado contra o regime. Em represália foi queimado um posto da polícia. Em Monastir, foi a sede do RCD que foi queimada, assim como propriedades do clã Ben Ali.

A repressão ainda subiu um furo na quinta-feira: Ben Ali tenta que a população do sul do país passe fome, restringindo o abastecimento de produtos básicos (farinha, açúcar, leite…). Sabe-se que as cidades de Kérouan, Gafsa e Sidi-bouzid estão numa situação de penúria.

Mas os motins assumem uma amplitude cada vez maior e começa-se a pensar que, se Ben Ali não for preso rapidamente, a violência popular será inevitável. Mais tarde, nesse mesmo dia, difundem-se os slogans nas ruas de Tunis, repetidos por toda a gente: “Ben Ali, rua! Já, já!”

Esta quinta-feira de manhã, às 11 horas, os tunisianos afluíram de todo o país para uma grande manifestação de vários milhares de pessoas no centro de Tunis. Todos reafirmaram a sua vontade inabalável de prender Ben Ali e o seu clã mafioso: a revolta não se acalmará antes disso. Diante do ministério do Interior, a polícia ainda disparou sobre a população. Em represália, os jovens organizam-se e querem queimar o ministério, mas o tiroteio impede-os.

O que a ONU, a França ou Ben Ali não compreendem, é que os tunisianos já não acreditam nas suas mentiras. O que eles não vêem é que só há uma solução viável para a calma: a fuga ou a rendição aos militares de Ben Ali e do seu clã. Atualmente, já não há qualquer dúvida: os tunisianos decidiram acabar com Ben Ali

Mentira nº 2 dos meios de comunicação: “Ben Ali permitiu a emancipação da mulher e a educação do povo”.

A Tunísia é um pequeno país de cerca de 10 milhões de habitantes com uma população jovem e muito culta (metade da população tem menos de 25 anos e o número de diplomados universitários ultrapassa o da Argélia e Marrocos no seu conjunto). A sua economia baseia-se principalmente em sociedades de serviços (43,2 % do PIB em 2007), em produtos de baixo valor acrescentado (azeite, cereais) e na exportação de fosfatos (segundo exportador mundial). Mas o desenvolvimento econômico é muito desigual: centrado principalmente em Tell a oeste (região das colinas) com os fosfatos e no litoral com as indústrias e o turismo. O que deixa as regiões do sul e do norte com uma pobreza muito acentuada.

Foi depois da independência, em 1957, sob a presidência de Bourguiba, que a Tunísia conheceu um período social e progressista. A colonização francesa durara 75 anos, centrara-se principalmente na agricultura através da espoliação das terras e num comércio lucrativo graças aos portos de Tunis e de Sfax e na exploração dos tunisianos. Deixou um país pouco industrializado com um grande desemprego.

Na altura da libertação, a Tunísia nacionaliza o que lhe tinha sido roubado e desfruta então de uma economia social gerida a 80% pelo Estado, o que provoca um forte crescimento. A mulher tunisiana recebe o direito de voto, a poligamia é proibida e o aborto é legalizado dez anos antes da França. Como cereja no topo do bolo, a maior parte do orçamento é reservada para a educação (até aos 30%).

Mas o Banco Mundial, que está ao serviço das multinacionais, imiscui-se nos assuntos tunisianos. Apoiado pela grande burguesia de Tunis começa a oferecer a sua “ajuda” à Tunísia, ou seja, empréstimos caros, que lhe permitirão fazer pressão sobre o governo para travar a estatização da economia. Esta tinha sido iniciada por Ben Salah, secretário de Estado para o Plano e Finanças. O BM esforça-se também por recuperar tanto quanto possível os fosfatos tunisianos. No final dos anos 60, é um dos principais credores da Tunísia e provoca a exoneração de Ben Salah. A Tunísia começa então uma política muito mais liberal chefiada por Hédi Nouira, ex-governador do Banco Central.

No entanto, este liberalismo não desenvolve o país: entrega-o de mão beijada aos estrangeiros e a indústria tunisiana enriquece a Europa. A taxa de desemprego duplica, a taxa de escolarização baixa e as desigualdades agravam-se.

Corrupção 
Em 1978, a UGTT (União Geral dos Trabalhadores Tunisianos - este sindicato é a principal força da oposição da época e ainda hoje existe) lança um apelo à greve geral. Nessa altura, é um tal Zine El Abidine Ben Ali que está à frente da Segurança nacional (os serviços de informações tunisianos). Manda disparar sobre a multidão: nessa “quinta-feira negra” haverá 200 mortos e mais de uma centena de feridos. Em 1983, Bourguiba duplica o preço do pão e da sêmola. Estalam então “os motins do pão”, novamente reprimidos com ferocidade. Mas o povo não abandona a luta e consegue a anulação do aumento dos preços.

Todas estas repressões vão favorecer a ascensão de Ben Ali ao poder: as burguesias de Sahel e de Tunis querem um homem capaz de fazer frente aos movimentos populares, esmagando simultaneamente os gaullistes e os islamitas.

É em 1987 que Ben Ali, na altura ministro do Interior, obriga pessoalmente sete médicos a assinar um relatório em que se declara que Bourguiba está senil. Esse “golpe médico de Estado” faz de Ben Ali o segundo presidente da Tunísia (o artigo 57º da Constituição tunisiana estipula que é o primeiro-ministro que sucede no caso de impedimento). Inicia então a sua política repressiva e ultraliberal.

Mentira nº 3 dos meios de comunicação: “Estas revoltas são causadas, sobretudo pela forte taxa de desemprego e pelo custo demasiado elevado dos produtos básicos”

O desemprego é muito elevado, incluindo entre os jovens diplomados, mas é um problema secundário que decorre das causas profundas da ira: a corrupção generalizada, a repressão, a censura e a venda do país aos amigos do ditador.

O WikiLeaks fez revelações em Dezembro, através de um telegrama de Robert F. Gode, antigo embaixador americano em Tunis: “Metade do mundo dos negócios na Tunísia pode gabar-se duma ligação a Ben Ali pelo casamento, e um grande número dessas relações terá tirado grande proveito desse parentesco”.

Como refere o relatório, os tunisianos conhecem estas informações há muito tempo.

Quase todos os sectores econômicos estão gangrenados por três famílias principais ligadas por casamentos, a que se chama o clã Ben Ali: os Ben Ali, os Mabrouk (uma rica família burguesa tunisiana em que um dos filhos é atualmente casado com a filha do ditador) e os Trabelsi (liderado por Belhassen Trabelsi, o irmão mais velho de Leila, mulher de Ben Ali).

A família Mabrouk controla o BIAT, o Banco Internacional Árabe da Tunísia, o STAFIM PEUGEOT (automóveis) e o CHAMS FM (rádio que pertence à filha do presidente e mulher de Mabrouk). E reparte com os franceses os benefícios das licenças Géant e Monoprix.

A família Trabelsi possui o Banco da Tunísia, a licença FORD, a CTN (Companhia Tunisiana de Navegação). Duas rádios: RADIO MOSAIC FM e EXPRESS FM e uma cadeia de televisão privada TV CARTHAGE (Belhassen Trabelsi e Sami Fehri), a BRICORAMA, os Cimentos Cartago, IE THON TUNISIEN.

A família Ben Ali possui os bancos Zitouna e Mediobanca (Sakhr el Matri, genros de Ben Ali) e a Société MAS de gestão dos serviços do aeroporto de Tunis. (Slim Zarrouk, genro). Do lado dos meios de comunicação, possui a sociedade CACTUS, empresa de produção áudio-visual que se apropriou de 60% das receitas da cadeia nacional, assim como duas rádios: ZITOUNA FM e JAWHARA FM (Néji Mhiri, amigo pessoal do ditador e administrador do Banco Central) e o Grupo Dar Assabah que publica os jornais Assabah e Le Temps (Sakhr Matri). A sociedade nacional Ennakl de transportes tunisianos e a Sociedade Le Moteur que possui as licenças Mercedes e Fiat. A companhia aérea Khartago Airlines assim como a Frip. Estas sociedades foram todas readquiridas ou oferecidas em condições duvidosas ou criminosas.

O Clã dedica-se igualmente a roubar as terras do povo e as suas riquezas culturais. A maior parte das operações imobiliárias do país está nas mãos do clã. Dezenas de hectares de terras agrícolas são distribuídas pela família. Sidi Bou Said e Cartago (cidades costeiras muito bonitas, ricas de história e de descobertas arqueológicas) sofreram uma verdadeira razia. Foram desclassificados terrenos e vendidos a preços altos.

A maior parte das operações imobiliárias do país está nas mãos da família. Ben Ali lhes distribui zonas inteiras, até mesmo várias dezenas de hectares de terras agrícolas. As propriedades públicas são requisitadas para a família, de acordo com os seus apetites.

Com a cumplicidade do Banco Central, transfere maciçamente fundos para o estrangeiro: O conjunto das transferências de dinheiro da família está calculado, no período 1987-2009, em cerca de 18 mil milhões de dólares, o equivalente à dívida tunisiana (segundo o site ativista nawaat.org).

Estalam escândalos em nível internacional:

- A questão do liceu Louis Pasteur:

O liceu francês Louis Pasteur, dirigido há 40 anos pelo casal Bouebdelli é reputado pelo seu ensino de muito alta qualidade e uma taxa de êxito muito elevada no bacharelato. Toda a burguesia envia para lá os seus filhos. Mas em 2007, Bouebdelli impede de ir a exame a filha do advogado de Leila Trabelsi. É convocado pouco depois ao ministério: dão-lhe ordens de inscrever a aluna sob pena de ver o liceu encerrado. O respeitável Mohamed Bouebdelli recusa-se a ceder às ameaças. Leila Trabelsi ordena o encerramento do liceu e arranja uma subvenção de 1 800 000 dinares para abrir o seu próprio estabelecimento de ensino no ano seguinte: o liceu internacional privado de Cartago.

Mohamed Bouebdelli desencadeia uma campanha para sensibilizar a opinião pública, escreve um livro que divulga gratuitamente ma Internet, contato a embaixada de França. Não serve para nada, a França mantém-se surda e ele não consegue impedir o encerramento do liceu.

- A questão do Iate roubado:

Em 2006, Imed e Moaz Trabelsi, sobrinhos de Ben Ali roubam o iate do rico homem de negócios francês Bruno Roger, amigo de Sarkozy. Empurrado pela mulher, Ben Ali é obrigado a intervir para evitar um incidente diplomático.

As malfeitorias das grandes famílias centram-se, sobretudo na economia, mas os Trabelsi também se dedicaram a tráficos mafiosos ao mais alto nível do Estado. Segundo o inquérito de Slim Bagga, Imed Trabelsi coloca-se acima das leis e abusa disso. Põe em marcha um tráfico de prostituição de menores, que ele considera uma mercadoria igual a qualquer outra, com a colaboração ao mais alto nível do Estado („As menores, de Slim Bagga: reserva de caça dos herdeiros Ben Ali e Trabelsi),

Será que a criação de empregos suplementares poderá acalmar a ira dos tunisianos?

Sarkozy e Ben Ali
Mentira nº 4 dos meios de comunicação: “A França defende Ben Ali porque ele luta contra o islamismo”

A repressão de Ben Ali no que se refere aos islamitas foi muito violenta, mas a principal razão do apoio francês são interesses econômicos consideráveis.

As relações privilegiadas da França com Ben Ali permitem-lhe ter sido o primeiro investidor estrangeiro na Tunísia em 2008 com um recorde de 280 milhões de euros em investimentos. Há 1 250 empresas francesas em atividade neste país, com um total de 106 000 empregados. Alguns interesses econômicos franceses são antigos. Outros, promissores, pertencem ao futuro.

- Deslocalização de proximidade

Três quartos das empresas francesas presentes fazem deslocalização de proximidade exportando indústria ou serviços para o mercado europeu. Nos sectores dos têxteis – vestuário, couro (500 empresas) - e sobretudo nas indústrias mecânicas, elétricas e eletrônicas – primeiro posto de exportação do país – com a Valeo, a Faurecia, a Sagem ou a EADS (através da sua filial Aerolia Tunisie). Os serviços não ficam atrás, com os "call centers" e as sociedades de serviços informáticos. Começam a aparecer gabinetes de estudos e de engenharia ao lado da centena de gabinetes de consultoria já instalados. Acrescentemos os „call centers (Téléperformance) ou os SSI (Infraestruturas de Sistemas de Servidores) de vocação exportadora.

Ao lado destes setores dedicados à exportação, os grandes nomes do CAC40, presentes na Tunísia, interessam-se diretamente pelo mercado tunisiano, ou mesmo argelino e líbio: Air Liquide, Danone, Renault, PSA, Sanofi Aventis, Total ou outros. Estas empresas implantam-se frequentemente em parcerias com grupos locais, mesmo que tenham apenas uma participação minoritária, como o Carrefour e o Géant Casino. Estas duas marcas tiveram o cuidado de formar parcerias no seio de famílias mafiosas (Mabrouk e Trabelsi) que se mantêm majoritárias.

As empresas francesas procuram contratos na energia e nos transportes. A central de gás que deve ver o dia entre Tunis e Bizerte (400 milhões de euros) interessa à Alstom e à General Electric France. Em Cap Bon, na extremidade nordeste do país, o vasto projeto ELMED que pretende ligar a Tunísia à Sicília suscita o interesse da GDF Suez e da EDF. Na ordem de 2 mil milhões de dólares (1,5 de euros), poderá vir a ser lançado em 2011 ou 2012. Os transportes são o outro sector promissor para os investidores. O projeto de rede ferroviária rápida (RFR) de Tunis, inspirado no RER parisiense, deve arrancar este ano. A Alstom e a Colas Rail são candidatas à sinalização e ao equipamento da via. O material rolante interessa à Bombardier France. O projeto RFR deve prosseguir durante cerca de dez anos, ou seja, significa um potencial de contratos de dois mil milhões de euros.

No turismo, encontramos: a Fram, a Accor, o Club Med. No sector bancário: BNP-Paribas, Société générale, Groupe Caisse d’épargne. Nos seguros, a Groupama detém 35% do capital da Sfar, a primeira seguradora tunisiana. As marcas Carrefour e Casino estão presentes com parcerias no seio da família mafiosa que se mantêm majoritárias (Mabrouk/Trabelsi). Nas telecomunicações, a Orange Tunisie arrebatou em 2009 a terceira licença de telefones móveis e a segunda de telefones fixos.

“As empresas que se dispuseram a deslocar-se para o país seguem com atenção os motins, mantendo-se calmas”, indica um observador francês, com base em Tunis. “Algumas casas mães experimentam o pulso da situação por causa das suas filiais”.

Mas não existe apenas a França. A União Europeia também deposita a sua confiança em Tunis e tenta elogiar o regime. Segundo um comunicado de Abril de 2009 da Comissão Europeia, “a Tunísia foi o primeiro país da região euro mediterrânea a assinar um acordo de associação com a União Europeia, que tem como objetivo estabelecer uma parceria política, econômica e social entre as duas partes”. O Banco Europeu de Investimentos interveio a partir de 1978. Atualmente, já se investiu um total de 2,75 mil milhões de euros, o que faz do BEI o primeiro credor de fundos da Tunísia.

A grande beneficiária do regime de Ben Ali é a Europa. Ele é o único dirigente árabe a promover o Tratado do Mediterrâneo, zona de mercado livre que deixará o Magreb à mercê dos capitais ocidentais. E nesta via perigosa, Bruxelas esfrega as mãos de contente: “A partir de 1 de Janeiro de 2008, foram abolidas todas as taxas para os produtos industriais, dois anos antes do prazo previsto”.

O Banco Mundial (com sede em Washington) está no mesmo comprimento de onda. O seu relatório Doing Business 2009, que mede a eficácia das reformas tomadas com vista a sanear o ambiente dos negócios, premia a Tunísia com um generoso sete em dez e coloca-a na 73ª posição entre 188 países passadas pelo crivo (muito à frente de Marrocos e da Argélia). De resto, em meados de Maio de 2009, o Banco Mundial meteu a mão na algibeira e concedeu um empréstimo de 250 milhões de dólares à Tunísia para desenvolver a sua competitividade.

Isto explica porque é que a ministra francesa dos Negócios Estrangeiros, Michel Alliot-Marie, declarou, na época em que o povo tunisiano era massacrado: [o governo francês] “não deve armar-se em dar lições perante uma situação complexa” e ofereceu “a experiência da polícia francesa à polícia tunisiana na gestão de questões de segurança”. Os jovens dos subúrbios e os manifestantes do movimento das reformas hão de agradecer.

É verdade que ela conhece bem o país visto que, tal como os seus colegas Hortefeux, Besson e Mitterrand, todos os verões passa belas férias nas luxuosas instalações turísticas, com a sua família, conforme revelou o Canard Enchaîné. Este ano, foi no Phenicia em Hammamet. A notícia não diz quem pagou a conta.

O seu colega da Agricultura, Bruno Le Maire, foi o primeiro membro do governo a explicar-se: “Não tenho que julgar o regime tunisiano. O presidente Ben Ali é uma pessoa que frequentemente é mal julgado, [mas] fez muitas coisas”. Quanto a Frédéric Mitterrand, depois de o ter elogiado durante tanto tempo, ainda se atreveu a declarar há pouco tempo que tratar o regime de Ben Ali como uma ditadura era “um exagero”!

Uma nova forma de revolta

A única forma do regime de Ben Ali conservar o poder foi organizar uma vigilância e uma censura do Estado institucionalizada com a cumplicidade da Justiça. Todas as vozes dissidentes são severamente reprimidas. Já em 2008 começam os levantamentos na região de Gafsa (minas de fosfato). A 6 de Julho de 2010, um tribunal de recurso tunisiano confirma a sentença de quatro anos de prisão efetiva pronunciada contra o jornalista Fahem Boukaddous por ter filmado as manifestações. Ainda hoje continua na prisão.

Prisão de Blogueiros
Mas, graças à Internet e às novas tecnologias, os tunisianos conseguem encontrar fontes de informação. Então, o governo apressa-se a bloquear todos os sites dissidentes e prende os blogueiros. É impossível aceder ao YouTube e ao Dailymotion, há páginas do Facebook bloqueadas. No entanto, esta repressão faz nascer na Tunísia uma geração de piratas informáticos que permitem contornar os bloqueios ou chegam mesmo a desbloquear endereços amordaçados pelo Estado!

As redes sociais desenvolvem-se espantosamente: em 2000, o primeiro ciber grupo de ativistas tunisianos Takriz ultrapassa o cabo de um milhão de visitantes singulares, número que continuará a aumentar com os crimes cada vez mais escandalosos dos Ben Ali. Este endereço conta hoje um milhão de visitantes por dia! Estes jovens piratas informáticos desempenham atualmente um papel determinante na luta, quando os tunisianos não estão no terreno, é aqui que se reúnem e trocam as últimas notícias que surgem a cada minuto que passa.

Na segunda-feira à tarde, piratas informáticos atacam os websites governamentais. Ficam bloqueados o acesso à bolsa de valores e o site do ministério dos Negócios Estrangeiros. O ataque é reivindicado por um grupo de piratas informáticos dissidentes: “Anônimos”. O endereço deles propõe-se navegar anonimamente na Internet, oferecendo acesso aos sites bloqueados pelo governo.

Neste momento, os tunisianos podem seguir em decreto no Takriz, minuto a minuto, os acontecimentos, tal como nós todos. Estes acontecimentos mostram-nos como as novas tecnologias podem representar uma esperança para a luta, para a verdade e para a Libertação.

É difícil prever a evolução dos acontecimentos, visto que este movimento não propõe nenhum candidato, nenhuma alternativa para além da vontade de lutar pela liberdade e pela justiça. Tendo em conta o passado dos tunisianos bem conscientes da censura, da manipulação mediática e das jogadas internacionais, podemos sonhar ver aparecer um governo progressista que poderá ter uma influência considerável no mundo árabe.

Apoiar o povo tunisiano

Em muitas grandes cidades da Europa e noutros locais organizaram-se manifestações para apoiar a Tunísia e o seu povo. Na quarta-feira passada, Marselha reuniu perto de mil manifestantes. Bruxelas manifestou-se sábado, 15 de Janeiro, às 14 horas, na Bolsa de Bruxelas para fazer o mesmo e impor aos nossos governos que reconheçam o regime despótico de Ben Ali como um regime criminoso. Para impor que deixem de ser cúmplices desse tirano e da sua desonesta família.

Com estas palavras de ordem: Solidariedade com o movimento social na Tunísia e na Argélia! Fim à repressão! Pelo direito ao Trabalho, à Dignidade, à Liberdade e à Democracia! Viva a Solidariedade Internacional! Viva a Solidariedade Magrebina!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.