quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Os “Documentos da PALESTINA” 3 [Palestina Papers]

Saeb Erakat (Fatah, Autoridade Palestina) & David Hale (EUA) em 17/9/2009, 9h
Al-Jazeera, Qatar, “Transparency Unit”[1]
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu

PARTICIPANTES:

Autoridade Palestina: Dr Saeb Erakat (SE), Issa Kassissieh, Rami Dajani

EUA: David Hale (DH), Daniel Rubenstein (DR), Dan Shapiro (DS), Mara Rudman (MR), Jonathan Schwartz

[SE, DH e DR encontraram-se antes. Depois chegaram IK e RD]

DH: O senador Mitchell se reunirá conosco amanhã, às 9h45.

Saeb Erakat (SE): Do ponto de vista de Israel, é o que Netanyahu (BN) disse no Parlamento: 2.500 unidades de moradia estão sendo construídas – atenção: unidades de moradia, não prédios; 450 despejos [orig. tenders]; não se discutirá Jerusalém; não se discutirão prédios públicos.

David Hale (DH): É compreensível que, por motivos políticos, Netanyahu tenha falado só de parte do pacote, não de tudo. O que ele disse não é a totalidade e é o que lhe interessa dizer. O ponto, do pacote, é que nenhuma construção será iniciada; não se começará a construir nenhum prédio.

SE: Isso não é verdade. Não foi o que Netanyahu disse.

DH: A construção parará – todas as novas atividades.

SE: Sei que vc fez o melhor que pôde, e esse não é o resultado que você queria. Nas últimas décadas, vocês sempre negociaram com os israelenses considerando o que é possível – o que Israel aceitará. Tenho dito várias vezes que, agora, temos de buscar o que é necessário, o que nos interessa. Em vez disso, você conseguiu o melhor possível. 

Com esse negócio, Bibi dirá que as construções prosseguem, e elas prosseguirão – e haverá mais colônias em 2010 do que em 2009 e 2008. Além disso, não há limites: vocês não reconhecerão a fronteira de 1967, nem o reinício das negociações, do ponto em que ficaram. Em vez disso, você me dá Shalit, os túneis e o Estado judeu. Se se exclui Jerusalém, nenhum muçulmano, nenhum árabe se interessará por nenhum acordo.

DH: Quem disse que Jerusalém será excluída [das declarações]? 

SE: Netanyahu disse. 

DH: Ainda há questões em negociação. A duração – e os prédios públicos serão limitados.

SE: Sei que Bibi prepara-se para anunciar um pacote de construções – Pisgat Zeev, Har Homa…

DH: Sei que ele queria mais, mas há impedimentos políticos. Restringir as construções é melhor que crescimento sem controle por todos os lados.

SE: No que me diga respeito, as colônias continuarão a ser construídas por todos os lados. Agora, há uma diferença em relação ao passado. Tivemos o general Dayton, a EU COPPS e outros. Tivemos de matar palestinos para estabelecer a regra de “uma arma para cada autoridade” [orig. one authority one gun] e a ordem legal. Continuamos a cumprir nossas obrigações. Organizamos o Congresso do Fatah – nosso país continua dividido. Com isso em mente, Netanyahu iniciou o processo de destruir AM e SF e as instituições palestinas. Voltamos a 1996-1999, outra vez. 

E se o governo dos EUA agora adapta suas políticas aos desejos de Netanyahu, tudo virá abaixo, não só os palestinos, mas toda a região.

DR: O pacote não inclui qualquer nova autorização, nenhum novo confisco de propriedade...

SE: Eu não estou chegando de Marte! 40% da Cisjordânia já foi confiscada. Podem continuar construindo casas exclusivas para judeus durante anos e anos, sem precisar fazer nenhum novo despejo!

[MR, DS e JS juntam-se à reunião]

DH: Quanto à declaração, se incluir uma referência a Jerusalém – se conseguirmos que inclua – será concessão substancial dos israelenses. Quanto à referência a 67, tivemos longa discussão com os israelenses ontem. Estamos trabalhando nos termos, para incluir, de alguma forma que tenha a ver com território, uma referência a 67. Se conseguirmos isso, com outros elementos do pacote, vocês terão meios para superar as imperfeições do pacote – com o fim de novas construções nas colônias – e o início de um processo político?

SE: Tenho de ver um texto escrito – e teria de trabalhar com vocês nesse texto. Nada nos interessará se não fizer referência a dois estados e à fronteira de 1967. Já conhecemos essas fórmulas de linguagem, há muito tempo, em Oslo, no Mapa do Caminho. Agora, depois das últimas negociações com Olmert, os EUA têm  de declarar sua posição sobre as fronteiras. Nesses termos, podemos trabalhar num texto de declaração…

DH: Vamos repassar isso. Há dois níveis de texto: primeiro, o que o presidente Obama dirá, as metas e os princípios. Segundo, Mitchell falará e dará mais detalhes à imprensa, como release geral, e explica o pacote e os compromissos que cada lado, Israel, os palestinos e os árabes, assumiram. Quanto à declaração do presidente, queremos ter certeza de que não haverá surpresas para nenhum dos lados.

DS: Estamos desenvolvendo módulos de construção para o discurso. Tomara que consigamos abarcar os conceitos, na amplidão e na compreensão. Então, a máquina de produzir discursos da Casa Branca trabalhará sobre os módulos e os converterá em palavras finais. Quero dizer, não podemos redigir tudo, mas temos de assegurar que não haverá surpresas.

DH: A declaração será geral. Teremos tempo depois do 22 para trabalhar sobre os detalhes até a próxima reunião, esperamos que em outubro. Também queremos garantir que nós não fecharemos nenhuma porta.

SE: Quando falaram com os israelenses, perguntaram se estão dispostos a retomar negociações das quais nós já saímos?

DH: Preferimos falar em “relançar” [orig. “relaunch”] e declarar o objetivo do relançamento. Essa é nossa posição sobre o assunto.

SE: Digamos então que façamos isso. Vamos à reunião trilateral, depois a Sharm e depois sentamos numa sala com os israelenses e Mitchell. Eu trago um mapa de Jerusalém. Como os israelenses reagirão?

DH: Vamos examinar essas questões – sequências etc., mas mencionaremos Jerusalém na declaração.

DS: Se o presidente falar claramente de Jerusalém, então, sim, há alguma coisa

SE: Há sim! Claro, mas não podemos falar sobre isso agora... Há problemas com a coalizão, Shas, Lieberman … Sei como isso funciona.

DS: Claramente, não podemos dar-lhes garantias sobre o que Israel negociará – só podemos falar sobre nossa posição.

MR: A sequência [da discussão] é sempre problema.

SE: Então, o que eu discutirei com eles – um estado com fronteiras provisórias? Dê-me licença para ser bem sincero: vocês fizeram grande esforço para conseguir o congelamento das construções e nada conseguiram. Vocês não conseguiram o que Netanyahu teria de ter concedido, para que fosse possível relançar as negociações. Israel, portanto, responderá que: nada de Jerusalém, milhares de novas unidades construídas, prédios públicos, nove meses – por falar nisso, ele concordarão com os nove meses – que é o limite deles. Depois, Israel negociará com vocês esse limite. Quero dizer: nenhum congelamento nas construções, nenhum, nem uma hora, que fosse de congelamento nas construções! Mais construções em território ocupado, em 2010, que em 2009. [Fala para Daniel Rubenstein, DR] Você sabe disso. Sua equipe tem todos os números.

Em resumo, no primeiro dia, Netanyahu disse: Jerusalem, capital eterna e indivisa de Israel; estado desmilitarizado na Palestina, que não controlará nem as próprias fronteiras, nem o espaço aéreo. Nada de retorno dos refugiados. Se concordarem com isso, aceitamos negociar um pedaço de papel inútil e um hino.

Nós investimos tempo e esforço e chegamos a matar palestinos, nosso povo, para manter a ordem e a lei. O primeiro-ministro está fazendo todo o possível para construir instituições. Ainda não somos um país, mas somos os únicos, no mundo árabe que controlamos o Zakat [um ‘dízimo’, espécie de imposto que os muçulmanos pagam] e os sermões nas mesquitas. Estamos fazendo a nossa parte. 

Agora, Netanyahu voltou, como em 96. Mas naquele momento, as relações entre israelenses e palestinos estavam no melhor ponto. Nada de ataques nem violência. Netanyahu trabalhou incansavelmente para destruir aquilo que havia – e minha opinião é que, agora, está reiniciando o mesmo processo, outra vez. Vocês sabem que tentei organizar vários encontros com os israelenses – com Arad e Molho. Sempre se recusaram a qualquer contato. Marcavam reuniões e, depois, cancelavam. Arad cancelou três vezes.

Então, restam três opções: 1. vamos a NY para a trilateral, com essa fórmula. É o mesmo que nada. Não servirá para iniciar coisa alguma. Não é opção para nós. 2. Não vamos e declaramos o fracasso das negociações – fracasso e frustração. Tudo isso levará a uma explosão de frustração que fortalecerá o Hamás e outros. 3. Fazemos encontros bilaterais e continuamos a falar sobre um pacote, mas com mais clareza. Talvez vocês consigam reconhecer um estado palestino, nas fronteiras de 67. Não subestimem a opinião pública palestina e suas expectativas, nem o que vocês ajudaram a construir. Quando Netanyahu fala sobre excluir Jerusalém [das negociações], ele o faz exclusivamente para que nós não possamos participar, porque ele não quer que haja nenhuma reunião e nenhuma negociação.

DS: Mas, ao se recusar a ir, vocês não estão jogando o jogo dele?

SE: São vocês que me metem nessa posição! Me obrigam a negociar com uma pistola apontada para a minha cabeça: se fizer, você se dana, se não fizer, também se dana. Pessoalmente, imaginei que vocês nos trariam, no mínimo, uma moratória. E me aparecem com nada! 

DR: Deixe de lado, por um momento, o que Netanyahu diz. O que vocês conquistaram existe, é real – o futuro estado da Palestina está em processo de criação, e os EUA continuaremos a apoiá-lo. Mas não é possível transformar o plano em realidade, sem um processo de negociação. Esse ponto é uma transição – uma transição crucial.

SE: Faço exatamente a mesma coisa há 16 anos. Essa é a última vez. Só entrarei nesse jogo se houver o que ganhar. Há preparações a fazer. Enquanto isso continuamos a construir condições de cooperação, nos interessassem ou não. Dessa vez, é preciso preparar melhor as condições de negociação política.

DH: E o que vocês fariam, diferente do que estamos propondo?

SE: Eu sentaria com os israelenses e procuraria descobrir se há algo que se possa discutir. Se eles querem um estado com fronteiras provisórias, podemos discutir, em vez disso, uma 3ª realocação. Temos de saber o que eles têm a oferecer.

O que não é possível é vermos os EUA aceitarem mais construções nas colônias e nos arrastarem pela estrada, nessa viagem que não nos interessa. Nós não precisamos reinventar a roda e começar tudo do zero, desde a primeira mordida na maçã – conhecemos os mínimos detalhes dessas discussões com Israel – inclusive os arranjos, por exemplo, para por o cemitério ao lado do hotel dos 7 Arches, planejado para ser a embaixada de Israel. Nós podemos perguntar diretamente aos israelenses: o que podem fazer conosco? E lembrem: Israel não é Bibi e Molho e Arad. Há  muita gente em Israel cujo único sonho não é ser rei de Israel para reinar até o fim dos tempos. Há muita gente em Israel que só pensa em derrubar Netanyahu. É um jogo político – aqui se faz, aqui se paga.

Hoje, todos os palestinos falamos numa só voz sobre esses temas. Aprendemos muitos de erros passados. Somos nação jovem, inexperiente. Mas aprendemos muito, negociando com outros governos.

DS: O presidente Obama tem demonstrado compromisso pessoal e verdadeiro com os palestinos. O que você diz indica que vocês tendem a não valorizar o compromisso do presidente. Acho estranho que esse compromisso do presidente não pareça ter grande valor para vocês.

SE: Não se trata de personalidades, pessoas ou consciência. Bush não acordou, uma manhã, e sua consciência lhe disse “solução dois Estados”. Aqui se discutem interesses. Estamos há 17 longos, dolorosos anos nesse processo, e só agora começamos a tomar o nosso destino em nossas mãos. Não podemos deixar que se destrua tudo, outra vez.

DH: Estará sendo destruído se vocês não insistirem em buscar o resultado de dois estados.

SE: Netanyahu jamais concordará com dois estados. Se os EUA, que tentam há meses, ainda não conseguiram que Israel aceite o que o próprio senador Mitchell escreveu – antes do Mapa do Caminho, no “Relatório Mitchell” …

DH: Ninguém pode obrigar um governo soberano. Só podemos usar a persuasão, negociar, e usar o peso de interesses partilhados.

SE: Claro que poderiam obrigar Israel, se quisessem. Como supõem que esse fiasco se refletirá na credibilidade dos EUA... se não conseguem nem isso, de Israel?

DS: Nossa credibilidade não está em discussão. [DH pede reunião a dois, com SE]

NOTA
[1] A “Transparency Unit” [Unidade Transparência] da rede Al Jazeera [ing. Al Jazeera Transparency Unit (AJTU)] foi constituída para mobilizar o público leitor e telespectador – no mundo árabe e em todo o planeta – a enviar todos os tipos de conteúdos (documentos, e-mail, imagens, áudios e vídeos, além de sugestões de pauta), para que sejam analisados por nossa equipe editorial para possível divulgação.

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