13/1/2011, Elizabeth Dickinson, Foreign Policy
(pelo Twitter, de @matttbastard, “Soviet Canuckistan”)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Os tunisianos não precisavam de qualquer novo motivo para protestar, quando tomaram as ruas nas últimas semanas – os preços dos alimentos subindo, corrupção incontrolável, desemprego assustador. Mas pode-se contar a Tunísia como o primeiro caso em que notícias publicadas por WikiLeaks foram, para o povo, a gota d’água. Os protestos são também contra a absoluta falta de liberdade de expressão – inclusive para WikiLeaks.
No material publicado por Wikileaks, o governo da Tunísia faz triste figura. A família que governa é descrita como “A Família” – espécie de elite mafiosa que deixa impressões digitais em toda a economia. “O presidente Ben Ali está envelhecendo, seu regime está esclerosado e não há sucessor à vista”, lê-se num telegrama diplomático de junho de 2009. Quanto à cleptocracia governante, diz um telegrama de junho de 2008: “Rumores persistentes de corrupção, além da inflação crescente e continuado desemprego, ajudaram a fazer aumentar a frustração com o governo da Tunísia e têm contribuído para os protestos que acontecem no sudoeste do país. Com acusações que se acumulam contra os principais do regime, que tudo indica que continuarão no poder, não há qualquer controle possível.”
Evidentemente, os tunisianos não precisavam que alguém lhes contasse tudo isso. Mas os telegramas trazem detalhes – por exemplo, a informação de que a primeira dama aufere lucros massivos de uma escola privada – aceleraram o processo de revolta. As coisas pioraram, em vez de melhorar (como o governo certamente esperava), quando as autoridades bloquearam completamente a divulgação dos telegramas e passaram a caçar dissidentes e ativistas das redes sociais.
Como PayPal e Amazon aprenderam ano passado, os apoiadores de WikiLeaks não reagem bem quando são impedidos de usar a internet. A rede de hackers Anonymous lançou uma operação, OpTunisia, contra as páginas oficiais da Tunísia, que continuará “até que o governo da Tunísia mude de atitude” – como disse ao Financial Times um dos hackers militante dos Anonymous.
Como as recentes chamadas “Twitter Revolutions” na Moldávia e no Irã, é claro que havia muita coisa errada na Tunísia, antes até de Julian Assange receber o arquivo dos telegramas diplomáticos. Mas WikiLeaks serviu como agente catalisador: como gatilho e ferramenta para ação política popular. Dificilmente haverá maior elogio, para uma página de internet de um novo jornalismo militante.
A Tunísia é um belíssimo país, verdadeira continuação do Meridião praieiro da Itália no Norte da África(*), encostando num Sahara de ergs e hamadas. É a pátria imaginada e criada por Habibe Burguiba, primeira nação árabe a adotar uma constituição, antes mesmo da independência. É a chamada Revolução Destureana, que acabaou elevando-o à Chefia de estado e de Governo.
ResponderExcluirGraças à influência decisiva de Uassila Burguiba, as primeiras conquistas liberatórias da mulher árabe se deram na Tunísia. Mas seu marido um dia se tornaria um velho viuvo, cuidado por uma sobrinha dileta até se tornar meio-gagá. Aí, como sempre, Washington entra na jogada: temendo uma substituição "meio problëmática", a CIA e o Pentágono se aproximam do ex-Adido Militar tunisiano em Washington, Zine el-Abidine e o formam para tomar o poder. O cara se torna ditador e estabelece o regime mais policial do mundo árabe, detendo, torturando e matando líderes da oposição e reprimindo manifestações democráticas.
Apoiando-o, nações europeias - França e Itália, principalmente - aderiram ao "esquema americano" de gestão do país. Mas os regimes também envelhecem. Quando visitou Washington, o segundo Bush recebeu o general-presidente e aconselhou-o a "maneirar" um tantinho a situação. Mas não deu outra: um regime policial não volta atrás, sente-se legítimo, dentro de sua esdrúxula noção de lei. Os impasses políticos se acavalaram e a aguda crise sócio-econômica que se instalou resultaria num como pretexto para as recentes passeatas e comícios sindicais (e intelectuais) reprimidos à bala.
Os dias de el-Abidine estão constados, mas muito sangue vai ainda (o)correr num dos regimes mais corruptos, junto com o de Marrocos, do Mághrebe árabe.
Visitei o país, a partir de 1965, por algumas vezes. Mas a última (2007) foi deprimente. Com três pernoites e dias em Cartago, localidade exclusiva das villas da classe dominante, e percorrendo Túnis, constatei que visitava um país afundado na melancolia. Conversei com árabes e franceses e italianos (Claudia Cardinale é tunisiana; o corrupto Bettino por lá se exilou, até a morte): uma tristeza!...Ao partir para o Cairo, encontrei-me e vim a bordo com o grande Máhmude Deruíche. Concordamos em pleno, de modo que a Palestina foi, na verdade, o tema principal da conversa. Foi a derradeira vez que o vi. Na Capital egípcia, tomamos rumos diferentes, ele, acolhido por poetas e artistas; quanto a mim,fui para Zamáleque, para dirigir-me à sededa Liga Árabe, na manhã seguinte. O poeta logo morreria, sem ver sua pátria livre da brutal ocupação israelense.
Insisto: a linda Tunísia está a perigo.
Abraços do
ArnaC
(*) Túnis está mais a Norte que a Ilha de Pantelleria, limite mais ao Sul da Itália.
Bela foto. Reagir a pedradas aos esbirros de um regime policial é mais perigoso que contra tropas estrangeiras de ocupação, tipo-israelenses na Palestina. Tomara que ela sirva de símbolo de um processo revolucionário de libertação do lindo país fundado por Habibe Burguiba.
ResponderExcluirAbraço
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ResponderExcluirO general fascista está em La Valetta, à espera de um país seguro que o receba: em França e na Suíça, ele, a mulher, parentes e apaniguados têm muito dinheiro (roubado, claro), mas deveria pedir asilo aos EUA, que o inventaram para substituir Habibe Burguiba.
ResponderExcluirAbraços do
ArnalC
O que esta acontecendo na Tunisia e' o resultado do rapida mudança nas relaçoes de força entre os EEUU e a Europa ocidental de uma lado e os paises emergentes do outro lado.Com paises como China e a India que crecem a 8-10% por ano as velhas potencias perdem poder e prestigio.E se enfraquece aquele esquema no mundo arabe que contraponia os tais de paises moderados e filo ocidentais aos paises do fundamentalismo islamico.
ResponderExcluirEra evidente que as 3 guerras (2 contra o Irak e 1 contra o Afghanistan) iam criar odio entre as populaçoes de todos os paises musulmanos e particularmente daqueles arabes.E e' uma profunda adversão contra os paises colonizadores europeios que estão de volta apoiando a ocupação israelense da Palestina e partecipando atraves da Otan das guerras americanas.
A Tunisia era a menina dos olhos:tradição leiga,grande presencia italiana e francesa,estilo de vida ocidental (pelo menos nas cidades),economia agricola rel ativamente desenvolvida (o aceite que vem da Italia e da Espanha vem das oliveiras da Tunisia),turismo).Mas e' um pais arabe.E eu percibi fortemente isso quando (naquele periodo eu estava fazendo um curso de lingua arabe em Tunis)nos dias da invasao do Irak milhares de pessoas sairam a rua contra a intervenção americana e a favor da uniao arabe.
E agora?Precisaria saber um pouco mais.Um presidente que foge faz lembrar Batista,Fujimori,o ex presidente do Equador.O que e' claro que quiem afastou do poder o velho Bourghiba (com a ajuda dos EEUU e da França)costruiou um sistema autoritario e corrupto sobre o qual a imprensa ocidental sempre ficou calada.
E agora?A caida de Bem Ali va dar em que tipo do governo? E os EEUU e a Europa não tentaram de interferir no processo?E quais serão as repercussões nos outro paises do Norte Africa :Egitto,Libia ,Algeria e Marrocos?
Se a Tunisia sai da "proteção" EEUU e Europeia e' uma vitoria do mundo arabe .Mas se desmorona o regime de Mubarak no Egipto e' toda a situação politica do Meio Oriente que muda. Israel ficaria mais isolado e ainda mais agressivo .E neste casos tem sempre os perigos das "diversoes" como uma posivel nova guerra ou contra o Iran ou contra o Libano.Por isso e' bom que aqui no Brasil o Governo ,a midia ,a opiniao publica acompanhem de perto o que acontece la' naquele pequeno pais que um tempo foi de Cartagine e de Hannibal.
Antonio Fattore
Em 14 de janeiro de 2011 19:08, Vila Vudu escreveu:
ResponderExcluirSugiro que se festeje um pouco, primeiro, antes de analisar. Pelo sim, pelo não...
SUGIRO http://www.youtube.com/watch?v=NSau8dhpWqw&feature=related (Night in Tunisia).
Ou http://www.youtube.com/watch?v=RvzrzZE2WwU&feature=related (1959, parece rock 'n roll!)
VIVA A TUNÍSIA!
Pelo Twitter, estão rindo dos EUA. "Obama: "Yes we can"... Tunisia: "Yes we do!"
Os analistas dizem que é o evento mais importante do mundo árabe, desde a revolução democrática islâmica do Irã, em 79.
Os mais irônicos já perguntaram: Por que a Hilária Clinton, que tanto elogiou a revolução 'jovem' e 'verde' (e pró EUA) que NÃO HOUVE no Irã... ainda não festejou a revolução (anti-EUA) que JÁ HOUVE na Tunísia?
E pau na máquina!
Tô TOTALMENTE com o Bruno Cava, em matéria de enchentes & O RESTO: não me interessam nem os mortos nem os do chororô 'humanitário'. Só me interessam os que não morrem, não matam e empurram o mundo pro lado seco da enchente.
VIVA A TUNÍSIA! (e viva o ArnaC, que festejou a Tunísia, na horinha!)
Vila Vudu
No Brasil, caro Fattore, o JN de hoje deu notícias sobre a tragédia dos aluviões na região serrana fluminense, claro, em grande parte provocada pelo mau (incorreto) uso dos solos urbanos (e não raros rurais também), tais como as outras enchentes; sobre a beatificação de Karol Wojtyla, por ter curado uma freira de grave Mal de Parkinson, por decisão do Benedito XVI; e o aumento do salário-mínimo para R$ 545, decidido pela Presidenta Dilma.
ResponderExcluirTunísia (e o resto do mundo em geral) não existe nas cabeças patrícias, o JN contribuindo decisivamente para isso. A virtude da emissão de hoje é que o casalzinho de mechinha branca nas melenas e a mulher ignorante e de maus bofes fizeram forfait.
Abraços do
ArnaC
Melhor colocar as barbas de molho, como diziam nossos avôs.
ResponderExcluirBem Ali deixou a Tunísia ontem à noite e Obama declarou que "apoia fortemente" os protestos, segundo o The New York Times. Leia-se: o governo dos EUA pretende tutelar os protestantes para dominá-los e continuar dando as cartas. Como o primeiro-ministro assumiu o poder, na vacância do presidente, é bem provável que uma aliança com os EUA dê aquela aparência de liberdade tão cara à democracia liberal -- a velha tática do "cala-a-boca": apoiemos e cedamos no que não nos for vital, para as pessoas ficarem mais calminhas; fiquemos ao lado delas para dirigir os protestos para onde queremos; e mantenhamos o poder, sob outra roupagem.
Resta saber se os tunisianos vão comprar a nova embalagem do colonialismo ou se manterão os protestos até ficar livres do xerife planetário.
Baby