domingo, 30 de janeiro de 2011

Egito: a morte de uma ditadura

Robert Fisk

Robert Fisk - from Cairo - The Independent, UK

Traduzido pelo Coletivo Política para Todos  

Os tanques egípcios, com manifestantes sentados sobre eles, bandeiras, 40.000 pessoas que choravam e incentivavam os soldados na Praça da Liberdade, enquanto rezavam em volta deles alguns membros da Fraternidade Muçulmana sentados entre os “passageiros” dos tanques. Será que poderíamos comparar esta cena com a libertação de Bucarest? Assentado sobre um dos tanques fabricados nos EUA, lembramo-nos dos maravilhosos filmes “hollywoodianos” da libertação de Paris. Alguns metros adiante, a polícia de Mubarak, com seus uniformes negros, disparavas balas assassinas contra a multidão que cercava o Ministério do Interior. Era a celebração de uma vitória selvagem e histórica: os mesmos tanques de Mubarak estavam libertando a capital de sua própria ditadura.


Anti-Mubarak protesters in Cairo yesterday climb on an army tank


Na farsa do mundo de Mubarak – e de Barack Obama e Hillary Clinton em Washington – o homem que ainda se diz “Presidente do Egito” realizou a mais absurda eleição de um vice-presidente visando acalmar a fúria dos manifestantes. O “eleito” foi Omar Suleiman, o chefe dos negociadores egípcios com Israel e um antigo agente de inteligência, homem de 75 anos e com muitos anos de convivência e visitas a Tela Aviv e Jerusalem, bem como alguns infartos do miocárdio… Como este elemento vai compreender  e controlar a raiva e o desejo de liberdade de 80 milhõ0es de egípcios está além da nossa imaginação. Quando comentei com  manifestantes que estavam próximos de mim esta novidade, começaram a rir-se.

As tropas do exército, em uniformes de campanha, rindo e até aplaudindo os manifestantes, não fizeram nenhum movimento para barrar os “graffiti” que a multidão havia pintado sobre os tanques. “Fora Mubarak” e “Teu regime está acabado”, aparecia em cada um dos veículos leves de combate ((VLC) que percorriam a ruas do Cairo. Em um desses VLCs que dava voltas na Praça da Liberdade estava um dos dirigentes da Fraternidade Muçulmana, Mohamed Beltagi. Mais cedo, passou um comboio de blindados que estava estacionado perto do subúrbio de Garden City, enguanto as pessoas abriam caminho entre as máquinas e levavam laranjas para os soldados, aplaudindo e chamando-os de “patriotas egípcios”. Logo após a destrambelhada eleição do vice de Mubarak e designação de comparsas para um governo sem Poder, as ruas do Cairo demonstraram que os líderes dos EUA e da União Europeia nã0 entenderam nada. Acabou-se.
Protestors carry an army captain on their shoulders after he tore up a poster of Egyptian President Hosni Mubarak

Os débeis esforços de Mubarak ao declarar  que se debe cessar a violência, quando sua própria polícia de segurança foi responsavel, nestes últimos 5 dias pelos atos mais cruéis, que inflamaram ainda mais a fúria daqueles que passaram 30 anos sob sua sanguinária ditadura. Prova disso são as suspeitas de que muitos dos saques estão sendo praticados pela Polícia Civil, bem como o assassinato de 11 homens em área rural 24 h antes, para destruir a integração dos manifestantes que estão sacando Mubarak do Poder. A destruição de grande número de Centrais de Cominicações por parte de homens com o rosto coberto, que foram dirigidos de alguma maneira, também levantou suspeitas, surgindo a ideia de que os responsáveis seriam os mesmos policiais que haviam atacado os manifestantes. Os incêndios na Delegacias de Polícia no Cairo, Alexandria e Suez bem como em outras localidades não foram obras da Polícia. À ultima hora desta sexta-feira multidões de jovens tocaram fogo ao longo de toda a estrada para Alexandria.

Infinitamente mais terrible foi o vandalismo praticado contra o Museu Nacional do Egito. Após a polícia abandonar o local, os saqueadores arrombaram a porta principal do edificio pintado de vermelho e destruíram estatuas dos Faraós de 4.000 anos de idade., múmias, e impresionantes barcos de Madeira que foram originalmente construídos para acompañar os reis em suas sepulturas. Novamente, devemos dizer, que circularam rumores de que a Polícia foi a causadora desses vandalismos antes de ter abandonado o Museu nesta sexta-feira à noite. Tudo parece recordar o saque do Museu de Bagdá (Iraque) pelas tropas invasoras. O saque não foi tão grave como o do Iraque, mas o desastre arqueológico é irremediável.

Os manifestantes se reuniram à noite, em círculo, para orar na Praça da Liberdade. E fazer promesas de vingança. Uma equipe de reportagem da Al Jazeera encontrou um local com 23 cadáveres em Alexandria, aparentemente assassinados pela polícia. Muitos desses mortos tinham seus rostos horrivelmente mutilados. Outro 11 defuntos foram descobertos em um local do Cairo, Os familiares que se congregaram em volta de seus restos ensanguentados, prometiam represálias contra a Polícia.

O Cairo, hoje, troca o riso pela mais pura raiva em questão de minutos. Ontem (sexta-feira, 28/01/2011) pela manhã cruzei a ponte sobre o Nilo para ver várias ruínas de uma das sedes do partido de Mubarak (PND). Bem em frente via-se um “outdoor” que promovia as “bondades” do Partido Nacional Democrata, as promesas que Mubarak não cumpriu em 30 anos. “Tudo o que queremos é a saída de Mubarak, novas eleições e nossa liberdade e honra”, me disse um jovem psiquiatra de 30 anos.

A denúncia de Mubarak de que estas manifestações são parte de um “plano sinistro” está  no cerne do pedido de reconhecimento internacional de seu governo. De fato, a resposta de Obama foi uma cópia fiel de todas as mentiras que Mubarak utilizou durante tres décadas para defender seu regime. O problema é o habitual: as linhas do Poder e da Moralidade não chegam e unir-se quando os presidentes dos EUA tem que se ocupar do Oriente Médio. A liderança moral dos EUA desaparece quando tem que se ver e confrontar o mundo árabe com o mundo israelense. E o exército egípcio é parte desta equação. Recebe 1,3 bilhões de dólares anuais de ajuda estadunidense. O Comandante do Exército, e amigo pessoal de Mubarak, o General Mohamed Tantawi, estava em Washington enguanto a Polícia tratava de reprimir os manifestantes.

O final pode ser claro. A tragédia ainda não terminou.

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