domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ganha e perde na Ucrânia

22/2/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Arseniy Yatsenyuk (D), Oleh Tyahnybok (E) e Vitali Klitschko (C) após assinatura de acordo com Viktor Yanukovich em Kiev (21/2/2014)
Depois de oito horas de negociações, que avançaram noite adentro na 5ª-feira (20/2/2014), entre o presidente Viktor Yanukovich da Ucrânia e a “troika” da oposição, Arseniy Yatsenyuk, Oleh Tyahnybok e Vitali Klitschko, chegou-se a um acordo, na manhã da 6ª-feira (21/2/2014) em Kiev que, se espera, ponha fim aos violentos confrontos que levaram a muitas mortes essa semana.

Os termos do acordo foram fixados em declaração escrita. O acordo foi examinado por um grupo de enviados europeus e políticos, e por um “representante especial do presidente da Federação Russa”.

Em seguida Yanukovich anunciou eleições antecipadas, a volta a um regime parlamentar de governo e que se constituirá um governo provisório de unidade nacional.

À primeira vista, o acordo tem ares de encobrir uma manobra conjunta de União Europeia e Rússia, quando, de fato, Moscou continua a manter silêncio impenetrável sobre os eventos na Ucrânia. A União Europeia, representada pelos ministros de Relações Exteriores de Alemanha e Polônia, capitalizou a violência crescente e a indecisão de Yanukovich, para forçar um acordo; e Moscou ficou sem escolha, além de deixar-se ver como “vai-com-os-outros”.

Com toda a probabilidade trata-se de um recesso. É o que se vê claramente nos relatórios divergentes publicados por Washington e Moscou do telefonema que o presidente Barack Obama fez para Vladimir Putin, e da conversa que tiveram, na 6ª-feira (21/2/2014).

O relatório distribuído pelo Kremlin não menciona o acordo em Kiev; em vez disso destaca o “trabalho com a oposição radical” que a Rússia culpa por ter criado o perigoso confronto (por instigação do ocidente, é claro). E o relatório distribuído pela Casa Branca prefere destacar a “necessidade de implementar rapidamente” o acordo em Kiev e a necessidade de reformas (neoliberais, claro) para pôr ordem na economia política da Ucrânia.

Evidentemente, o desacordo EUA-Rússia vai-se aprofundando – embora Obama tenha acrescentado uma pitada de açúcar à pílula amarga, dando parabéns a Putin, embora atrasados, pelo sucesso dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi. Por que “pílula amarga”?

Em resumo: Washington passou a perna em Moscou, num movimento espetacular (embora sujo) na crise ucraniana. Depois de acender os estopins dos protestos contra a decisão de Yanukovich de aceitar o resgate de $15 bilhões que a Rússia ofereceu, o confronto cresceu como bola de neve até se converter em exigência de “mudança de regime” e rapidamente ganhou proporções de crise, com a injeção de elementos radicais nos protestos.

Protestos em Kiev após Yanukovich aceitar resgate da Rússia em 22/1/2014
A violência subsequente, por sua vez, foi pretexto perfeito para a diplomacia ocidental de coerção, que tirou vantagem da personagem política de Yanukovich.

O resultado aí está. Uma “oposição” sem qualquer representação e nutrida por Alemanha e Polônia está sendo catapultada para o poder; e cria-se um governo de “unidade nacional”. A questão difícil, porém, vem agora: como pilotarão o barco ucraniano?

É claro que a geopolítica está no centro de tudo que está acontecendo, como se vê claramente na reignição das ambições históricas de Alemanha e Polônia em relação à Ucrânia como sua “esfera de influência”.

Como o Japão no Pacífico Asiático, a Alemanha também proclamou sua intenção de tornar-se país “normal”; e a Ucrânia é a arena na qual a Alemanha pós-IIª Guerra Mundial pela primeira vez flexiona seus músculos (diplomáticos).

Na recente Conferência de Segurança de Munique, a Alemanha destacou que está pronta para liderar. Como está fazendo também com o Japão, os EUA estão encorajando a Alemanha a tornar-se país “normal”, a inflar suas proezas militares e exibi-las no cenário mundial quando a segurança coletiva está envolvida.

Os EUA esperam assim fortalecer sua própria liderança transatlântica; e, no contexto da Ucrânia, haveria outro ganho adicional para Washington, porque tudo faz crer que a robusta relação Alemanha-Rússia, que os EUA sempre detestaram, começa a ser abalada.

Isso posto, a Rússia enfrenta a possibilidade de um regime assumidamente pró-ocidente substituir Yanukovich. O pior que pode acontecer é esse regime favorecer o alinhamento da Ucrânia como membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, o que levaria a aliança ocidental literalmente para junto do portão dos russos.

A Rússia apostou que, afrouxando os cordões da bolsa e oferecendo resgate que a depauperada União Europeia não poderia superar para reviver a economia ucraniana, conseguiria impedir que Kiev gravitasse na direção do ocidente.

O ocidente respondeu com mais uma encenação de ‘revolução colorida’. Simples. O anúncio por Moscou, na 2ª-feira (17/2/2014), de que daria mais $2 bilhões à Ucrânia (além dos $3 bilhões dados em dezembro) com certeza precipitou a violência dos confrontos e o atual “desenlace”.

A Ucrânia passará por uma “terapia de choque”, se é que haverá “reformas”, e talvez se qualifique para receber a “ajuda” da União Europeia e do FMI – desregulação, cortes nos “gastos’”sociais, congelamento de salários e demissões, pressão contra os sindicatos, etc..

Viktor Yanukovich desembarca em Carcóvia em 22/2/2014 após deixar Kiev
Mas o país já está virtualmente dividido ao meio, com as regiões do leste ligadas por laços muito fortes com a Rússia.

Não surpreendentemente, a Casa Branca festejou o acordo da 6ª-feira (21/2/2014). Moscou, por sua vez, ainda não se manifestou sobre o acordo – mas Putin aproveitou uma reunião do Conselho de Segurança para “discutir a situação na Ucrânia”. Em todos os casos, permanece o fato de que a Rússia conhece a Ucrânia muito mais e melhor que qualquer de seus rivais ocidentais.

Verdade é que a história está longe de acabar. A cena em Kiev continua tensa e confrontacional, e há muitos rumores de que Yanukovich tenha trocado a capital pró-ocidente, pelo conforto de Carcóvia, no leste do país, área de influência dos russos, e onde tem sua base de apoio.



[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.


Um comentário:

  1. NOTA MUITO ÚTIL, de Tlaxcala, Rede Internacional de Tradutores:

    A Organização dos Nacionalistas Ucranianos [orig.Organization of Ukrainian Nationalists (OUN)], organização fascista criada em 1929 na Ucrânia do Oeste (então sob governo polonês), dividiu-se em duas em 1940: a OUN-M mais moderada, com Andriy Melnik; e a OUN-B mais radical, com Stepan Bandera. A OUN-B declarou uma Ucrânia independente, em junho de 1941, como estado-satélite da Alemanha Nazista. Todos os grupos direitistas na Ucrânia de hoje apresentam-se como herdeiros das tradições políticas da OUN, inclusive o Partido Svoboda, a Assembleia Nacional Ucraniana, o Congresso dos Nacionalistas Ucranianos e o Setor Direita (Pravyi Sector).

    ResponderExcluir

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.