segunda-feira, 22 de junho de 2015

Maria Lucia Fattorelli discursa na abertura da Comissão de Auditoria da Dívida Grega no Parlamento Helênico, em 4/4/2015


Publicado em 19/4/2015, [*] Maria Lúcia Fattorelli
Tradução para o português: Rafael Machado

Boa Tarde a todos!
Para mim, é uma grande honra poder participar desse momento histórico. Agradeço à Presidenta do Parlamento Grego, Zoe Konstantopoulou, por me convidar para integrar a Comissão de Auditoria da Dívida Grega.

Minhas origens são populares. Venho da sociedade civil da América do Sul (Brasil), e por 15 anos coordeno o movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida, lutando pela auditoria da dívida pública do meu país: um dos países mais ricos (sétima maior economia mundial), mas que também convive com desigualdade social das mais tristes. Nas últimas décadas, a principal responsável por isso tem sido a dívida; e é por isso que temos que lutar por que a dívida seja auditada.

Então, em primeiro lugar, quero parabenizar o povo grego – nas pessoas de Zoe Konstantopoulou e Sofia Sakorafa –, por estarmos aqui, começando esse trabalho. Hoje está sendo instalada uma Comissão para Auditoria da dívida pública pelo Parlamento (que são representantes do povo), com o apoio declarado das principais autoridades do Poder Executivo, e com a participação da sociedade civil local e internacional. Meus parabéns!

Ao longo desses 15 anos trabalhando em iniciativas cidadãs pela auditoria de dívidas públicas, e também na iniciativa oficial no Equador e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em meu país, podemos concluir que a dívida do povo grego não é caso isolado.

Essa dívida faz parte de um sistema muito bem articulado que serve para transferir recursos públicos ao setor financeiro. A isso chamamos de SISTEMA DA DÍVIDA. 

Esse sistema opera após a contração de dívidas que não são seguidas, como quer acreditar o bom-senso comum, de qualquer entrada de dinheiro no país que se endivida. 

Na verdade, o SISTEMA DA DÍVIDA opera mediante vários mecanismos financeiros, planos ou programas econômicos e outras medidas impostas por organizações financeiras internacionais.

Ou seja, os países contraem dívidas, que contudo não se convertem em bens, serviços ou benefícios públicos, como contrapartida. 

Para piorar, tais dívidas crescem como consequência de custos excessivos, cláusulas abusivas e refinanciamentos sucessivos – sem falar em outras estratégias que levam a uma acumulação contínua e retroalimentada de novas dívidas. Em função disso, como contrapartida, torna-se necessário alocar repetidamente recursos orçamentário para pagar dívidas geradas por altas taxas de juros, comissões e demais custos. E apesar desses pagamentos, o estoque da dívida não para de crescer. 

Além do mais, tudo isso acontece num momento histórico em que está em curso a financeirização da economia, fato evidenciado pelo enorme poder do setor financeiro global, conforme acabou de dizer o ministro das Finanças. 

Esse poder veio sendo construído pelo uso excessivo e inescrupuloso de instrumentos financeiros (derivativos, que equivalem a 11 vezes o PIB mundial, como também disse aqui, antes de mim, o ministro das Finanças). Tais derivativos baseiam-se em uma diversidade de produtos financeiros: "ativos da dívida", emissões de obrigações, moeda, e até mesmo os chamados "ativos tóxicos".

O ministro das Finanças também mencionou os problemas decorrentes das transações anônimas. No caso da dívida pública, alguém sabe quem possui os documentos? Em outras palavras: para quem estamos pagando os juros?

Os papéis da dívida tornaram-se grande negócio para o setor financeiro privado. As complexas fórmulas para dar-lhes sustentabilidade são estudadas por estudantes das melhores universidades de economia ao redor do mundo. Estudos técnicos tão intensos, que impedem que alunos e professores reflitam sobre um elemento básico: que dívida é essa?

Assim chegamos a um ponto em que nós, cidadãos comuns, pagamos por diferentes meios uma mesma dívida da qual não se conhece o responsável: pagamos a dívida, por exemplo, também, cada vez que nos são negados serviços sociais que deveríamos receber. E ninguém jamais sabe de que dívida se trata. Claro que só discursos não bastam. Os cidadãos e os estados têm de agir. E a  ferramenta para documentar e provar as fraudes inerentes ao Sistema da Dívida é a Auditoria. 

A instalação dessa iniciativa, hoje, na Grécia, é avanço real para que se estabeleça a verdade e se dê conhecimento dela aos cidadãos, oferecendo as respostas aos questionamentos daqueles que pagam essa dívida com sacrifício e, em diversos momentos, até com a próprias vidas, como o Sr. Christoulas (que cometeu suicídio há exatos três anos), e outros milhares de gregos e cidadãos em completo desespero, que morrem todos os dias, devido ao Sistema da Dívida. 

É por vocês que estamos aqui. Faremos nosso melhor para escrever um relatório que possa ser útil para o Governo e para o Parlamento, mas sobretudo para a Sociedade. Muito obrigada.
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[*] Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública – CAIC no Equador em 2007-2008. Participou ativamente nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada no Brasil. É autora de Auditoria Da Divida Externa. Questão De Soberania (Contraponto Editora, 2003).

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