Publicado em 29/09/2010 por Urariano Mota
Por enquanto, Dilma reina soberana. Nada lhe escapa. Por enquanto, mal conseguimos escrever algumas linhas, sem que nas linhas, pelas linhas, sobre as linhas, nas próprias linhas ela não esteja. Mal nos pomos diante da tela em branco, nos assaltam torturantes e cruciais dúvidas: O que dirá a próxima pesquisa? Onde foi que o Datafolha forçou e manipulou? Qual a jogada do Ibope? Que calúnia de prata virá? Que notícias/armações jogam até sexta-feira? No último debate, que pegadinhas, Serra e sua aliada Marina vão fazer? O que indivíduos serenos, sensatos (como se nesta altura houvesse algum), o que pessoas mais distantes, equidistantes (como se nestes dias houvesse este ponto), o que analistas frios (excluídos, é claro, os analistas muito frios, porque mortos), o que os sensitivos, aqueles videntes infalíveis, que possuem nas mãos o nosso destino, vaticinam sobre o domingo que vem?
Por enquanto, somente podemos adiar as atividades pessoais mais graves, como se o destino de um povo já não fosse uma atividade gravíssima. Por enquanto, fazemos de conta que estamos de férias, em férias, leves, ledos e livres, despreocupados como gringos de camisas floridas no sol dos trópicos. A esperança de vencer nos sorri. Por enquanto a vida se transforma em dois tempos: no primeiro, assistimos à luta eleitoral e política. No segundo, no segundo, bom, a vida que nos assista. Mas isso apenas no segundo tempo. Ainda estamos no primeiro. Pois não é mesmo bom viver a vida em dois tempos, quando todos julgávamos que só possuíamos um, e estávamos na altura do 45º. minuto final? Pois ganhamos mais que uma prorrogação – temos dois tempos. (O que lembra aquelas casinhas pequenas, que o engenho humano separa por cortinas em dois ambientes.)
Por enquanto, adiamos tudo. (E só adia quem tem mesmo um segundo tempo.) O tratamento de saúde rigoroso, disciplinado, inflexível, ah, convenhamos, iniciaremos quando Dilma for eleita. Por enquanto, bebemos todos sob recomendação médica. Em todos os debates bebemos: antes, durante e depois. Antes para suportar a espera, durante para conviver com o sofrimento, depois porque ninguém é de ferro. O álcool dilata as artérias, nos dizemos, e não desejamos saber que ele nos dilata até a fronteira da loucura. Vasodilatador de tudo. O que querem? Somos humanos, dizemos, e com isso deveríamos nos dizer que uma das condições do ser humano é ser também apaixonado. A maior, a maior qualidade, nos grita Marx. O que querem? Estamos no gozo do primeiro tempo. Por isso e por enquanto adiamos o livro que começaremos a escrever, pois coisa ruim é tentar algo de sério, para o qual, desconfiamos, não estamos à altura. Por isso deixamos para depois os exercícios certos, duros, sistemáticos, matemáticos, catárticos. Os exercícios que nos curam da insatisfação porque não atingimos a realização de um trabalho impossível. Ah, paciência, tenham dó, nos dêem uma folga até domingo.
Por isso nos prometemos que no segundo tempo vamos recomeçar. Melhor dizendo, recomeçar, não. Começar, queremos dizer, começar, como se nada houvesse acontecido antes. Dieta, regime, remédios, exercícios, trabalho, livro, poesia, ternura, a disponibilidade full time para o amor. Prometemos. (E prometer também é uma forma de sonhar.) Prometemos, para o segundo tempo. Mas, por favor, compreendam, nada pode ser feito agora.
Por enquanto, não. Tudo gira em torno desse domingo que demora como uma tortura. Enquanto as horas teimam em não correr, enquanto os minutos se arrastam como os pés pesados dos batedores de pênalti, por enquanto somos apenas um pontinho minúsculo na multidão, todos estamos sem respirar, compomos juntos o maior sufoco de pulmões unidos, à espera do ar, à espera do grito que liberta: Dilma, presidenta! Esse porvir nos alimenta e priva de tudo, como o oxigênio que dá e consome a vida. Assim como os amantes absolutos, aos quais nenhum desassossego vence, estamos todos à espera do gozo de 3 de outubro. De agora até domingo.
Extraído do Direto da Redação