sexta-feira, 1 de abril de 2011

Líbia: exposta afinal a negociata EUA-sauditas

Pepe Escobar

1/4/2010, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Vocês invadem o Bahrain. Nós derrubamos Muammar Gaddafi na Líbia. Essa, em resumo, é a negociata acertada entre o governo de Barack Obama e a Casa de Saud. Duas fontes diplomáticas na ONU confirmaram, independentes uma da outra, que Washington, pela boca da secretária de Estado Hillary Clinton, deu sinal verde para que a Arábia Saudita invadisse o Bahrain e esmagasse o movimento pró-democracia no país vizinho, em troca de um voto “sim” da Liga Árabe para aprovar uma zona aérea de exclusão sobre a Líbia – único “fundamento” que levou à Resolução n. 1.973. 

As fontes são dois diplomatas, um europeu e outro de país BRICS; os dois falaram separadamente, a um professor e intelectual norte-americano e ao jornal Asia Times Online. Não terão seus nomes divulgados. Um dos diplomatas disse: “Por isso não era possível votar a favor da Resolução 1973. Acompanhávamos o argumento segundo o qual Líbia, Bahrain e Iêmen são casos similares; para nós, era preciso nomear missão de investigação para ir à Líbia. Mantemos nossa posição: entendemos que a resolução não é clara e pode ser interpretada na direção de mais beligerância.” 

Como Asia Times Online noticiou, é mito que toda a Liga Árabe teria aprovado a zona aérea de exclusão sobre a Líbia. Dos 22 membros plenos, só 11 votaram. Seis desses são membros do Conselho de Cooperação do Golfo, o clube de reinos/ditaduras do Golfo apoiados pelos EUA, dos quais a Arábia Saudita é o cão-chefe. A Síria e a Argélia votaram contra. A Arábia Saudita teve de dobrar apenas outros três membros, para obter o número necessário de votos presentes, e aprovar o que queria aprovar. 

Tradução: só 9, dos 22 membros da Liga Árabe votaram a favor da zona aérea de exclusão. A votação foi, de fato, operação conduzida pela Casa de Saud, com o secretário-geral da Liga Árabe Amr Moussa interessado em mostrar serviço a Washington, interessado em obter a presidência do Egito. 

E assim aconteceu que, um dia, houve um Grande Levante Árabe de 2011. E então, inexorável, desceu sobre ele a contrarrevolução comandada por EUA-sauditas. (...)

Digam o que disserem Barack Obama, Clinton e outros, nada alterará os fatos – resultado da suja dança do par EUA-Sauditas. Para saber quem lucra com a intervenção militar na Líbia, vide Não há business como a guerra-business”, Asia Times Online, 30/3/2011, em português. E acrescente àquela lista de beneficiários também a dinastia al-Khalifa no Bahrain, uma cesta sortida de fabricantes e mercadores de armas e todos os suspeitos neoliberais de sempre loucos para privatizar tudo que encontrem, na nova Líbia – até a água. E nem se falou até aqui dos abutres ocidentais que já sobrevoam a indústria de petróleo e gás da Líbia. 

Mas a mais surpreendente descoberta, de fato, é a extensão da hipocrisia do governo Obama. Pode-se dizer que nunca antes na história desse mundo vira-se governo dos EUA apresentar um descarado golpe geopolítico no norte da África e no Golfo Persa, como se fosse operação humanitária. E quanto a chamar a nova (mais uma!) guerra dos EUA contra nação muçulmana, de mera “ação militar cinética”? (...) 

Prendam os suspeitos de sempre

(...) Na Líbia, vê-se hoje um curioso desenvolvimento: a OTAN está permitindo o avanço das forças de Gaddafi ao longo da costa mediterrânea, deixando que façam recuar os “rebeldes”. Já há dois dias não há novos “ataques aéreos cirúrgicos”. 

O objetivo da OTAN é, provavelmente, chantagear também o Conselho Nacional de Transição [ing. Interim National Council (INC)] infestado de desertores líbios, inclusive um ex-ministro da Justiça Mustafa Abdel Jalil; o ex-secretário de planejamento Mahmoud Jibril; e o ex-morador de Virginia, vizinho da CIA nos EUA por 20 anos e “novo comandante militar” dos “rebeldes” Khalifa Hifter. O ingênuo, embora decente e louvável Movimento de Jovens 17 de Fevereiro – que começou o levante em Benghazi – foi completamente posto de lado. 

Aí está a primeira guerra africana da OTAN, como o Afeganistão foi a primeira guerra da OTAN no Centro/Sul da Ásia. Já firmemente configurado como braço armado da ONU, esse OTAN-Globalcop está em marcha, implementando o “conceito estratégico” que foi aprovado na cúpula de Lisboa em novembro passado vide Bem vindos ao OTANSTÃO”, 20/10/2010, Asia Times Online, em português. 

A Líbia de Gaddafi tem de ser varrida do mapa, para que o Mediterrâneo – o mare nostrum da antiga Roma – torne-se lago da OTAN. A Líbia é a única nação do norte da África não subordinada ao AFRICOM, ao CENTCOM ou a qualquer dos muitos “parceiros” da OTAN. Outras nações africanas não parceiras da OTAN são a Eritreia, A República Árabe Democrática Sawahiri, o Sudão e o Zimbabwe. 

Além do mais, dois membros da “Iniciativa Istambul de Cooperação” [ing. Istanbul Cooperation Initiative] da OTAN – o Qatar e os Emirados Árabes Unidos – combatem hoje ao lado do AFRICOM/OTAN, pela primeira vez. Tradução: parceiros da OTAN e do Golfo Persa fazem hoje guerra na África. A Europa? Provinciana demais. O Globalcop já deu as costas à Europa. 

No duplifalar oficial do governo Obama, há ditadores que podem contar com “o braço dos EUA” – por exemplo, o Bahrain e o Iêmen. Esses podem relaxar e fazer, na prática, virtualmente o que bem entenderem. Quanto aos candidatos a “alteração de regime”, na África, no Oriente Médio e na Ásia, esses, abram o olho. O OTAN-Globalcop vai pegar vocês. Com negociatas e acordos sujos, ou sem.

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