sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Pepe Escobar: “Pronto para chegar, Mr. Xi?”


9/11/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Pepe Escobar
Entreouvido na Vila Vudu: Esse artigo informa sobre a opinião do jornalista sobre a sucessão na China. O autor fica, então, devendo OUTRO ARTIGO, dessa vez sobre a sucessão na China.
A revista The Economist não é, exatamente, fonte confiável de informação sobre questões chinesas. A revista The Economist só é fonte de informação confiável sobre a opinião da própria revista The Economist sobre questões chinesas.

ATENÇÃO: Abaixo, onde se lê que “os comunistas chineses creem nos princípios da teoria”, o original dizia que eles creriam nos princípios “da fé”. Ninguém chama a teoria comunista de “fé”, bem na cara de um coletivo comunista de tradutores, e espera submissão canina na tradução. Pois é. 


Exatamente como o seu predecessor Jiang Zemin, o presidente chinês Hu Jintao deve permanecer por mais dois anos, no mínimo, como presidente da toda poderosa Comissão Militar Central do Partido [AP]
Esqueçam o grande jogo, a demografia, a luta para levar eleitores às urnas, microataques de propaganda quase personalizada a cada eleitor, tentativas para suprimir direitos de eleitores, voto de minorias.

E esqueçam as filas às portas de incontáveis instalações eleitorais e urnas. Aqui, basta o Grande Salão do Povo, essa maravilha stalinista próxima à praça Tiananmen em Pequim.

Sim, são eleições. E sim, elege-se o presidente. Mas que ninguém conte com Karl Rove e tipos assemelhados em surto pelo canal Fox/Falso News, recusando-se a render-se à matemática, só porque seu candidato cai pelas tabelas. Em vez de campanha multibilionária ao longo de multimeses, a campanha aqui é coisa de uma semana; e de um Congresso, nesse caso o 18º Congresso do Partido Comunista da China, do qual participam 2.270 delegados.

Xi Jinping
No final, haverá cerca de 370 tecnocratas eleitos para o Comitê Central. Quanto ao grande vencedor geral, ora... todo mundo já o conhece há meses: é o ex-vice-presidente (desde 2008) Xi Jinping, 59; semana que vem, será devidamente indicado para o posto de novo secretário-geral do Partido Comunista Chinês. E então, em março de 2013, o Congresso Nacional do Povo dar-lhe-á posse como novo Presidente da República Popular da China.

Mitt Romney mataria, para ter eleição semelhante. Xi simplesmente não tem opositor. Melhor seria dizer que não tem um único opositor identificável como tal. Segundo pesquisa do jornal Global Times, 8 de cada 10 chineses desejam algum tipo de reforma política, e o mais rapidamente possível; e quase 70% dos chineses desejam que o governo – e o Partido Comunista – sejam mais transparentes e prestem contas à sociedade civil.

É possível até que a mensagem da oposição seja ouvida. Mas sem confusão, em ordem. Na próxima 5ª-feira, como acontece a cada dez anos, serão conhecidas as novas nove caras do Comitê Dirigente do Politburo, além de Xi – são os verdadeiros governantes chineses. Todos os tiros devem tomar o rumo dessa Gangue dos Nove.  

Sabemos melhor o que fazer

Cai Mingzhao
Dado que o mundo inteiro já sabe quem é o próximo chefe, podemos ir diretamente à conferência de imprensa. Entra Cai Mingzhao, porta-voz oficial do 18º Congresso do Partido:

A China alcançou estágio crucial da construção de uma sociedade moderna e próspera em todos os aspectos, empreendendo abertura e reformas, e acelerando a transformação do padrão de crescimento.

Os forasteiros nada precisam saber além disso. Vale anotar que a realidade já encontrou modo sinistro para “acelerar a transformação do padrão de crescimento” – o crescimento chinês é o menor desde 2009. E pode piorar.

Bo Xilai
O Partido com certeza deu jeito de livrar-se do ex-superstar de Chongqing, a maior das maiores, Bo Xilai – o que foi feito mediante acusações de crimes imundíssimos contra a esposa dele. Depois de expulso, há dois meses, Bo agora enfrenta julgamento por acusações não especificadas relacionadas a abuso de poder, corrupção e falcatruas – como se nenhum outro membro do Partido, ao longo dos anos, jamais tivesse tido algo a ver com essas práticas.

Oficialmente, contudo, só transpirou o que Cai Mingzhao foi autorizado a dizer:

Problemas que envolvem Bo Xilai... são casos graves de corrupção entre os mais altos quadros de nosso Partido e outros e nos ofereceram lição profunda.

Na opinião de milhões de chineses, a lição mais parece ter sido outra: o populista Bo – comunista verdadeiro – foi expurgado pela gangue dos neoliberais que estão no poder.

Cai Mingzhao também falou ao mundo sobre “a firme decisão e atitude inequívoca do Partido, em defesa da integridade e contra a corrupção”. Como? Só poderia ser feito mediante reforma interna muito, muito ampla – e nada garante que haja coisa semelhante em andamento. Afinal, “a China alcançou realizações de desenvolvimento mundialmente reconhecidas. Essas realizações falam alto sobre a forte liderança (do Partido Comunista) e o fato de que o sistema político-partidário chinês acompanha e satisfaz a realidade nacional chinesa”.

Talvez sim, talvez não. Muito além do cinismo e da ansiedade, as ex-massas vermelhas estão cada dia mais irritadas com o nepotismo, a corrupção e a injustiça social – especialmente na blogosfera chinesa (e apesar da censura massiva; e apesar de Facebook e Twitter estarem bloqueados na China). A internet nativa ruge, para dizer o mínimo; a empresa Seina Weibo, de microblogs, já chega a 300 milhões de usuários. A rapaziada está absolutamente furiosa; já não aguentam mais.

Yuan Xucheng
Nuvens sinistras acumulam-se no horizonte [1]. Há três meses, relatório de pesquisa distribuído pela Sociedade Chinesa para Reforma Econômica [orig. China Society for Economic Reform, intitulado “Internal Reference on Reforms: Report for Senior Leaders” [Referência Interna sobre Reformas: relatório para os altos dirigentes] [2], assinado por Yuan Xucheng, destacava que, se o modelo – um tipo de “neoliberalismo com características chinesas” que continua enviesado na direção de empresas administradas pelo Estado (ou pelo Partido) e que está superturbinando a desigualdade social – não for alterado, haverá outra revolução.

Então, a Comissão de Desenvolvimento Nacional e Reforma – encarregada do planejamento econômico – chegou a conclusão espantosamente sucinta, mas bastante acurada: a China está “instável” no nível da base, “deprimida” no nível da classe média e “fora de controle” na cúpula. A reforma é imperativo absoluto. Sem ela, o “torvelinho social” baterá à porta.

De volta à luta de classes

Soluções para essas perspectivas sombrias vão de adotar taxas de juros mais “flexíveis” e menos controle sobre o setor financeiro – possibilidade a considerar – até manter tolerância absolutamente zero a qualquer dissidência – praticamente garantida. Tudo gira em torno da dinâmica ultracomplexa de um Partido que enfrenta erosão aguda da própria legitimidade, e de uma (improvável?) regeneração na direção de administrar os malefícios da desigualdade, entregando afinal real poder ao povo.

Mao Tse Tung
Nesse contexto volátil, a terminologia da “luta de classes” volta à vida com grande vigor. Mas a paranoia suprema ainda é a possibilidade de crise fiscal e financeira. Xi tem até 2022 para impedir que a China mergulhe no abismo de uma “armadilha de renda média” e estagnação sem fim. Seria o equivalente pós-tudo do temido luan (caos) de Mao Tse Tung.

Pelo menos oficialmente, já se reconheceu que a “década gloriosa” da China acabou. George Dubya Dábliu Bush permaneceu oito anos no poder nos EUA – com resultados cataclísmicos. Hu Jintao – conservador de estilo Republicano-duro-de-matar, com o carisma de um pepino fervido – teve dez anos. Seu legado não é exatamente magnífico, em termos de autoritarismo crescente, a desigualdade abissal que se espalha pela China, e o meio ambiente detonado como se não houvesse amanhã.

Na terminologia de Hu, sua “década gloriosa” tratou exclusivamente de construir “sociedade harmoniosa” – enfeitada com muito “desenvolvimento científico” e vastíssimo, amplíssimo desabrochar da “felicidade”. De fato, resume-se a “Nós sabemos fazer melhor. E não nos contradigam; afinal, temos poder e controle absolutos sobre tudo” – tipo o Partido, a polícia e a máquina de propaganda.

Manda-chuvas do Pentágono [3], atenção: o Partido gasta, sim, muito mais na implantação de imensa rede de repressão policial, que na Defesa. Eleições em qualquer vila chinesa, onde houvesse candidato independente em processo de ganhar popularidade, foram devidamente “descontinuadas”. E aí está o monstro: o Partido Comunista tem nada menos que 83 milhões de membros. Oposição organizada, que consiga alterar esse estado de coisas, só se vier em dimensões de Guerra nas Estrelas.

O homem da sino-mudança

Em termos absolutos, o currículo dos feitos de Hu é muito impressionante. Há dez anos, a economia chinesa era apenas ligeiramente maior que a italiana (falo de volume, não de qualidade da manufatura); hoje, é a segunda do mundo, com boas chances de ser a primeira ainda antes de 2020. A China já é a principal potência exportadora do planeta. Mas o PIB per capita chinês ainda mal chega a $5.400 (mesmo assim, é cinco vezes maior do que em 2002).

Hu Jintao
Com Hu, o Partido extinguiu impostos pagos por fazendeiros; e uma versão chinesa de Obamacare – “Hucare”? – alcançou 97% do interior do país, além de ter-se instituído um sistema muito simples de aposentadorias. No mínimo 95% de uma população de mais de 1,3 bilhão de pessoas tem hoje acesso a alguma modalidade de seguro-saúde. Sim, é verdade, há uma bolha imobiliária que pode explodir com consequências cataclísmicas – mas um investimento de nada menos que $800 bilhões gerou pelo menos 36 milhões de novas moradias iniciadas e construídas no boom da construção.

Hu sairá de campo, na foto da semana que vem, mas permanece lá. Sua rede continuará a comandar províncias inteiras e permanecerá nos principais postos burocráticos. Exatamente como o seu predecessor Jiang Zemin, o presidente chinês Hu Jintao deve permanecer por mais dois anos, no mínimo, como presidente da toda poderosa Comissão Militar Central do Partido. Há apenas quatro meses, em discurso crucial, Hu repetiu, mais uma vez, que, sem o Partido no timão, como “núcleo invencível na liderança do socialismo com características chinesas”, a China não vai a lugar algum.

Deng Xiaoping
Essa visão prevalecerá? Hoje, todos os olhos voltam-se para Xi. Os linha-dura chineses querem mais neoliberalismo e um toque de abertura política. Comunistas convictos, ora... Eles respeitam os fundamentos da teoria. E há a posição de Hu – cautelosa aplicação da famosa máxima de Deng Xiaoping, “atravessar o rio sentindo as pedras”. O problema é que Xi talvez enfrente o que mais parece uma avalanche de pedras.

Em matéria de suspense, não há o que reclamar. Xi talvez venha a ser o candidato da Esperança e da Mudança de que a China precisa. Talvez, assim, aprenda o que significa tratar cada eleitor como alvo específico de publicidade e propaganda.



Notas de rodapé

[1]  Vários artigos e reportagens sobre o tema em: China Society for Economic Reform

[2]  Sobre o relatório (briefing) , ver The Economist, 27/10/2012, em: China’s new leadership: Vaunting the best, fearing the worst”     

[3]  Orig. “Pentagon’s honchos”. Segundo o Urban Dictionary: honcho é alguém (em geral, um homem) encarregado de um grupo ou de determinada função. A palavra tem origem japonesa (nos EUA, supõe-se que venha do espanhol). Em japonês, designa gângster da Yakuza, mas sem conexões importantes, que comanda apenas alguns poucos homens. De fato, nos EUA, a palavra já perdeu praticamente todas as conotações com o submundo e pode ser traduzida, como aqui, como “manda-chuva”.  

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