quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Pepe Escobar: “Obama, o pivô”


22/11/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
O fabuloso Buda Reclinado em Wat Pho, Bangkok, [1] não subscreve, exatamente, as guerras de aviões-robôs armados, drones, nem “assassinatos predefinidos” – para nem falar de bombardear infraestrutura civil. O Buda, pois, deve ter ficado surpreso e confuso – para dizer o mínimo – quando o presidente Barack Obama, logo no começo de sua “pivoteação” galopante pelo sudeste asiático, e falando de Israel e Gaza, saiu-se com essa: “Nenhum país da Terra toleraria chuva de mísseis sobre seus cidadãos, vinda de fora das fronteiras”.

Imaginem o Buda em nirvana, generosamente supervisionando a triste paisagem desse vale de lágrimas e constando, porque seria impossível não constatar, que o mesmo Obama faz chover drones Hellfires sobre o Paquistão e o Iêmen, enquanto um dos assassinatos predefinidos, marca registrada de Israel – além de ilegal – matava, precisamente, um comandante militar do Hamás, Ahmed al-Jaabari, no preâmbulo da mais recente sessão de castigo coletivo que Israel inflige a Gaza.

Superobama
Chame de “Doutrina Obama” ou chame de o velho excepcionalismo norte-americano; por toda a rua árabe, o apoio de Obama à chacina obrada por Israel foi analisada lado a lado com o seguinte fragmento de sensível análise geopolítica saída da boca do filho de Ariel Sharon: “Precisamos arrasar, até não haver pedra sobre pedra, todos os bairros de Gaza. Gaza, no chão! Os norte-americanos não pararam em Hiroshima – os japoneses estavam demorando para se render. Então puseram abaixo também Nagasaki”. [2] Alguém pensou em “solução final?”.

Nem Obama – nem qualquer outro presidente dos EUA – admitiria a possibilidade de que Telavive vive de terrorismo de estado baseado em punição coletiva. Afinal, como Golda Meir disse um dia, “Esses tais de palestinos não existem”.

Isso torna ainda mais cômica a notícia de que a secretária de Estado Hillary Clinton teria sido mandada construir um acordo entre Israel e Hamás. O governo Obama não tem poder para garantir que seu aliado Israel cumpra qualquer promessa de cessar-fogo. Mas, claro, é preciso fazer algum acordo. E o principal negociador é o Egito, não os EUA; o Egito do presidente Mursi da Fraternidade Muçulmana (FM).

Desde o início Mursi soube que o primeiro-ministro de Israel, Bibi Netanyahu não bombardearia para sempre – crescendo, nos necrotérios, as pilhas de “danos colaterais”. Sabia que Bibi teria de retroceder, porque bombardear Gaza “até não deixar pedra sobre pedra” e bombardeio seguido de guerra em terra gerava risco real de não sobrar pedra sobre pedra em Israel, não só no terreno da opinião pública mundial mas, também, no terreno da geografia, mesmo, propriamente dita, de Israel.

Fraternidade Muçulmana
Já há semanas, o mantra incansavelmente repetido pelos conservadores e pela direita nos EUA é que a política de Obama para o Oriente Médio consiste hoje em beijar os pés da FM (Fraternidade Muçulmana). Ainda que se admita que Obama e seus assessores saibam negociar com a FM (o que absolutamente não é garantido, não, de modo algum), devem-se esperar resultados os mais ensandecidos. A Fraternidade Muçulmana está no poder no Egito: muito bem posicionada para assumir o poder também na Jordânia, aliada dos EUA; lidera hoje a nova oposição, oposição remixada, na Síria; e tem total apoio do Qatar. Como se não bastasse, o Hamás é, na essência, a Fraternidade Muçulmana no poder também em Gaza.

Considerando que o Qatar, cautelosamente, preferiu sentar na última fila, nos trabalhos para resolver o drama em Gaza (porque teme antagonizar Israel), Washington teve de confiar no Egito. Quanto a Mursi, sabia que, se não tomasse distância segura dos EUA, na negociação de algum acordo, a rua egípcia lhe cobraria contas e se vingaria nas próximas eleições parlamentares. E só Mursi tinha suficiente margem de manobra para dançar em torno do objetivo supremo do Hamás – que é romper por bem o bloqueio físico e econômico (além de ilegal) que Israel impõe em Gaza.

Mohamed Mursi
E há também a Síria, caso mais estranho a cada minuto. O conselho da oposição remixada é operação conjunta de EUA e Qatar. O próprio Obama, em sua primeira conferência de imprensa depois de re-eleito disse que queria uma oposição “comprometida com uma Síria democrática, uma Síria inclusiva, uma Síria moderada”. Nada disso jamais apareceu na agenda de Doha – para nem falar de Riad.

Qual terá sido a reação de Obama, ao ser informado de que as gangues do Exército Sírio Livre absolutamente não aceitam e descartam o novo Conselho Nacional Sírio – cujo líder, vale lembrar, acha que Facebook é complô do mal armado por EUA/Israel? Pois as gangues declararam que querem “estado islâmico justo”. Tradução: fodam-se Qatar e os EUA; preferimos a via saudita medieval.

A única coisa certa é a seguinte: nos próximos meses será rotina assistir a Obama na luta para conseguir pivotear-se para bem longe dessa confusão, rumo ao Pacífico Asiático.

O mar congestionado de peixes/Too many fish in the sea  [3]

O que nos leva ao destino final de tanta pivoteação: a China.

A leitura que Pequim faz de toda essa conversa de pivô e pivoteação é papo reto. A Guerra Fria voltou – e a nova ameaça vermelha (amarela?) é a China. O governo Obama não tem nada a fazer intrometendo-se em disputas no Mar do Sul da China. Com o Império do Meio crescendo rumo ao posto de principal potência – primeiro econômica, em seguida também política – do mundo (o que virá, inexorável como a morte e os impostos), todo o sudeste asiático preferirá a integração, em vez da confrontação.

Comparem-se isso e a posição – de fato, é cômica – de Obama, o qual, primeiro passo, já começou por aumentar o nível de tensão, ele e sua pivoteação pelo mundo; e agora faz pose de apaziguador benigno de tensões, envolvendo China, Taiwan e mais quatro nações do sudeste asiático no seu tour galopante de pivoteamento frenético.

Países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático)
É. A luta já começou. Afinal, estão em jogo quantidades imensas de petróleo e gás por explorar. Pequim só aceita negociações bilaterais. As Filipinas – que seguem a orientação dos EUA – querem internacionalização. O Camboja – na essência, colônia econômica chinesa – anunciou, durante reunião de cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático [ing. Association of Southeast Asian Nations (ASEAN), que todos os membros discutirão o Mar do Sul da China com a China, negociações bilaterais. As Filipinas – que fala de um “Mar das Filipinas Ocidentais” – disse que “Esqueçam!” Nesse ponto, a ASEAN e Pequim só conseguirão um “código de conduta”. Vai demorar. Mas é inevitável.

Obama reuniu-se com o premiê chinês que se vai, Wen Jiabao, a quem disse que EUA e China “devem estabelecer regras claras de percurso” para comércio e investimento. Sem dúvida é mais civilizado que Mitt (Quem?) Romney prometendo deflagrar uma guerra comercial/monetária contra a China, no dia da posse na presidência. Não há qualquer registro de que Wen tenha mencionado, na conversa com Obama, a tal de pivoteação.

Wen Jiabao e Barack Obama (dez/2009)
Assim, sendo, afinal, quero dizer... O que Obama andou fazendo em seu tour galopante pelo sudeste asiático? Para horror dos excepcionalistas norte-americanos de todas as tendências, Obama, por lá, de fato, só fez exportar empregos norte-americanos.

Obama partiu em ofensiva carismática, para expandir para o maior número possível de nações asiáticas, um negócio tipo Acordo Norte-americano de Livre Comércio, hoje conhecido como a Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)]. Essa TPP é mais uma sensacional ferramenta a serviço das corporações norte-americanas – além de ser mais um prego no caixão da manufatura norte-americana. Funcionários do governo Obama suaram a camisa para implantar na imprensa a ideia de que a TPP seria ferramenta para facilitar a pivoteação de Obama, em termos de “conter” a China. Na contramão, a própria Hillary Clinton anunciou que adoraria que a China fosse parte da TPP.

Pivô? Pivoteação? Pivoteamento? Pivotearia? Não acreditem no conversê. É tudo, só, business.




Notas de rodapé

*Pivô [orig. Pivot]. No basquete e no futebol de salão, jogador que joga frequentemente de costas para a cesta ou para o gol do adversário, para receber a bola e finalizar a jogada ou servir os outros jogadores de sua equipe” (Dicionário Houaiss) [NTs]

[1] Veem-se imagens a seguir: [NTs].


[2] 18/11/2012, Jerusalem Post, Gilad Sharon em: A decisive conclusion is necessary  

[3] Título e verso de canção gravada pelo conjunto “The Marvelettes”, na gravadora Motown, em 1964. Vídeo a seguir [NTs]:
 

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