segunda-feira, 15 de abril de 2013

A derrota de Washington contra Cuba e Venezuela


14/4/2013, Nikolas Kozloff, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Nicolás Maduro, eleito presidente da Venezuela
Se as pesquisas estiverem corretas, Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chavez, provavelmente derrotará a oposição nas eleições deste domingo (14/4/2013), o que garantirá e firmará ainda mais os laços entre Cuba e Venezuela. É resultado que causará patético desapontamento em Washington, que há 40 anos só faz tentar impedir que essa aliança prospere.

Prova da paranoia dos EUA contra Cuba, encontra-se facilmente nos chamados “Arquivos Kissinger”, telegramas importantes do Departamento de Estado tornados acessíveis à opinião pública, mais uma vez, pela organização WikiLeaks [orig. Kissinger files, 1,7 milhão de telegramas, acessíveis para pesquisa em  (NTs)]. A correspondência, com datas de 1973 a 1976, mostra a obsessão de Henry Kissinger, ideia fixa, com pôr Cuba sob cerco fechado, em quarentena, mantida à maior distância possível dos EUA.

No final de 1973, diplomatas norte-americanos já manifestavam preocupação com os movimentos da Venezuela para pôr fim ao isolamento diplomático de Cuba; estavam especialmente preocupados com a possibilidade de que Caracas “organizasse a maioria, na Organização dos Estados Americanos, OEA, para aprovar resolução permitindo o restabelecimento de relações com Cuba”. Ainda em 1973, Washington também estava muito perturbada com relatórios de que navios venezuelanos haviam partido rumo a Cuba, para receber grandes carregamentos de açúcar. Diplomatas dos EUA consideravam a ideia de cortar qualquer ajuda a Caracas, como retaliação.  

Nikolas Kozloff
Esses desenvolvimentos não assustavam só o Departamento de Estado; exilados da direita anticastro também se agitaram. Segundo a Embaixada dos EUA em Caracas, os exilados estavam “apavorados” ante a possibilidade de o COPEI, partido então no poder na Venezuela, viesse a restabelecer relações com Cuba.

Em movimento claramente golpista, os exilados planejaram publicar anúncios de página inteira em vários jornais, contra o governo do COPEI. Na esperança de castigar o COPEI nas urnas, grupos de exilados anticastristas apoiaram o partido Ação Democrática (AD), na eleição presidencial de 1973. Como a embaixada observava,  aquele apoio revelara-se decisivo, quando “empresários cubanos-venezuelanos altamente influentes, apoiados em dinheiro cubano-em-Miami” ajudaram o candidato da AD, Carlos Andrés Perez (referido várias vezes, nos telegramas, como “CAP”), a chegar à vitória eleitoral.

A ascensão de “CAP”

Carlos Andrés Pérez
Mas se Kissinger ou os exilados cubanos esperavam que Perez seria facilmente manobrável para aceder aos planos deles, acabariam tristemente desapontados. A história não tem sido generosa com Carlos Andrés Perez, sobretudo por causa de seu segundo e desastroso mandato, de 1989 a 1993, período durante o qual o veterano político seguiu à risca os diktats do Fundo Monetário Internacional (FMI), a ponto de levar a Venezuela à beira o colapso social.

Mas, em sua primeira encarnação, nos anos 1970s, Carlos Andrés Perez foi visto como nacionalista e não raras vezes incluído entre os grandes personagens políticos do circuito do Terceiro Mundo. Entre 1974 e 1979, durante o primeiro mandato presidencial, Andrés Perez nacionalizou empresas de petróleo norte-americanas e construiu programa com investimentos massivos em projetos sociais. 

Em carta dirigida a Kissinger em Washington, o embaixador dos EUA em Caracas protestava que a Venezuela “tem hoje força econômica e a liderança política de CAP para fazer valer sua vontade bem além das próprias fronteiras”. E o diplomata acrescentava:

A crise de energia e a vitória eleitoral do presidente Carlos Andrés Perez em dezembro de 1973 coincidiram e, juntos, os dois fatores alteraram a percepção que a Venezuela tem dela mesma e de seu papel mundial.

Henry Kissinger
Exatamente como Chávez cerca de 20 anos depois, CAP estava “emergindo rapidamente como figura de proa no hemisfério”. Servindo-se dos altos preços do petróleo, CAP havia convertido a Venezuela em grande distribuidora internacional de ajuda para o desenvolvimento. Pessoalmente, o embaixador dos EUA temia que Andrés Perez já estivesse “grande demais” para ser contido localmente, dado que o jovem político “está-se convertendo, rapidamente, em porta-voz da América Latina para todo o mundo em desenvolvimento, ocupando o lugar de nações desenvolvidas, especialmente dos EUA”.

Lendo os Arquivos Kissinger, somos tomados por uma inacreditável sensação de déjà vu. Se se leem aqueles telegramas paranóicos, do discurso paranóico dos norte-americanos, tem-se a impressão de que aqueles diplomatas não falam de algum Andrés Perez, mas do carismático presidente Hugo Chávez. De fato, essa equivalência quase absoluta só faz demonstrar que Washington sempre fez feroz oposição a qualquer político nacionalista que emergisse na Venezuela, sobretudo se ameaçasse, fosse como fosse, as prioridades dos EUA no Caribe. O que mais temiam – os diplomatas norte-americanos e os exilados anti-Castro – era que Andrés Perez usasse seu recém descoberto peso diplomático, para aproximar-se de Fidel Castro.

Aumenta a pressão contra Cuba

Em maio de 1974, o embaixador dos EUA em Caracas chamou às falas o ministro de Relações Exteriores da Venezuela, exigindo explicações sobre matérias de jornal que noticiavam que a Venezuela desejava importar açúcar cubano. O embaixador dos EUA relata que disse ao ministro que “teria prazer em examinar novos meios e modos para conseguir açúcar para a Venezuela, importado de outros países, não de Cuba”. Desafiador, o presidente Andres Perez respondeu que “pretendemos prosseguir nessa linha de trocas comerciais, inclusive a troca de arroz venezuelano por açúcar cubano”. Claro que, no início de 1975, a embaixada dos EUA em Caracas já sabia que havia um navio carregado de arroz venezuelano num porto local, que logo partiria rumo a Cuba.

Muito mais grave que isso: a embaixada dos EUA em Caracas estava à beira do pânico, ante a possibilidade de que Andrés Perez começasse a embarcar petróleo para Cuba, caso fossem levantadas as sanções impostas OEA. Os soviéticos já davam sinais de querer reduzir a dependência cubana do petróleo transportado diretamente da URSS, e Perez, de fato, já dissera, em comentário privado, que Moscou o estava “pressionando” para que embarcasse petróleo para a ilha comunista. No final de 1976, Andres Perez deu um passo adiante, depois de viagem à URSS, ocasião em que fechou um negócio de exportação de petróleo para Cuba.
Venezuela reatou relações diplomáticas com Cuba em 1976. Carlos Andrés Pérez (E), Fidel Castro (C) e Felipe González - PM da Espanha na época (D)

No front diplomático, Andrés Perez assustou muito os EUA, quando reatou relações com Cuba. Em Caracas, os cubanos inauguraram sua nova embaixada, e sabia-se que o pessoal diplomática incluía cinco conhecidos especialistas em inteligência. A agência cubana de notícias, Prensa Latina, expandia simultaneamente suas atividades na Venezuela. Em Washington, Kissinger dava sinais cada vez mais claros de alarme, preocupado com a possibilidade de a Venezuela e outras nações solidárias a ela agirem para remover as sanções da OEA contra o regime cubano. O secretário de Estado imediatamente instruiu a equipe para que adiasse qualquer votação nesse sentido, na OEA. Andrés Perez não se deixou intimidar. Em novembro de 1974, organizou uma conferência da OEA em Quito. E, quando não obteve o número necessário de votos, dirigiu sua indignação diretamente à embaixada dos EUA: disse que Washington chantageara vários países, para que se abstivessem ou votassem contra a iniciativa da OEA. 

Andrés Perez reage ao ataque de Posada

Talvez ingenuamente, Andrés Perez disse a diplomatas dos EUA que tinha interesse em converter-se numa espécie de “ponte” entre Washington e governos latino-americanos pouco amistosos. Privadamente, funcionários norte-americanos relataram que a Venezuela, “grande fornecedora de petróleo para os EUA” era “importante demais para que se crie qualquer relacionamento adversário entre os dois países”. “Se escolhermos combater abertamente a maior unidade latino-americana” – escreveu o embaixador dos EUA – “os EUA expõem-se ao risco de arranhar seus mais altos interesses na Venezuela, agravando suas relações no hemisfério”.

Fossem quais fossem os sentimentos no Departamento de Estado, a CIA tinha outros projetos em mente. Ainda furiosos com a traição de Andrés Perez, cubanos anti-Castro organizaram um golpe contra a ilha. Uma das figuras centrais foi o cubano de nascimento, Luis Posada Carriles, há muito tempo colaborador da CIA. Nos anos 1970s, Posada mudou-se para a Venezuela, para supervisionar as operações de espionagem dos EUA. É considerado responsável pelo pior ataque terrorista no hemisfério até então, um ataque contra o avião que fazia o voo 455 da empresa Cubana, que partiu de Caracas em rota para Cuba em outubro de 1976. Pouco depois de partir de uma breve escala em Barbados, o avião explodiu em pleno ar, matando os 73 passageiros a bordo.


Oficialmente, Posada já não estaria a serviço da CIA no momento desse atentado; teria deixado a agência em julho. Jamais se encontrou qualquer prova de que a CIA é diretamente responsável pelo atentado, mas inúmeras circunstâncias sugerem fortemente que Posada teria avisado antecipadamente a agência, de que haveria uma explosão naquele voo. Mas, em Caracas, o governo de Andrés Perez começava a suspeitar de que os EUA tivessem participação ativa em tudo aquilo. Desqualificando como “propaganda” os protestos dos cubanos, contra as ações de desestabilização coordenadas pelos EUA, os diplomatas norte-americanos asseguraram aos venezuelanos, embora sem os convencer, que “não havia qualquer conspiração pra desestabilizar coisa alguma”.

Apesar das muitas denúncias de corrupção que circulavam contra seu governo, Andrés Perez ainda tinha credibilidade suficiente para concorrer a um segundo mandato como presidente, em 1988. Com plataforma nacionalista contra a Ação Democrática, Andrés Perez foi reeleito. Imediatamente, contudo, mudou de rumo e direção e passou a adotar políticas pró-EUA, impulsionadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 1992, Andrés Perez enfrentou tentativa de golpe militar, comandado por Hugo Chávez e outros. Chávez foi preso. Poucos anos depois, foi eleito presidente e democraticamente reeleito em 1998. Com Chávez, afinal, o sistema bipartidário corrompido de Ação Democrática e COPEI foi desmontado.

Hugo Chávez
Ironicamente, embora Chávez tenha construído toda sua carreira política criticando os excessos de Andrés Perez, o ex-militar construiu política externa muito semelhante à do primeiro governo de Perez, a favor de abrir relações com Cuba e muito desafio retórico contra os EUA. Nisso, com certeza, Washington só conseguiu piorar as coisas para ela mesma, sempre que trabalhou para derrubar Chávez. Só conseguiu empurrar a Venezuela para laços cada vez mais firmes e profundos, com Cuba. Essa, sem dúvida, é a principal impressão que fica, da leitura da vastíssima correspondência diplomática distribuída pela organização WikiLeaks, no evento conhecido como “Cablegate”.

De Andrés Perez a Chávez

Dando andamento à abertura que Andrés Perez iniciara nos anos 1970s, Chávez inaugurou linhas comerciais regulares, além de voos militares, entre Cuba e a Venezuela. Noutro movimento, mais profundo, ampliou a influência cubana também nos portos da Venezuela. Ainda mais importante, Chávez tornou-se tão ligado aos irmãos Castro que usava diretamente a informação que lhe chegava da inteligência cubana, em alguns casos vetando, inclusive, relatórios dos próprios serviços de inteligência da Venezuela. Com as relações diplomáticas melhorando entre Venezuela e Cuba, os contatos do governo com a Embaixada dos EUA em Caracas entraram em queda livre.

Os telegramas distribuídos pela organização WikiLeaks expõem também com muita clareza um esquema que levou a Venezuela a trocar petróleo venezuelano por assistência médica prestada por profissionais cubanos. Eco, provavelmente, de aberturas iniciadas também por Andrés Perez, Venezuela e Cuba também trabalham associadas hoje num canal de televisão, que distribui noticiário para todo o hemisfério, Telesur. E, como se ainda faltasse alguma coisa, os EUA desconfiam que Cuba ofereceu know how altamente especializado de comunicação, além de tecnologias, para expandir a base nacional de registro de eleitores.

Espantosa ironia é que, até hoje, o caso Posada ainda seja apresentado como “produtivo” pela inteligência dos EUA, dado que só serviu, se serviu para alguma coisa, para aproximar ainda mais Cuba e Venezuela. Na verdade, os dois países já tentaram obter a extradição de Posada, que atualmente reside abertamente em Miami. Na recente campanha presidencial, Maduro, candidato indicado por Chávez, denunciou que Posada estaria ligado a um grupo de mercenários que trabalhavam para assassiná-lo. 

Se se examinam os 40 anos passados, durante os quais Washington não fez outra coisa além de tentar impedir que prosperasse uma aliança que começou muito frágil, entre Cuba e Venezuela, a sensação que se tem é de amplo, profundo, vastíssimo desperdício de trabalho diplomático e político, para nem falar das muitas ações do Departamento de Estado que só podem ser definidas como moralmente pervertidas.

De Kissinger a WikiLeaks, o que se vê é que a campanha contraproducente que os EUA movem contra Cuba e a Venezuela só conseguiu inflar cada vez mais a opinião pública contra os EUA. Tornou a Venezuela muito mais firmemente nacionalista, já quando Chávez apareceu no cenário, nos anos 1990s.

Agora, com a muito provável eleição de Maduro nas eleições presidenciais, o que acontecerá é que os laços entre Cuba e Venezuela se aprofundarão cada vez mais. E mais uma vez se comprovará o absoluto, total fracasso, no mínimo a completa falência, da política externa dos EUA, já documentada, desde Kissinger.



Um comentário:

  1. sí, pero esos h de p que intentan comandar el mundo lograron subir el porcentaje de votantes antichavistas, en sólo unos meses.

    claro que además de los millones que invierten para eso, primero liquidaron a Chávez...

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