sábado, 30 de julho de 2011

Ainda existe um “modelo chinês”?

30/7/2011, Fórum do Povo, People’s Daily, Pequim –
 Entrevista: Primeira Parte
Traduzida pelo Coletivo da Vila Vudu


O filósofo ocidental Hegel disse que “há duas lógicas no mundo. Uma é a lógica do mundo; a outra é a lógica da China”, e parece que hoje já há consenso em torno da ideia de que o modelo chinês seja único – razão pela qual é chamado de “modelo chinês”. Mas há quem discorde: ainda que algum dia tenha existido algum modelo chinês, será que sobreviveu até hoje? Esse é o tema de um interessante “ping-pong”, de perguntas e respostas entre um professor chinês e alguns estudiosos ocidentais que se interessam pela China.

Pan Wei - Cientista Político chinês

David Cohen conversa com Pan Wei, cientista político da Universidade de Pequim, autor de vários livros sobre “o modelo chinês”. Essa é a primeira parte de uma entrevista em colaboração com Lowy Interpreter, nosso site parceiro.

Will Millard pergunta: O tradicional sistema imperial de exames foi essencial para identificar as elites, na antiga China. Que papel teve a educação, para combater a corrupção na China moderna?

Pan Wei responde: Como na China tradicional, a China moderna continua competente para identificar pessoas capazes e formadas por bons princípios morais. Uma vez que não há clivagens sociais na China – não, com certeza, no sentido de clivagens fixas, demarcadas e insuperáveis –, a sociedade chinesa é como grãos de areia espalhados numa grande superfície. Tem de haver meios pelos quais alguns desses cidadãos cheguem ao governo, para se encarregarem das tarefas do governo, e têm de ser os melhores, os que mais se destaquem na vida social.

Há três critérios para identificar e selecionar nossas elites: primeiro, são selecionadas ideologicamente; depois, organizacionalmente, porque todos passam por esse sistema meritocrático. Em todos os casos, para cada seleção há um exame; ninguém é promovido, sem ser avaliado. E em terceiro lugar, nossas elites são avaliadas também no exercício do governo, dentro do grupo governante: têm de demonstrar competência no que fazem; e têm de demonstrar competência na aplicação das políticas que lhes cabe aplicar, nas diferentes regiões do país. Desse modo, a China consegue ter elites avançadas politicamente e organizacionalmente; e são elites, se não uniformes, com certeza qualificadas, numa seleção que não visa a ser neutra. O conceito de “neutralidade” não é adequado no caso do governo chinês, porque a sociedade chinesa não é dividida em classes.

Pamela Hunt pergunta: O senhor não acha que as reformas capitalistas foram longe demais na China?

Pan Wei responde: Entendo que as reformas que a China está empreendendo tiveram etapas diferentes, ênfases diferentes e visaram a diferentes objetivos, mas em todos os casos, o objetivo sempre foi ter e manter um país forte, com população saudável. Isso nunca mudou.

Antes da reforma, a China enfatizou a igualdade, contra o passado de 100 anos de guerra e desigualdade. Depois, foram três décadas do esforço para construir a igualdade social. Na última década, esse esforço esgotou-se, ele mesmo; foi de 1970 a 1980, quando o povo passou a exigir mais eficiência e mais bens de consumo, o que obrigou a China a buscar eficiência na produção. E o modelo tomou essa direção.

Nos últimos 30 anos, enfatizamos a eficiência, quer dizer, eficiência de mercado. E na última década, a desigualdade tornou-se um problema na população, sobretudo em termos de renda, moradia, assistência médica e aposentadorias. Por isso, hoje, a nova ênfase está aplicada em reconstruir a igualdade.

Meg He pergunta: Gostaria de saber sua opinião sobre o papel dos serviços financeiros e bancos, numa economia socialista de mercado.

Pan Wei responde: Entendam que é socialismo, ou não, o sistema bancário chinês está, predominantemente, sob controle do estado. Os chineses comuns têm ações, adquiridas na bolsa de valores; e também há ações que pertencem a estrangeiros. Mas o controle acionário é do estado chinês. Assim, em boa medida, todo o sistema financeiro está sob controle, ou pode ser influenciado pelo estado.

Que se aceite esse sistema como socialista, ou não, é outro problema, mas o estado chinês está decidido a preservar e manter alguns meios de micro controle. Nesse caso, o que o estado chinês deseja é evitar “quebradeiras”, sobretudo nas áreas financeiras, e impedir que o sistema bancário se torne alienado – quero dizer: impedir que o sistema bancário se torne um animal econômico autônomo, que passe a trabalhar mais para ele próprio do que como instrumento da economia real, instrumento de uma política econômica.

Ellen Goodman pergunta: O “modelo” chinês considera a possibilidade de instituir um sistema judiciário independente, cujos membros não sejam indicados pelo Partido Comunista, com poder e jurisdição para decidir questões legais?

Pan Wei responde: Aí há, de fato, duas questões diferentes: a imprensa ocidental interessa-se mais por independência do judiciário como meio para controlar o Partido Comunista na área política. Em minha opinião, não se preserva nenhuma independência do judiciário só por tentar separá-lo artificialmente da luta política. Só se preserva a independência do judiciário se o judiciário for blindado contra a interferência das disputas nos negócios.

A China já está conseguindo construir seu judiciário cada vez mais independente, no plano técnico, como, por exemplo, nas disputas econômicas. Nossos juízes estão-se tornando cada vez mais profissionais e independentes no campo técnico; assim, são cada vez menos influenciados pelo estado. Com isso estamos alcançando o que mais nos interessa: que o sistema judiciário chinês seja altamente confiável para investidores, empresários e comerciantes.

Lena Schipper pergunta: Em sua opinião, o sistema político chinês pode ser exportado para outros países?

Pan Wei responde: Acho que não, porque as estruturas sociais são diferentes. Também não acho que o modelo anglo-saxão seja exportável – além do fato de que o sistema político anglo-saxão, hoje, já enfrenta fracassos muito graves. Em todos os casos, tudo depende das condições da sociedade. Numa sociedade como a da Tailândia, com agudas divisões entre a sociedade rural e a sociedade urbana, seria perigoso tentar aplicar o sistema chinês. Também em alguns países da América Latina, com sua feroz divisão de classes. Numa sociedade tribal, o princípio da maioria não se aplica. Mas na China, não há clivagens sociais.

A China é única, em termos de não haver clivagens sociais. Acredito que cada país é único, à sua maneira. E a China, sim, me parece ser realmente o único país que não tem clivagens sociais demarcadas e estabilizadas. Os pobres identificam-se com os ricos, ou partilham, com os ricos, o desejo de não ser pobres; e os ricos identificam-se com os mais pobres, os cidadãos comuns. Nesse sentido, sim, a China é única, ou no mínino, não se vê outro país como a China. Além do mais, os ricos só enriqueceram nos últimos 20 anos. Há poucos ricos e há muitas famílias de pessoas comuns, cujo padrão de vida é mediano.

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