domingo, 17 de julho de 2011

Neoliberalismo no cobre e na mídia


Publicado em 17/07/2011 por Mário Augusto Jakobskind

Mais uma vez o Chile está na ordem do dia em função de uma greve dos trabalhadores das minas de cobre, a primeira em 18 anos. O objetivo é evitar a privatização do setor e nesse sentido os sindicalistas estão mobilizados porque, apesar das negativas dos representantes do governo Sebastián Piñera, a privatização pode estar mesmo a caminho. Piñera é um neoliberal e segue a cartilha do Estado mínimo, no caso chileno visando o aprofundamento do que se iniciou na era do ditador Augusto Pinochet com os Chicago boys, os economistas defensores do enfraquecimento do Estado.

A Concertación, que reunia democrata-cristãos e socialistas e que governou desde o fim da ditadura até a posse de Piñera, não mudou a economia, que seguiu as diretrizes traçadas na época da ditadura, tornando o Chile o país preferido pelos defensores do Estado mínimo. Fernando Henmrique Cardoso que o diga.

Piñera é bastante paparicado pela direita latino-americana e tem a preferência do Departamento de Estado, que acredita ser o seu governo um exemplo a ser seguido. Piñera não faz por menos e volta e meia procura criticar duramente modelos do gênero bolivariano. Para o Presidente chileno e para o Departamento de Estado, as experiências que estáo sendo adotadas na Venezuela não vão dar em nada e coisa e tal.  Segue a cartilha.

No caso da estatal chilena Codelco, a greve atinge cinco mineradoras e o escritório central da empresa, pois os trabalhadores não têm dúvida de que às escondidas o governo prepara a entrega da maior mineradora de cobre do mundo para as empresas privadas.

Governos do gênero Piñera, bem como outros de triste memória, inclusive aqui no Brasil, como o de Fernando Henrique Cardoso, incutiram na opinião pública a idéia de que as privatizações em todos os setores melhoriam a vida da população. O conto da privatização deu no que deu e em muitos países, como na Argentina, por exemplo, algumas delas deram tão errado que o Estado teve de voltar a comandar, como no caso da empresa aérea Aerolineas Argentinas.

Da mesma forma que certos governos insistem nas privatizações, inclusive adotando estratégias de sucateamento de empresas para serem entregues à iniciativa privada, na área midiática estão a ocorrer transformações sobretudo em países onde o povo tem tido maior participação e a democracia deixa de ser formal para se tornar participativa.

Destaca-se neste momento o que vem ocorrendo na Bolívia. No país vizinho, a lei de Telecomunicações, aprovada em 1997, ou seja, em plena era neoliberal, está com os dias contados. O Parlamento aprovou no último dia 12 uma mudança na legislação que visa beneficiar o conjunto da população, que resultará o fim dos latifúndios midiáticos.

No período de predominância do esquema neoliberal a legislação midiática fez desaparecer do setor as emissoras sindicais, que eram as únicas opositoras dos governos. Os legisladores, que representavam em sua maioria grandes interesses econômicos, inclusive da mídia, concederam licenças para grandes empresas por 20 anos. Em 2017 as concessões deveriam se encerrar.

A frequência do espectro radioeletrônico será dividido pela nova legislação entre o setor privado e público, que ficarão com 33% cada um. As rádios comunitárias, os povos originários (indígenas, ou seja, mais de 60% da população boliviana) e os camponeses caberão 34% da frequência.

Para se ter uma idéia, atualmente 98% do espectro estão com o setor privado, daí a  denominação de latifúndio midiático, que propociona poder político para manipular a opinião pública. A mudança que o Parlamento começa a discutir objetiva exatamente reverter este quadro absolutamente pouco democrático, não apenas no setor radiofônico como também no de canais de televisão.

A Bolívia está sob o domínio de três redes de televisião, que fazem uma feroz oposição às transformações por que passa o país. Agora, diante deste quadro, não percam por esperar matérias na mídia de mercado de toda a América Latina denunciando que a liberdade de imprensa está ameaçada no país governado por Evo Morales.

O exemplo boliviano serve perfeitamente para ilustrar o que vem ocorrendo em outros países onde os grandes proprietários de veículos de comunicação, acostumados ao lucro fácil e se julgando cidadãos acima de qualquer suspeita, inclusive das mudanças na legislação, acreditam que o que estava vigente em outros tempos é imutável.

É importante os brasileiros tomarem conhecimento do que acontece nos países vizinhos, para inclusive não se deixarem enredar por campanhas midiáticas que visam apenas perpetuar um estado de coisas que nada tem a ver com a liberdade de imprensa, mas sim com a liberdade de empresa.

Podem crer que empresários que atuam na Bolívia, entre eles o croata Ivo Kuljis Fütchner, sócio do ex-Presidente neoliberal Gonzalo Sánchez de Lozada e outros menos votados, vinculado ao setor financeiro, rede de supermercados, frigoríficos e indústria pecuária, para não falar da exportação de soja, vão botar a boca no trombone na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), entidade defensora incondicional dos grandes negócios midiáticos nas Américas.

No Brasil, as mudanças que se fazem necessárias na área midiática serão (já estão sendo) também objeto de oposição ferrenha dos big-shots do setor. E isso mesmo que não tenham a profundidade do que os deputados decidiram na Bolívia. Quem viver verá!

Em tempo: Uma dúvida que merece resposta, qual o motivo  de uma hora para a outra terem sido suspensos os depoimentos sobre o período da ditadura que eram apresentados depois da novela Amor e Revolução? Não existe mais censura no Brasil, mas pelo visto a autocensura continua.  Por que ninguém explica?

Mário Augusto Jakobskind
É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE

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