sábado, 30 de julho de 2011

Pepe Escobar: “O fascínio do Afeganistão”

Pepe Escobar

29/7/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Catar
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


Potências asiáticas disputam politicamente as reservas minerais e construção de oleodutos estratégicos enquanto os EUA/Europa via OTAN bombardeiam o Afeganistão.
O Afeganistão contém enorme riqueza mineral e de pedras preciosas, como esmeraldas
[GALLO / GETTY]
  
Poucos vêem o Afeganistão como um Santo Graal dos minérios.

Mas a verdade é que, no Hindu Kush, repousa inexplorada uma riqueza de entre 1 e 3 trilhões de dólares em minérios. Há ali urânio, lítio, cobre e ferro suficientes para converter o Afeganistão em uma usina de commodities 

O Pentágono sabe de tudo [1] – e como não saberia? E os russos também sabem de tudo desde, no mínimo, os anos 1970s, quando mapearam todas as jazidas de urânio do norte do Afeganistão. 

É possível que Washington tenha as mais complexas razões geopolíticas e de energia para permanecer no Afeganistão – como comentei em outro artigo para Al-Jazeera  [2] que gerou muitas respostas dos leitores.  

Por seu lado, Islamabad continua obcecada, insistindo em ver o Afeganistão como satrapia manipulável. Mas a situação torna-se muito mais suculenta, se se observam outros atores chaves na Eurásia, como Rússia, Índia e China e suas próprias razões, não-Pentagonizadas, para quererem chegar àquele Walhalla dos minérios.

Negócios, ok. Bombas, não! 

No início do próximo mês começa em Kabul uma guerra crucial, em forma de concorrência-leilão. Tem a ver com o Hajigak, onde estão as maiores jazidas de ferro do mundo, localizadas na região central do Afeganistão (são pelo menos 1,8 bilhões de toneladas, segundo estimativa dos russos, nos anos 1960s). Ao som dos rugidos de previsível insatisfação dos Talibã, todas as 15 empresas que se apresentaram à concorrência são indianas – entre elas as gigantes Tata Steel e JSW, a terceira maior empresa privada de produção de aço da Índia.

Um Afeganistão estável, acolhedor para os grandes negócios, é absolutamente essencial para a Índia – ponto de passagem de petróleo e gás que vem do Irã, da Ásia Central e do Cáspio. A Índia está construindo usinas e estradas estratégicas, como a que ligará o Afeganistão ao porto iraniano de Chahbahar.

Poucos sabem, provavelmente, mas nem só a África é objeto de feroz ‘guerra’ comercial entre Índia e China. O Afeganistão também é tabuleiro em que se disputam prêmios importantíssimos. No horizonte afegão, há cinco tipos de riquezas minerais – ouro, cobre, jazidas de ferro e, inevitavelmente, petróleo e gás – e indianos e chineses estão, todos, de olho nelas.

A China Metallurgical Corporation já comprou a mina de cobre Aynak em Logar, sudeste de Kabul –, por $3,4 bilhões. Por quê? Porque as empresas ocidentais dormiram no ponto (ou lá ficaram, presas na paranóia da “segurança”); porque os chineses não perdem tempo; e, segundo o Ministério de Minas do Afeganistão, “por causa do pacote dos chineses” (no estilo típico dos chineses, incluíram no negócio a construção de uma estrada de ferro de $6 bilhões, que ligará o norte do Afeganistão, o Uzbequistão e o Paquistão, à China ocidental).

Kabul receberá mais de $350 milhões por ano, em royalties. Serão criados pelo menos 5 mil novos empregos, além dos benefícios (clínicas médicas, estradas e escolas). É possível que a segurança seja problema gravíssimo; há guerra por ali, e estradas seguras são miragem. Mas, como os afegãos já fartos de guerra não se cansam de dizer, já é um começo.

As vias comerciais, no Afeganistão, correm paralelas às vias políticas.

O presidente paquistanês Asif Ali Zardari visitou duas vezes Teerã, em apenas três semanas. Teve duas reuniões pessoais com o Supremo Líder Aiatolá Ali Khamenei. A Casa de Saud, para dizer o mínimo, surtou.

Afinal, esse festim amoroso entre Islamabad e Teerã põe por terra o mito de que algum chamado “crescente xiita” seria perigosíssima ameaça aos sunitas no Oriente Médio e sul da Ásia.

Washington, previsivelmente, não gostou nada, nada. As ocupações do Afeganistão e do Iraque podem ser interpretadas como tentativa, dos EUA, de cercar o Irã por leste e oeste (essa, com certeza, é a interpretação de Teerã); e Washington acreditava que o Paquistão faria o mesmo papel contra o Irã, pela fronteira sudeste.

Em diálogo fascinante, que deve ter feito gelar mais de uma garganta às margens do Potomac, Khamenei disse a Zardari que o “verdadeiro inimigo” do Paquistão é o ocidente, “e os EUA, acima de todos”; e Zardari disse a Khamenei que o Irã “é modelo de resistência e via rumo ao progresso”. O que mais precisa acontecer? Que os táxis em Karachi exibam ímãs com fotos de Khomeini?

Mas a parte mais fascinante é que Teerã e Islamabad discutem hoje não só “questões de segurança”, mas também negócios, como um próximo acordo de livre comércio e um esquema de câmbio de moedas que afastará os dois países para longe do dólar norte-americano.

No front da segurança, Islamabad propôs o que pode vir a ser um Regime Integrado de Administração de Fronteiras [ing. Integrated Border Management Regime] – quer dizer: Paquistão, Irã e Afeganistão unidos no combate ao tráfico de drogas. Essa também é prioridade absoluta dos russos na Ásia Central e no sul da Ásia. Mais de 12 toneladas de heroína pura – mais de 3 bilhões de doses individuais – chegam à Rússia anualmente, saídas do Afeganistão. 

No front comercial, trata-se sempre do gambito crucial no Oleo-gasodutostão, o Oleoduto IP (Irã-Paquistão), também chamado de “Oleoduto da Paz”. O oleoduto IP pode suprir cerca de 50% de todas as necessidades de energia do Paquistão.

Há atrasos, claro. Ao final de 2012, o Irã já terá instalado todos os dutos em seu território, até a fronteira do Paquistão. O Paquistão, porém, só iniciará a construção do trecho que lhe cabe, nos primeiros meses de 2012.

Mas em 2015, o IP já deve estar operando, como cordão umbilical estratégico entre o Irã xiita e o Paquistão de maioria sunita – o que será como reconstruir toda a equação geopolítica da Eurásia. O oleoduto IP atravessará o ultraestratégico Baloquistão, que não só transborda de tantos recursos, mas será também corredor de trânsito – e a linha mais curta de acesso às águas tépidas do Mar da Arábia.

Irã e Paquistão... aliados?

Pois vejam aí mais uma inesperada e não desejada consequência da obsessão de Washington com a “guerra ao terror”: Irã e Paquistão são hoje, cada dia mais, aliados próximos. Já quase se pode ver Teerã partilhando inteligência de campo com Islamabad... sobre os milhares de espiões norte-americanos que operam em território paquistanês.   

Outra inesperada consequência também indesejada – e impensável há apenas dois, três anos – é que agora Teerã, que é tremendamente influente no noroeste do Afeganistão, descreve os Talibã como o Mulá Omar os descreve: como movimento nativo “de resistência nacional” contra a ocupação por EUA/OTAN e o programa de bases norte-americanas perpétuas. Como se não bastasse, Teerã também opera agora em sincronia com Islamabad no apoio ao espertíssimo Hamid Karzai, o qual, a cada dia, mais se distancia de Washington.

Há dificuldades gigantescas, é claro. Apesar de Zardari ter dito a Khamenei que Islamabad apóia Karzai e um processo de paz “liderado pelo Afeganistão e de propriedade do Afeganistão”, dificilmente haverá qualquer avanço nessa direção sem que se façam mudanças substanciais na política oficial do Paquistão para o Afeganistão; no pé em que estão as coisas hoje, o Paquistão vê o Afeganistão como pouco mais que “profundidade estratégica” no confronto com a Índia, fazendo o que pode para conter a influência indiana no Afeganistão.

Sobretudo, as prioridades regionais são diferentes. Moscou preocupa-se com sua própria “guerra às drogas”, não quer ver a OTAN no seu quintal e não quer saber de bases norte-americanas no Afeganistão. Pequim não quer saber de ter os Talibãs influenciando os uigures em Xinjiang. E Teerã continuará a cultivar as relações especiais que a ligam aos tadjiques, hazaras e uzbeques – não pashtuns.  

O que é certo é que qualquer mapa unilateral do caminho “made-in-USA” para o Afeganistão, do tipo “avançar, subornar e ficar”, está condenado ao fracasso, sem o aval desses atores eurasianos chaves.

Tragédia à parte, a guerra de EUA/OTAN no Afeganistão já flerta seriamente com o surrealismo – basta ver os Talibã acusando os EUA de terem invadido seus websites, telefones e e-mails para distribuir mentiras sobre a morte do Mulá Omar. Esqueçam os Talibã “medievais, cabeça-de-pano-de-prato e chapados de haxixe”. Os Talibã contemporâneos usam iPhones, vivem tuitando e postam no Facebook – e têm muitos admiradores. Não surpreendentemente, a sombria máquina de guerra da OTAN “não comentará” as acusações.

Será fascinante ver que esquemas a Casa de Saud armará para demolir o novo eixo comercial Teerã-Islamabad; afinal, a Arábia Saudita trata o Paquistão como uma espécie de “puxadinho” político/econômico.

Mas nada se compara, em termos de espetáculo fascinante, a assistir ao movimento das empresas russas, chinesas e indianas, em operação para tomar conta das riquezas minerais do Afeganistão, enquanto o ocidente atlântico, em “aliança”, insiste em bombardear-se, ele mesmo, até a total irrelevância.




Notas do autor
[1]Mineral Resources Could Give Afghans New Hope”, Army Sgt. 1st Class Michael J. Carden, American Forces Press Service
[2]Why the US won't leave Afghanistan”, Pepe Escobar, 12/7/2011, Al-Jazeera. .

4 comentários:

  1. impressionante a quantidade de informação que podemos perceber nesse texto e que não é veiculada pela grande mídia - na verdade, eu até deveria largar de ser boba e ficar atenta a esse "monstro" que é a grande mídia, mas ela me causa tanta ojeriza que eu não costumo acessá-la. Por isso, se ela veiculou mesmo que seja 10% da informação que você nos passa nesse texto, eu não sei. Quais são as suas fontes? Fiquei curiosa... quero beber nessas fontes também...

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  2. Prezada Coral
    A chamada Grande Mídia é LIXO puro. É construída para ENGANAR, MENTIR e deturpar fatos e notícias conforme os interesses de seus patrocinadores: as ELITES egoístas e a "crasse mérdia" que se crê "informada".
    A origem das nossas postagens são nossos quase 43.000 correspondentes e o Coletivo da Vila Vudu que lê diversos jornais estrangeiros e traduz aquilo que acham por bem traduzir.
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    Grande abraço
    Castor

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  3. ah, sim, agora vi as referências acima da tradução... desculpe a gafe (pelo menos não é a GAFE - Globo/Abril/Folha/Estadão - a minha é bem mais inofensiva, hehe)

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  4. ah, sim sei q a "grande mídia" é lixo puro, eu só disse ficar atenta pra saber o q o PiG está tramando... é tão triste ver pessoas tão próximas a nós, que nos são queridas (eu não queria dizer, mas às vezes nossos próprios pais) sendo "globoguiados" e, se tentamos fazer q eles enxerguem além, somos o "louco" q saiu da caverna e deixou de ver só as sombras do mundo na parede... somos nós os errados... eu devo ser burra mesmo, talvez eu que não saiba argumentar - ou não, talvez eles q não queiram tirar as vendas dos olhos... na minha cidade td mundo é "globoguiado", mal tenho com quem ter uma conversa lúcida...

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