quarta-feira, 11 de maio de 2011

As ameaças dos negócios e o negócio das ameaças


Professor Richard D. Wolff

por Richard D. Wolff [*]

Introdução
Este artigo foi destacado pela redecastorphoto para exemplificar as chantagens a que são submetidos os governos pelas empresas transnacionais.
Recentemente uma dessas “multis” (grande montadora de automóveis) ameaçou deixar o Brasil caso não tivesse aprovado um financiamento do BNDES.
Caso recente é uma transnacional fabricante de “i-pods” que exigiu isenção de impostos e financiamento governamental (dinheiro público, óbvio) para construir fábrica no Brasil.
Faço notar que o governo chantageado pelo exemplo do Prof. Wolff é o governo dos EUA, tido como o mais poderoso do mundo...

Ouvimos cada vez mais que nada pode ser feito para tributar as grandes corporações devido à ameaça de como responderiam. Da mesma forma, não poderíamos travar suas altas nos preços ou mesmo os subsídios governamentais e os benesses fiscais de que desfrutam. Por exemplo: como as grandes companhias de petróleo colhem lucros espantosos com os altos preços do óleo e do gás, dizem-nos ser impossível tributar os seus lucros inesperados ou travar os bilhões que elas obtêm em subsídios do governo e em benesses fiscais. Parece não haver meio para que o governo assegure preços de energia mais baixos ou imponha e aplique seriamente leis de proteção ambiental. Analogamente, apesar da alta e rápida ascensão nos preços dos medicamentos, dizem-nos que é impossível aumentar impostos sobre companhias farmacêuticas ou fazer com que o governo assegure preços de farmacêuticos mais baixos. E assim por diante.

Dizem que tais passos do “nosso” governo são impossíveis ou não aconselháveis. A razão: as corporações, então, relocalizariam a produção no exterior ou reduziriam suas atividades nos EUA ou ambos. E isso privaria os EUA de impostos e empregos. Em bom inglês, as grandes corporações estão nos ameaçando. Temos de ajoelhar-nos e cortar programas sociais que beneficiam milhões de pessoas (programas de empréstimos à educação superior, Medicaid, Medicare, segurança social, programas nutricionais e assim por diante). Não podemos pedir impostos mais altos ou subsídios mais baixos ou menos benesses fiscais para as corporações. Não podemos pedir ação governamental para reduzir seus preços em ascensão. E se o fizermos, as corporações nos punirão.
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Há três grupos que nos fazem essas ameaças dos negócios:

1.      Primeiro, porta-vozes das corporações, os seus servis relações-públicas pagos, transmissores das palavras do alto (as salas dos concelhos de administração das corporações).
2.      Segundo, políticos receosos de ofenderem seus patrocinadores corporativos repetem publicamente o que os porta-vozes das corporações lhes enviaram por email.
3.      Finalmente, vários comentaristas explicam as ameaças para nós. Isto inclui os jornalistas perdidos naquele nevoeiro ideológico que sempre traduzem o que as corporações querem no “senso comum”. Os comentaristas também incluem os professores que “traduzem” o que querem as corporações em “ciência econômica”.

Como se sabe, há sempre duas respostas possíveis a toda e qualquer ameaça. Uma é dobrar-se, ser intimidado. É a que mais frequentemente tem sido a “escolha política” dominante do governo dos EUA. Esta é a razão porque existem tantos benefícios fiscais, porque o governo faz tão pouco para limitar aumentos de preços, porque o governo não constrange decisões corporativas de relocalização, etc. Não há surpresa aqui, uma vez que as corporações gastaram generosamente no apoio às carreiras políticas de tantos líderes atuais. Elas esperam que estes políticos façam o que os seus patrocinadores corporativos desejam. Tão importante quanto isso, elas também esperam que estes políticos persuadam o povo de que é “melhor para todos nós” ceder quando corporações nos ameaçam.

E quanto à outra resposta possível às ameaças? O governo podia fazer uma escolha política diferente, definir de outra maneira o que é “melhor para todos nós”. Em bom inglês, podia aguentar-se face a ameaças e, ao assim fazer, podia contra-ameaçar as corporações. Quando grandes corporações ameaçam cortar ou relocalizar produção no estrangeiro em resposta a ameaças nos seus impostos e subsídios ou pedidos de cortes nos seus preços ou aplicação a sério de regras de proteção ambiental, o governo dos EUA podia prometer retaliação. Aqui está uma lista breve e parcial de como pode fazer isso (com exemplos ilustrativos para as indústrias da energia e farmacêuticas):

  • Informar tais negócios que ameaçam que o governo dos EUA transferirá as suas compras para outras empresas.
  • Informá-las que altos responsáveis viajarão pelos EUA a fim de urgir cidadãos a seguirem o exemplo do governo e alterarem também as suas compras.
  • Informá-las que o governo passará a financiar e organizar companhias operadas pelo estado para competirem diretamente com negócios ameaçadores.
  • De imediato e com rigor impor todas as regras aplicáveis referentes às condições de saúde e segurança de trabalhadores, leis de proteção ambiental, contratação igual e oportunidade de avanço, etc.
  • Apresentar e promover a aprovação de novas leis respeitantes à relocalização de empresas (dando a autoridades locais, regionais e nacional o poder de veto sobre decisões de corporativas de relocalização).
  • Comprar produtos energéticos e farmacêuticos no atacado para revenda em massa ao público estadunidense, transferindo todas as poupanças das compras em grande escala.
  • Tomar ativos de empresas que procurem evadir-se ou frustrar aumentos de impostos ou subsídios reduzidos.

Leis que permitem tais ações já existem nos EUA ou podiam ser aprovadas. Atualmente em outros países existem modelos de tais leis que fizeram bom trabalho, frequentemente por muitos anos. Elas podiam ser utilizadas e ajustadas às condições dos EUA.

Naturalmente, é possível criar uma base muito melhor do que a ameaça e contra-ameaça para partilhar os custos do governo entre indivíduos e negócios. Essa base seria estabelecida por uma transição para um sistema econômico em que trabalhadores em cada empresa funcionariam coletivamente e democraticamente como o seu próprio conselho de administração. Tais empresas dirigidas pelos trabalhadores eliminam a divisão e o conflito básico no interior das corporações capitalistas entre aqueles que tomam as decisões chave do negócio (o que, como e onde produzir, por exemplo) e aqueles que devem viver com isso e dependem mais imediatamente dos resultados daquelas decisões (a massa de empregados).

Um exemplo concreto pode ilustrar os benefícios desta alternativa ao cenário ameaça-contra-ameaça. Corporações têm efetuado ameaças reiteradas (cortar ou deslocalizar produção) como meio de impedir aumentos de impostos e assegurar reduções dos mesmos. Fizeram igualmente as mesmas ameaças para assegurar os gastos desejados do governo federal (despesas militares, estradas federais e projetos de construção de portos, subsídios, apoios financeiros e assim por diante). Com efeito, conselhos de administração corporativos e grandes acionistas procuram transferir encargos fiscais para empregados. O seu êxito ao longo do último meio século é claro. As receitas fiscais do governo estadunidense têm vindo cada vez mais (1) de indivíduos ao invés de impostos sobre rendimentos corporativos e (2) do rendimento individual dos grupos das camadas médias e baixa ao invés de virem dos ricos. Em empresas dirigidas pelos trabalhadores, o incentivo para tais mudanças desapareceria porque as pessoas que estariam pagando impostos empresariais são as mesmas pessoas que estariam pagando impostos sobre o rendimento individual. A tributação tornar-se-ia finalmente genuinamente democrática. O povo decidiria coletivamente como distribuir impostos sobre o que seriam genuinamente os seus próprios e os próprios rendimentos individuais.

10/Maio/2011

[*] Professor Emérito da Universidde de Massachusetts – Amherst e Professor Visitante no Programa de Graduação em Assuntos Internacionais da New School University in New York. Autor de New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006) dentre muitas outras publicações. Pode-se assistir seu filme-documentário sobre a crise econômica atual, Capitalism Hits the Fan. O livro Capitalism Hits the Fan: The Global Economic Meltdown and What to Do about It pode ser encomendado no sítio da web: Professor Richard D. Wolff .

O artigo original, em inglês, encontra-se em: The threats of Business and the Business of Threats
Esta traduçãofoi extraída de: Resistir

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