quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Afeganistão-2012: EUA estão sendo derrotados por explosivos de fabricação caseira


11/10/2012, Gareth Porter, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Gareth Porter
WASHINGTON. Apesar de o aumento no número de “ataques internos” contra as forças dos EUA-OTAN ser tema dominante na cobertura da guerra no Afeganistão em 2012, há outra história em andamento lá, ainda mais importante: os EUA estão sendo derrotados pelos Talibã na guerra-chave, naquele cenário, dos “artefatos explosivos improvisados” [orig. Improvised Explosive Devices (IEDs)], explosivos de fabricação caseira.

Circularam notícias em alguns jornais esse ano, sugerindo que os militares norte-americanos estariam obtendo progressos na guerra contra os explosivos improvisados dos Talibã. Mas nada se noticiou sobre o contexto mais amplo, sobre tendências sazonais, ou as notícias concentraram-se no número de baixas entre os norte-americanos. A realidade mais ampla, ali, é que a “avançada” [surge], com aumento no número de coturnos norte-americanos em solo, não conseguiu reverter o forte aumento no número de ataques com artefatos explosivos improvisados, com baixas sempre crescentes, que o Talibã promoveu a partir de 2009 e manteve ao longo de 2011.

Ao longo de 2009-11, os militares norte-americanos sofreram um total de 14.627 baixas, segundo o Sistema de Análise de Baixas da Defesa do Pentágono, organização não governamental que rastreia as baixas nas guerras do Iraque e do Afeganistão, a partir de informação publicada.

Guerrilheiros Talibãs típicos
Desse total, 8.680, 59%, são mortes resultantes de explosões de artefatos improvisados, segundo dados divulgados pela Organização Conjunta para Derrotar os IEDs do Pentágono [orig. Joint IED Defeat Organization (JIEDDO)]. A porcentagem de baixas norte-americanas provocadas por artefatos explosivos improvisados continuou a aumentar: de 56% em 2009, chegou a 63% em 2011.

Os artefatos explosivos improvisados foram elemento central da contraestratégia de resistência dos Talibã, contra a escalada da guerra que os EUA promoveram. É tática que absorveu quantidades vastíssimas de tempo e de energia dos soldados norte-americanos e demonstrou que a luta antiguerrilha à maneira dos EUA não estava conseguindo reduzir nem o tamanho nem o poder de resistência da guerrilha local. Também era fonte de inúmeras provas, para a população afegã, de que os Talibã continuavam presentes e ativos, mesmo nos locais onde soldados dos EUA ocupavam distritos dados oficialmente por já livres de Talibãs.

Os estrategistas do Pentágono e lideranças militares norte-americanas usaram duas abordagens, contraditórias entre elas, na campanha contra os artefatos explosivos improvisados dos Talibã. Ambas falharam, porque não consideraram nem refletiram as realidades sociais e políticas no Afeganistão.

Talibãs destroem comboio com IEDs
A Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs gastou mais de US$18 bilhões em soluções de alta tecnologia para detectar os artefatos explosivos improvisados antes que fossem detonados – incluindo robôs em terra e por ar, equipados com câmeras-espiãs. Mas, à medida que a tecnologia ajudava o comando dos EUA-OTAN a descobrir mais artefatos explosivos improvisados, os Talibã simplesmente aumentavam a produção e plantavam número sempre crescente de bombas; assim mantinham os soldados cada vez mais ocupados e aumentavam a pressão, na guerra dos IEDs.

A estratégia de contraguerrilha concebida pelo general David Petraeus e implementada pelo general Stanley A McChrystal, por sua vez, partia do pressuposto de que as redes de produção e distribuição de artefatos explosivos improvisados poderiam ser destruídas, desde que a população fosse afastada dos Talibã. Empurraram milhares de soldados norte-americanos para fora dos veículos blindados, com ordens para patrulhar a pé e construir relações de confiança com a população local.

O principal efeito dessa estratégia, contudo, foi um salto assustador no número de soldados feridos e mutilados em “incidentes” causados pelos artefatos explosivos improvisados.

Stanley McChrystal
Em avaliação inicial, dia 30/8/2009, McChrystal disse que a Força Internacional de Assistência à Segurança [orig. International Security Assistance Force (ISAF)] não poderia ser bem-sucedida, se não se dispusesse a dividir os riscos, pelo menos “meio a meio”, com o povo. Em entrevista ao jornal USA Today em julho de 2009, argumentou que o melhor meio para derrotar os artefatos explosivos improvisados seria derrotar o controle que os Talibã tinham sobre a população. Conquistada a confiança do povo, disse ele, as pessoas informariam aos soldados da ISAF sobre a localização dos artefatos explosivos improvisados.

McChrystal argumentou que os Talibã usavam os efeitos psicológicos dos artefatos explosivos improvisados e a preocupação das forças da coalizão com proteger seus soldados, para obrigar o comando de EUA-OTAN a reforçar “uma postura e uma mentalidade de guarnição”.

McChrystal ordenou ênfase muito maior nas patrulhas a pé, no outono de 2009. Os Talibã responderam com aumento no número de artefatos explosivos improvisados: passaram de 71, em setembro de 2009, para 228 quatro meses depois, em janeiro de 2010, segundo dados reunidos pela Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs.

David Petraeus
Evidentemente, dado o grande aumento dos IEDs, pode-se inferir que a população sabia mais e melhor sobre a localização de mais artefatos, o que deveria ter feito aumentar o número de artefatos informados, nos termos da teoria de contraguerrilha de Petraeus. Os dados mostram que aconteceu exatamente o contrário. Nos primeiros oito meses de 2009, 3% dos afegãos contatados notificaram sobre explosivos; de setembro de 2009 a junho de 2010, a taxa caiu para 2,7%.

Depois que Petraeus substituiu McChrystal como comandante das forças de EUA-OTAN (ISAF) no Afeganistão, em junho de 2010, ordenou aumento ainda maior no número de patrulhas a pé, sobretudo em Helmand e Kandahar, onde os soldados dos EUA tentavam ocupar território que, em anos anteriores, fora controlado pelos Talibã. Em cinco meses, a taxa de notificação de artefatos explosivos caiu para menos de 1%.

No mesmo período, o número de ataques de artefatos explosivos improvisados contra as patrulhas a pé e que causaram baixas, saltou de 21 em outubro de 2009 para uma média de 40, no período de março a dezembro de 2010 – segundo registros da Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs. O número de soldados dos EUA feridos por artefatos explosivos improvisados saltou para uma média de 316 por mês, naquele período, 2,5 vezes mais que a média dos dez meses anteriores.

Guerrilheiro Talibã com arma antitanque
Os ataques dos Talibãs na guerra de artefatos explosivos improvisados contra soldados a pé foram a principal causa de baixas no exército dos EUA: o número saltou de 1.211 feridos e 159 mortos em 2009, para 3.366 feridos e 259 mortos em 2010.

Mas o dano provocado pelos dispositivos explosivos improvisados foi de fato ainda muito mais grave do que esses números mostram, porque os ferimentos em soldados a pé levaram a quadro dramático de amputação de membros – braços e pernas – e outros ferimentos, todos muito mais graves do que os registrados antes de os soldados receberem ordem para não usar os veículos blindados.

Em junho de 2011, relatório de uma força-tarefa do Exército descreveu um novo tipo de ferimento em combate – Dismount Complex Blast Injury [ferimentos complexos provocados por explosão, em combatente a pé]. Foi descrito como uma combinação de amputação por trauma de pelo menos uma perna; ferimentos, de leves a severos, na perna não amputada; e vários tipos de ferimentos na região pélvica, abdominal ou urogenital. Esse relatório confirmou que o número de amputações de três membros, só em 2010, foi o dobro de todas as amputações desse tipo nos oito anos de guerra anteriores.

Estudo de 194 amputações em 2010 e nos três primeiros meses de 2011 mostrou que o maior número de feridos estava entre soldados do Marine Corps, concentrados na província de Helmand; e que 88% dos casos eram resultado de ataques com artefatos explosivos improvisados contra soldados a pé, segundo o mesmo relatório. Em janeiro de 2011, o diretor da Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs, general John L Oates, reconheceu aumento alarmante, entre soldados norte-americanos em Helmand e Kandahar, de ferimentos que levaram a amputação de uma ou duas pernas, provocados por artefatos explosivos improvisados.

Número muito mais alto de soldados dos EUA sofreram graves ferimentos na cabeça e cérebro, em ataques de dispositivos explosivos improvisados, a maioria dos quais, nesse caso, contra veículos blindados. As estatísticas dos totais de amputações de membros e de ferimentos traumáticos na cabeça e cérebro no Afeganistão foram extraídas do relatório daquela força-tarefa.

Estatísticas de mortos e feridos dos EUA nas suas várias guerras
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Em 2011, as baixas norte-americanas por ataque de artefatos explosivos improvisados caíram para 204, depois de alcançarem 259 em 2010, e o número de mortos caiu, de 499 para 418. Mas o número de feridos por artefatos explosivos improvisados de fato aumentou 10%, de 3.339 para 3.530; o total de feridos em ação foi quase o mesmo que em 2010, segundo dados de iCasualties.

O total de feridos nos oito primeiros meses de 2012 é 10% menor que no mesmo período de 2011; e o número de mortos é 29% menor, na mesma comparação.

A redução no número de feridos parece refletir em parte a retirada de milhares de soldados dos EUA, transferidos das províncias de Kandahar e Helmand, onde ocorreu vasta proporção das baixas, para o leste do Afeganistão. O número de ataques de artefatos explosivos improvisados contra soldados a pé, de meados de julho de 2011 a meados de julho de 2012, foi 25% inferior ao número do mesmo período do ano anterior, segundo dados da Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs.

Mapa político do Afeganistão
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O Pentágono já sabia, no início de 2011, que não conseguiria fazer o que estava planejado antes e durante a “avançada”. Em comentário revelador ao Washington Post em janeiro de 2011, o chefe da Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs, general Oates, insistiu em que a ideia de que “estamos perdendo” a “guerra dos dispositivos explosivos improvisados” no Afeganistão não seria “acurada”, porque “O plano geral não é destruir toda a rede. Isso talvez seja impossível”.

O objetivo, explicou, teria passado a ser romper a rede. É mover de lugar as traves do gol, para não ter de admitir a derrota dos EUA na guerra dos explosivos de fabricação caseira.

Reconhecimento implícito de que a ordem de Petraeus para que mais soldados patrulhassem a pé já não é vista com reverência no comando das forças EUA-OTAN: aquela ordem, de agosto de 2010, foi excluída da página do general, na Internet.

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