segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Mikhail Khazin, sobre [antes da] fala de Putin

7/12/2014, The Saker – apresenta [*] Mikhail Khazin
Traduzido do inglês pelo pessoal da Vila Vudu

The Saker

Entreouvido no furdunço do Padreco, na Vila Vudu:
A turma aqui na Vila não entende de economia. Mas uma coisa a gente bateu o olho e entendeu:
Brasil e Rússia são muuuuito parecidos, no sentido de os dois países estarem conseguindo crescer e sobreviver dentro do “grupo dos levíncolas” [os países BRICS, que continuam crescendo e incluindo e distribuindo riqueza, mesmo levando sempre pelas fuças o sempre furioso ataque dos EUA na disputa geopolítica].
É ver/ler o que aí vai, pensar e tentar, pelo menos, começar escrever as pontes-argumentos que nos conectem a realidade muito semelhante à que aí se vê e possam ajudar a explicar a nós mesmos o que a imprensa-empresa do Grupo GAFE (GloboAbrilFolha de S. PauloEstadão) existe para tornar ininteligível, e nenhuma “cumunicação” petista ou comunista nos explicou até hoje aos brasileiros pobres. Muito bom.


[Transcrição (13’) da fala em russo distribuída por French Saker, já traduzida para inglês (cc no vídeo), por e-mail, aqui traduzida]


Fala Mikhail Khazin (em russo, traduzido a seguir)

00:00:00 --> 00:00:10 – Já é bem claro para todos, hoje, até para intelectual de renome como o primeiro-ministro Cameron, da Grã-Bretanha, que a crise mundial só faz ampliar-se e aprofundar-se.

00:00:11 --> 00:00:22 – Cameron já está prevenindo o mundo de que a próxima grande crise nos espera. Já há crescente histeria entre vários líderes ocidentais.

00:00:23 --> 00:00:33 – Quando – imediatamente depois da reunião em Brisbane, a Sra. Merkel começou a promover uma zona de livre comércio entre EUA e União Europeia (cujo primeiro resultado seria a desindustrialização da Europa Ocidental, semelhante à que foi feita contra a Bulgária e os Estados Bálticos),

00:00:44 --> 00:01:06 – tornou-se logo evidente que somente eventos de grande escala forçariam esses governantes a assumir essa via tão perigosa, que nunca, em outras circunstâncias se atreveriam a propor.

00:01:07 --> 00:01:12 – É golpe violento demais contra o status, a posição deles mesmos.

00:01:13 --> 00:01:25 – Em outras palavras, não querem falar do que aconteceria em longo prazo, porque sabem que há eventos futuros, próximos, muito grandes, que desmentiriam qualquer previsão favorável que fizessem.

00:01:26 --> 00:01:28 – Que eventos são esses?

00:01:29 --> 00:01:43 – Temos de compreender os atuais eventos, de uma perspectiva econômica, cujo atual modelo é o sistema financeiro e econômico de Bretton Woods.

00:01:44 --> 00:01:58 – Muitos creem, erradamente, que esse sistema tenha morrido dia 15 de agosto de 1971, quando os EUA declararam seu segundo ‘calote’ no século 20, quando se recusaram a trocar dólares por ouro.

00:01:59 --> 00:02:02 – Mas não, o sistema não morreu.

00:02:03 --> 00:02:10 – O sistema de Bretton Woods é um mecanismo para expandir a zona do dólar, que criou suas próprias instituições especiais, a saber:

00:02:11 --> 00:02:19 – O FMI, o Banco Mundial e o acordo sobre tarifas e comércio HCT (Harmonized Customs Tariff) – que hoje é mais conhecido como “Organização Mundial do Comércio” [World Trade Organization, WTO].

00:02:20 --> 00:02:22 – Todas essas instituição continuam aí, vivas e operantes.

00:02:23 --> 00:02:29 – Essas instituições é que definem o sistema de Bretton Woods, pelo qual todos os valores são ligados ao dólar norte-americano.

00:02:30 --> 00:02:52 – O modelo da economia moderna funciona como um mecanismo de redistribuição de renda, que é constituído quando o Federal Reserve imprime dólar para comprar novos bens que são parte do sistema do dólar.

00:02:53 --> 00:03:09 – No começo, compraram os países da Europa Ocidental; depois o Japão, depois Taiwan, Cingapura, depois Coreia, China, e, adiante, os países da comunidade econômica socialista [orig. socialist Commonwealth].

00:03:10 --> 00:03:21 – Hoje, esse modelo chegou a esgotamento natural. Todos os recursos mundiais, inclusive o petróleo russo, já estão denominados em dólares.

00:03:22 --> 00:03:25 – Significa que aqueles recursos já são parte da capitalização em dólares dessas empresas, que são proprietárias dos campos de petróleo.

00:03:26 --> 00:03:28 – Não restou nenhum recurso/patrimônio no mundo a ser comprado e denominado em dólares.

00:03:29 --> 00:03:33 – Significa que é impossível continuar a imprimir dólares, porque não há o que comprar.

00:03:34 --> 00:03:38 – Houve uma tentativa para criar patrimônio fictício, para cuja compra fosse possível usar dólares – os chamados “derivativos”.

00:03:39 --> 00:03:42 – Mas os “derivativos” também deixaram de funcionar, porque se criaram derivativos demais, em excesso.

00:03:43 --> 00:03:46 – Já não há de onde extrair lucros da economia global.

00:03:47 --> 00:03:57 – Alguns atores desse mesmo processo, inclusive Rússia e China, dizem: “Mas... E onde está a nossa parte? Nunca aceitamos a ideia de vocês”.

00:03:58 --> 00:04:01 – De fato, no passado os lucros do que era emitido eram partilhados entre todos.

00:04:02 --> 00:04:06 – Claro que os EUA ficavam com a maior parte, mas os demais também estavam recebendo sua parte do bolo.

00:04:07 --> 00:04:10 – A Rússia, por exemplo, que nos interessa diretamente, recebia a parte dela graças aos altos preços da energia.

00:04:11 --> 00:04:23 – Naquele momento, as elites ainda podiam decidir se roubavam tudo, integralmente, como ainda está acontecendo na Nigéria, ou se partilhavam alguma coisa com o próprio povo.

00:04:24 --> 00:04:27 – A situação que absolutamente não interessa a ninguém é a situação em que ninguém ganha nada.

00:04:28 --> 00:04: 43 – Além do mais, para proteger sua própria economia, os EUA começaram a usar Bretton Woods, primeiramente seu sistema financeiro, não para distribuir, mas para tomar.

00:04:44 --> 00:04:52 – Um dos significados das eleições [de meio de mandato] nos EUA é que foi votação entre dois conceitos.

00:04:53 --> 00:05:02 – O primeiro (1), seria salvar a economia global à custa de recursos dos EUA; mas, em outras palavras, todos ganham alguma coisa.

00:05:03 --> 00:05:09 – O segundo (2), salvar a economia dos EUA à custa do resto do mundo; em outras palavras, tirar de todos, para dar aos EUA.

00:05:10 --> 00:05:17 – Esse segundo conceito, que os votantes nos EUA associam ao Partido Republicano, venceu.

00:05:18 --> 00:05:34 – Hoje, temos um mundo no qual os países do 3º mundo não recebem mais investimentos em dólar; e no qual, em vez disso, todos os capitais desses países fluem de volta para os EUA.

00:05:35 --> 00:05:40 – Nessa situação, que não é satisfatória para ninguém, será impossível esperar qualquer estabilidade.

00:05:41 --> 00:06: 00 – Muito provavelmente, todos começarão a sacudir o bote; e os EUA tentarão respostas só paliativas.

00:06:00 --> 00:06:03 – Obama, pelo que se sabe, apoiava a abordagem alternativa.

00:06:04 --> 00:06:08 – Para ele, melhor seria salvar o mundo, em vez de salvar só os EUA. Mas Obama foi derrotado.

00:06:09 --> 00:06:20 – Por tudo isso, sinto-me inclinado a esperar por uma explosão, para muito em breve, que quebrará em pedaços o que ainda resta do sistema de Bretton Woods.

00:06:21 --> 00:06:23 – Estimo um prazo de 12, 18 meses.

00:06:24 --> 00:06:29 – É muito provável que se manifeste, no discurso do presidente Putin, um conflito interno semelhante também na Rússia.

00:06:30 --> 00:06:39 – Há persistentes rumores de batalha interna entre essas duas forças e estão sendo redigidas duas mensagens, com trechos diferentes na parte que trata da economia.


O grupo neoliberal

00:06:40 --> 00:06:47 – A situação é a seguinte: há um grupo liberal que apoia o modelo de Bretton Woods, do FMI.

00:06:48 --> 00:07:01 – Trabalham exclusivamente a partir dos roteiros que o FMI traça. Portanto, ninguém deve esperar de tipos como Nabiullina, Ulyukaev, Shuvalov, ou Dvorkovich qualquer revelação a favor de apoiar a economia russa. [No Brasil, os tipos dos quais ninguém deve esperar coisa alguma são os FHCs, Aécios, Alckimins, Serras, Marinas Silva & Neca (?!) Itaú e toda a tucanaria da privataria & privatagem (NTs).

00:07:02 --> 00:07:05 – É gente que recebe ordens e as cumpre aplicadamente.

00:07:06 --> 00:07:12 – A lógica dessa gente é muito simples. Dizem: “Recebemos nossa fatia do bolo. Por que deveríamos destruir esse modelo?”

00:07:13 --> 00:07:19 – É gente que não aceita o fato de que já não estão recebendo nem a fatia ‘deles’, porque já não existe nem bolo nem fatia. Mas isso absolutamente não entra na cabeça deles.

00:07:20 --> 00:07:27 – A única vantagem competitiva que eles poderiam ter sobre outros é que poderiam ainda negociar com o FMI.

00:07:28 --> 00:07:33 – Mas, se o FMI, dentro do quadro do sistema de Bretton Woods, já nada tem a dar... ninguém mais precisa dessa gente [No Brasil, são os FHCs, Aécios, Alckimins, Marinas Silva & Neca (Itaú) e Serra e toda a tucanaria da privataria & privatagem (NTs)].

00:07:34 --> 00:07:41 – Por isso, toda essa gente está tentando salvar, a qualquer custo, os restos do sistema.

00:07:42 --> 00:07:48 – Não sei se realmente não compreendem, ou se compreendem perfeitamente e mesmo assim insistem, mas o resultado do que fizeram e tentam ainda fazer, é que nosso capital está sendo alienado, o que enfraquece nossa condição.

00:07:49 --> 00:07:53 – Talvez compreendam, mas se recusam a aceitar, porque teriam de fugir, voar para longe, acompanhando os capitais deles.

00:07:54 --> 00:07:57 – Mas... e como ganhariam a vida na Terra dos Livres?! Como professores medíocres, contratados semestralmente – e semestralmente desempregados, nas universidades caipiras dos EUA?

[No Brasil, os correspondentes tucanos da privataria só arranjam empreguinhos na universidade caipira que pertence ao Sr. Gilmar Mendes, em Brasília; ou, então, como colunistas alugados à Folha de S.Paulo ou a O Estado de S.Paulo ou à TV Cultura-SP. E, isso, só até serem demitidos com pé-na-bunda, como Danuzas, Cantanhêdes e outrinhos, que encheram o saco ATÉ dos fascistas burros que eles tão burramente serviram (NTs)].

00:07:58 --> 00:08:03 – Melhor, pensam eles, continuar na Rússia, onde sempre podem tentar chegar a ministro, presidente do Banco Central e coisa-e-tal.

00:08:04 --> 00:08:06 – E lá nos EUA? Conseguiriam viver como assalariados, comer do próprio trabalho?!

00:08:07 --> 00:08:13 – Imagine um desses ministros russos “modernos”, obrigado a viver de salário e tendo de pagar impostos!

00:08:14 --> 00:08:19 – Para eles, essas ideias são simplesmente o mais ofensivo cinismo.

O grupo integracionista regional, para mundo multipolar

00:08:20 --> 00:08:28 – O conceito que se opõe àquela gente diz que é tempo de construirmos nosso próprio sistema financeiro regional.

00:08:29 --> 00:08:43 – Se já não temos acesso ao mecanismo do investimento do dólar, então temos de construir nosso próprio centro regional e respectivo mecanismo regional de financiamento.

00:08:44 --> 00:08:55 – Fiz uma palestra sobre isso, anteontem, em Astana, numa grande conferência dedicada ao início do segundo plano quinquenal de industrialização.

00:08:56 --> 00:09:02 – O Cazaquistão, diferente da Rússia, já trabalha há cinco anos na substituição de importações.

00:09:03 --> 00:09:14 – Embora as condições iniciais fossem piores no Cazaquistão que na Rússia, por causa da economia menor, o país já está crescendo 4-5%, e nós, russos, não crescemos nos últimos dois anos.

00:09:15 --> 00:09:17 – Aconteceu no Cazaquistão, por causa da industrialização.

00:09:18 --> 00:09:27 – Discutimos essa questão com o presidente do Cazaquistão, numa mesa redonda prevista para 30-40 min, mas que durou duas horas.

00:09:28 --> 00:09:37 – Foi discussão real, porque Nazarbayev tinha perguntas claras a fazer e ideias claras a discutir sobre o que se pode alcançar, realistamente.

00:09:38 --> 00:09:46 – Disse a ele que precisamos de recursos de investimentos privados, porque já não há investimento algum, no quadro do sistema de Bretton Woods.

00:09:47 --> 00:09:55 – Atualmente, o que se disputa é qual estratégia escolher, não se podemos ceder.

00:09:56 --> 00:10:01 – Daí os rumores de que a fala do presidente estaria sendo preparada só pelo Kremlin, sem participação do resto do governo.

00:10:02 --> 00:10:22 – O resto do governo, com sua Escola de Economia (de Chicago), está escrevendo seus discursos neoliberais, segundo o qual só há um deus, o FMI; e suas profetas Lagarde ou Janet Yellen.

00:10:23 --> 00:10:35 – Não sei como vai acabar isso, mas estou certo de que a saída antecipada de Putin, que deixou Brisbane antes da hora prevista, não aconteceu porque algo o tivesse “ofendido”.

00:10:36 --> 00:10:46 – Perdoem-me, mas... o presidente Putin foi alto oficial de inteligência, foi treinado desde a juventude a não reagir “emocionalmente” nesse tipo de situação.

00:10:47 --> 00:10:55 – Não. O presidente Putin deixou aquela reunião, não porque alguma coisa o tivesse ofendido, mas, isso sim, porque se deu conta de que falar com aquela gente é completa perda de tempo, não leva a coisa alguma.

00:10:56 --> 00:11:14 – Aquele pessoal não quer e nem pode discutir situações críticas, porque eles são figurantes de segunda classe, naquele show. Se todos ali se comportam daquele modo porque não passam de fantoches, nós temos de falar diretamente com quem opera os cordões dos fantoches.

00:11:15 --> 00:11:18 – E se eles tampouco compreendem o que se passa, aí, já é outro problema.

00:11:19 --> 00:11:28 – De minha parte, tendo a crer que são fantoches, o que não implica que sejam levados em consideração nas políticas do operador dos fantoches. São partes relevantes, só, no funcionamento de determinadas regras do jogo.

00:11:29 --> 00:11:36 – Falo das regras que têm a ver com uma espécie de “politicamente-correto liberal” que está tão profundamente plantada na consciência deles que nem que quisessem conseguiriam livrar-se delas.

00:11:37 --> 00:11:40 – Então, continuam, como hamster que corre sem parar em sua gaiola de arame, e não está indo para lugar algum.

00:11:41 --> 00:11:46 – É completamente inútil falar com eles. Então, temos de criar modelos alternativos.

00:11:47 --> 00:11:50 – Em termos gerais, temos de esquecer por algum tempo a União Europeia e os EUA.

00:11:51 --> 00:11:57 – A UE não é entidade viável. O modo como se espatifará em pedaços, é questão à parte do que discutimos aqui.

00:11:58 --> 00:12:14 – Pode acontecer de tentarem salvar um corpo de duas metades: uns pedaços da velha Europa Ocidental formarão uma União Europeia de 1ª classe; e o Leste da Europa formará outra União Europeia de 2ª classe.

00:12:15 --> 00:12:21 – O que interessa agora, é que essa discussão não nos diz respeito e deve parar imediatamente.

00:12:22 --> 00:12:29 – Ao dizer que é necessário forçar a zona de livre comércio com os EUA, a chanceler Merkel, de fato, põe fim à União Europeia.

00:12:30 --> 00:12:32 – Por hora, é assunto para esquecer.

00:12:33 --> 00:12:59 – O agudo conflito entre forças pró-Ocidente e forças eurasianas [no Brasil, se falaria de “forças pró-EUA” e forças continentais integracionistas bolivarianas (NTs)] que começou na Rússia no início dos anos 1990s, alcançou hoje alto nível, quando forças anti-FMI, se não derrotaram totalmente os neoliberais, pelo menos já se fazem ouvir.

00:13:00 --> 00:13:13 – Temos de ver se as forças neoliberais são capazes de apresentar pelo menos algum argumento racional à sociedade. Até agora, os argumentos deles são só argumentos de autoridade, da posição de poder.

00:13:14 --> 00:13:19 – Dizem: “Seguinte, amigos: nós controlamos o FMI, então... vocês não vivem sem nós”.

00:13:20 --> 00:13:24 – É mais do que claro, hoje, que o FMI nada nos dará, e já vimos isso. Então, eles precisam apresentar outra abordagem.

00:13:25 --> 00:13:31 – Mas... E o que teriam a oferecer? Destruição da educação pública? Destruição da assistência pública à saúde? Destruição das aposentadorias e pensões? Têm o que, a nos oferecer? O sistema bancário?!

00:13:32 --> 00:13:37 – A verdade é que tudo em que os neoliberais põem a mão, vira poeira.

00:13:38 --> 00:13:42 – Se o presidente Putin da Federação Russa escolher as vias neoliberais, temo que seu poder vire poeira

[Fim da transcrição]. 
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[*] Mikhail Leonidovich Khazin (1962), economista, autor do livro Sunset of the Dollar Empire and the End of the Pax Americana (2003). Sobre o livro, há entrevista interessantíssima (inglês)em: Mikhail Khazin: U.S. will soon face second “Great Depression”

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