Começou a temporada das provocações
9/12/2014, [*] Nil Nikandrov, Strategic
Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Cristina Fernández de Kirchner |
Falta menos de um ano para as eleições presidenciais na
Argentina, marcadas para o dia 25 de outubro de 2015. Cristina Fernández de Kirchner
já foi eleita duas vezes para o mais alto cargo da República
Argentina, em 2007 e 2011, e não pode concorrer novamente à presidência.
A questão da sucessão está sendo discutida na Argentina,
cada vez com mais frequência. Quem assumirá a filosofia do kirchnerismo, versão moderna da ideologia do Partido Justicialista
fundado em 1947 por Juan e Evita Perón? Néstor Kirchner, político destacado que
sempre aparecia mencionado no mesmo parágrafo, ao lado de Lula da Silva, Hugo
Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, morreu em 2010. Mas Cristina Fernández
conseguiu manter as políticas que ele construíra: fortalecer a soberania argentina,
opor-se ao que os EUA ordenam para o continente e levar adiante várias reformas
com vistas a atender interesses populares.
Daniel Scioli |
O nome mais provável, para dar continuidade às políticas
dos Kirchner parece ser Daniel Scioli, que foi vice-presidente da Argentina e
atualmente é governador da província de Buenos Aires. Scioli evita confrontos
políticos e prega que se façam concessões à oposição, motivo pelo qual não é
nome que agrade aos kirchneristas
mais cintura-dura, que se opõem a qualquer modalidade de diálogo com a direita
argentina. Scioli é negociador hábil, tem demonstrado seriedade e temperança e
dá sinais de querer cooperar com os círculos financeiros e empresariais que
mantêm fluxos constantes de recomendações e propostas, inclusive sobre como
romper relações com Cristina. Há também outros candidatos que foram mais
próximos de Néstor e são hoje da equipe de Cristina – ministros, governadores e
senadores – que trabalham ativamente para fazerem-se conhecidos. O candidato
será decidido em eleições primárias em agosto de 2015, quando todos os
candidatos à presidência da coalizão governante Frente para a Vitória passarão
pelos processos seletivos.
Pode-se avaliar a complexidade do momento pelo qual
Cristina Fernández está passando, pelos resultados das eleições parlamentares
de outubro de 2013. A
coalizão governante não alcançou maioria decisiva. Não perdeu a maioria simples
nas duas casas legislativas, mas não alcançou a maioria qualificada
constitucional de dois terços. A coalizão ganhou o governo de apenas metade das
24 províncias argentinas. A tradicional rivalidade entre o Partido
Justicialista e seus oponentes representados pela União Cívica Radical e pelo
Partido Proposta Republicana, de direita, foi tornada ainda mais difícil por
causa de uma divisão dentro do próprio partido governante. Ainda assim, a
Frente para a Vitória ainda é a principal força política na Argentina.
Néstor Kirchner |
Néstor Kirchner, depois de abandonar o modelo econômico
neoliberal, conseguiu arrancar a Argentina da profunda estagnação em que vivia.
Adiante, em plena crise global, Cristina foi forçada a tomar decisões difíceis,
entre as quais apertar o controle estatal sobre importações e sobre a taxa de
câmbio. Também teve de atacar o poder de burocratas encastelados no Estado, a
inflação, movimentos de especulação com moeda estrangeira e outras frentes. Ao
mesmo tempo, Cristina iniciou revisão profunda em bancos e casas de câmbio
argentinos, na luta para fechar canais de lavagem de dinheiro. Sob a acusação
de retirada ilegal de dinheiro do país, foram suspensas, na Argentina, todas as
operações da empresa Procter & Gamble norte-americana. E prosseguem as
investigações sobre crimes cometidos pelas forças de segurança durante a
ditadura militar, de 1976 a
1983.
Não surpreende portanto que Cristina tenha tantos inimigos,
inclusive na empresa-imprensa, chamada “mídia”, que está empenhada em campanha
diretamente orientada para desacreditar a presidenta. As declarações de renda
da presidenta, do marido falecido e dos filhos adultos estão sendo examinadas e
re-examinadas. Todos estão sendo acusados de ocultação de renda. E pessoas do
círculo de contatos pessoais da família também estão sob mira.
Segundo analistas políticos, os ataques atualmente lançados
contra a presidenta da Argentina são parte de um plano elaborado para assegurar
que ela não consiga fazer sucessor, e que seja eleito, para presidir a
Argentina, alguém que represente as forças políticas aliadas aos EUA, que
promovam mudança radical nas atuais políticas.
Fundos abutres atacam Argentina |
Nessa mesma linha deve-se inscrever também a história dos
“fundos abutres” (os mesmos que, em 2013, voavam agourentos sobre a Ucrânia), que
compraram papéis da dívida de países que enfrentavam dificuldades financeiras
por preço baixíssimo e na sequência recorreram a cortes judiciais para exigir
pagamentos que excediam em muito o valor da dívida. Foi exatamente o que
aconteceu com a Argentina.
Falando à Assembleia Geral da ONU em setembro, Cristina
Kirchner condenou fortemente essa prática, e exigiu que se adotassem medidas
legislativas para restringir a atividade desses “abutres”.
Thomas Griesa |
Quanto ao julgamento, a Argentina – estado soberano – enfrentou o juiz federal norte-americano Thomas Griesa. O governo
argentino não considera que a atual situação caracterize “calote” [ing. does
not consider the current situation a default]: Buenos Aires está disposta a
saldar suas obrigações com seus credores, mas por valores da dívida reestruturada,
não pelos valores que os “fundos abutres” estão cobrando e que o juiz Thomas
Griesa insiste em que a Argentina deva pagar. Os credores podem receber os
correspondentes pagamentos pela División
Fideicomisos del Banco de la Nación.
Mas Thomas Griesa agora ameaça com novas represálias. Se
Buenos Aires não se render e aceitar pagar o que os “abutres” estão cobrando, a
Argentina será banida do sistema internacional e não poderá negociar com bancos
norte-americanos. Buenos Aires não parece assustada nem, sequer, impressionada
e já deu as costas às negociações. Qualquer decisão de juiz norte-americano que
dificulte a reestruturação da dívida argentina ou tente alterar decisão do
governo argentino será tomada como interferência em assuntos internos do país.
Argentina é país soberano |
A “notícia” de que a Argentina estaria à beira de “declarar
o calote” de dívidas legais – que é notícia falsa, mas repetida incessantemente
pela propaganda norte-americana – está provocando compreensível irritação entre
as autoridades argentinas. Em setembro de 2014, o diplomata encarregado de
negócios na embaixada dos EUA na Argentina, Kevin Sullivan, disse ao jornal Clarin:
Para voltar a um caminho de crescimento econômico estável e atrair os
investimentos de que a Argentina precisa, é importante que o país deixe
imediatamente a posição de devedor inadimplente.
Sullivan foi imediatamente convocado a prestar
esclarecimentos ao Ministério de Relações Exteriores da Argentina, onde ouviu
que suas palavras
(...) não
têm qualquer fundamento factual e repetem, de fato, exclusivamente as palavras e
a posição dos fundos abutres.
O diplomata norte-americano foi avisado de que:
(...) se
declarações desse tipo voltarem a acontecer, com novas intromissões nos
assuntos internos da República Argentina, serão adotadas as medidas mais extremas
previstas na Convenção de Viena sobre conduta de representantes diplomáticos.
Como alguns jornais noticiaram na Argentina, implica que a
Argentina pode declarar Kevin Sullivan persona non grata.
Kevin Sullivan |
Deve-se dizer que o posto de embaixador dos EUA na
Argentina está vago desde julho de 2013. Na América Latina essa situação já não
é rara: a embaixada dos EUA no Equador permaneceu sem titular por muito tempo,
e Washington não conseguiu manter embaixadores na Venezuela nem na Bolívia.
Já há mais de um ano, os EUA consideram nomear Noah Bryson
Mamet – empresário, que joga golfe regularmente com o presidente dos EUA e,
mais importante, é dos mais ricos doadores de campanha dos Democratas – para o
posto de Embaixador dos EUA na Argentina. Nas sabatinas pelas quais tem passado
no Senado, Mamet deu sinais claros de saber rigorosamente coisa alguma, nada,
sobre a realidade argentina. Algumas críticas de senadores chegaram aos
jornais: a Argentina é:
(...) estado
em situação de pré-crise econômica e política, e é preciso mandar para lá um
profissional do serviço diplomático, não esse tipo de amador.
Fato é que o prédio da embaixada dos EUA na Argentina, por
obra do Departamento de Estado, do Pentágono e das agências de inteligência, já
vive repleto de profissionais especialistas em “provocar” a tal situação de
“pré-crise” de que falaram os senadores norte-americanos. A lista dos
diplomatas dos EUA publicada pelo Ministério de Relações Exteriores da
Argentina incluem vários nomes conhecidos por intensa atividade subversiva em
outros países. São empregados da CIA, como Timothy Murdoch Stater, não
apenas agente “prático”, mas também teorizador do serviço de promover subversão
em outros países; além de Kenneth Roy, Yordanka Roy, Brendan O’Brien, Michael
Lance Eckel e vários outros, o que prova que a subversão provocada não é
delírio, mas evidência fortemente sugerida, se não claramente comprovável.
Anaida Haas |
Na mesma lista também aparece o nome de Anaida K. Haas, que fez carreira no Afeganistão, de
onde foi transferida para o Departamento de Estado, Gabinete de Assuntos
Russos. É possível que a transferência de Haas para a Argentina esteja
conectada a missão relativa a relações comerciais entre Rússia e Argentina.
Washington está furiosa porque Cristina Fernández foi dos
primeiros, na América Latina, que se declarou disposta a vender produtos
argentinos necessários para suprir demandas do mercado russo; e imediatamente
depois da declaração, os negócios começaram.
A capacidade para resistir, do governo de Cristina
Fernández de Kirchner poderá ser estimada logo nos primeiros meses do próximo
ano. Difícil esperar que a campanha presidencial seja pacífica, uma vez que há
muitos agentes norte-americanos especialistas em desestabilização já trabalhando
com a oposição. Haverá “clamor” para que Cristina renuncie (por questões de
saúde), a “5ª coluna” estará mobilizada e a pleno vapor, eclodirão greves nos
transportes públicos, e não se deve descartar a possibilidade de sabotagem nas
redes de energia, com “apagões” estratégicos. Tudo isso está acontecendo com
frequência crescente em países que Washington considera seus oponentes
geopolíticos.
A ação subversiva e sediciosa da Embaixada dos EUA em
Buenos Aires pode ser estimada a partir dos relatos de informação que estão
sendo distribuídos pelos funcionários da embaixada – só para cidadãos
norte-americanos. São “relatórios” que falam de aumento dramáticos nos índices
de criminalidade e sugerem que os lugares públicos devem ser evitados. Falando
em rede nacional de televisão, Cristina Fernández referiu-se a esse tipo de “relatórios”,
como “atos de provocação”.
A temporadas de provocações, pelas agências de inteligência
dos EUA na Argentina, está só começando.
[*] Nil Nikandrov é um jornalista sediado em Moscou cobrindo a política da América Latina e suas relações com os EUA; crítico ferrenho das administrações neoliberais sobre as economias nacionais latino-americanas. Especializou-se em desmascarar os esforços feitos pela CIA e outros serviços de inteligência ocidentais para minar governos progressistas na América Latina. Autor de vários livros - tanto de ficção e estudos documentais - dedicados a temas latino-americanos,
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