5/12/2014, Logan Symposium, [*] John Pilger (vídeo 20’49”)
Traduzido da transcrição pelo pessoal da Vila Vudu
Mas a influência nefasta do império de Murdoch não é maior nem mais nefasta que a influência do que se conhece como “imprensa-empresa séria”. A propaganda midiática mais efetiva não se encontra nem no Sun nem no canal Fox News de Murdoch – mas nos jornais e televisões ditos “sérios”, acobertados por um halo de jornalismo liberal e pressuposto respeitável.
Quando o New York Times publicou a notícia inventada segundo a qual Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, todos acreditaram, porque o veículo não era o canal Fox News de Murdoch: era o New York Times.
Por que o jornalismo sucumbiu tão completamente à propaganda? Por que censura e distorção são a prática padrão? Por que a BBC é, tão frequentemente, porta voz dos poderosos mais rapaces? Por que o New York Times e o Washington Post mentem diariamente aos seus leitores-consumidores?
Por que os jovens jornalistas não são ensinados a compreender as agendas dos veículos e a se contrapor a elas, denunciando a distância que separa os altos objetivos declarados e a realidade da ‘objetividade’ mais falsa? E por que não são ensinados que a essência de praticamente tudo que costumamos chamar de “imprensa-empresa dominante” nunca é informação, mas é só e sempre, poder?
Essas são perguntas que clamam por respostas urgentes. O mundo está diante do risco de grande guerra, talvez guerra nuclear – com os EUA claramente decididos a isolar e provocar a Rússia e provavelmente, em breve, também a China. Essa verdade está sendo invertida, apresentada de cabeça para baixo e pés para cima, por jornalistas – entre os quais, claro, também os que divulgaram como se fossem notícias, as mentiras que levaram ao banho de sangue no Iraque em 2003.
Vivemos tempos tão perigosos e tão distorcidos, para a percepção pública, que a propaganda deixou de ser, como Edward Bernays a chamou, “um governo invisível”. Agora já é mando autoritário perfeitamente visível. Governa sem medo de ser contraditado e seu principal objetivo é nos conquistar: conquistar para ele a nossa visão do mundo, bloquear completamente nossa capacidade para separar mentira e verdade.
A era da informação é, na verdade, a era da imprensa-empresa. A imprensa-empresa produz guerra; a imprensa-empresa censura; a imprensa-empresa demoniza quem queira; a imprensa-empresa vinga-se; a imprensa-empresa afasta a atenção dos eleitores do que a imprensa-empresa não queira que seja sabido – a imprensa-empresa é uma linha de montagem surreal de clichês de rendição e pressupostos mentirosos.
Esse poder para criar uma nova “realidade” foi construído ao longo de muito tempo. Há 45 anos, um livro intitulado The Greening of America fez furor. Na capa, lia-se:
Há uma revolução em marcha. Não será como as revoluções passadas. Dessa vez, a revolução nascerá com o indivíduo.
Eu trabalhava como correspondente nos EUA e lembro bem como, da noite para o dia, o autor – um jovem aluno de Yale – Charles Reich recebeu status de guru. A mensagem era que a ação política e o trabalho de informar a verdade haviam fracassado, e só a “cultura” e a introspecção poderiam mudar o mundo.
Em poucos anos, movido pelas forças do lucro, o culto do “eu-mesmo-ismo” já atropelara mortalmente nosso senso de ação conjunta, de justiça social e de internacionalismo. Classe, gênero e raça foram separados. Se era individualista e pessoal... era “político”. E empresa-imprensa, já então chamada “mídia”, era a mensagem.
No começo da guerra fria, a fabricação-invenção de novas “ameaças” completou o serviço de completa desorientação política para todos que, 20 anos antes, ainda teriam constituído uma oposição veemente.
Em 2003, filmei uma entrevista em Washington com Charles Lewis, respeitado jornalista investigador norte-americano. Discutimos a invasão ao Iraque, acontecida meses antes. Perguntei-lhe:
E se a imprensa-empresa mais livre do mundo tivesse denunciado as mentiras de George Bush e Donald Rumsfeld e investigado tudo que eles diziam, em vez de pôr em circulação tudo que, como adiante se viu, não passava de propaganda a mais nua-e-crua?
Lewis respondeu que:
(..) se nós jornalistas tivéssemos feito o que era nosso trabalho e nosso dever“haveria boa, muito boa probabilidade de que os EUA não tivessem feito guerra ao Iraque”.
É conclusão estarrecedora, mas apoiada por outros jornalistas aos quais fiz a mesma pergunta. Dan Rather, ex-CBS, deu-me a mesma resposta. David Rose do Observer e consagrados jornalistas e produtores na BBC, que pediram para que seus nomes não fossem divulgados, disseram a mesma coisa.
Em outras palavras: se os jornalistas tivessem feito jornalismo, se tivessem perguntado e investigado, em vez de só repetir e amplificar a propaganda que recebiam pronta, centenas de milhares de homens, mulheres e crianças não teriam morrido; e milhões não teriam perdido as próprias casas; e a guerra sectária entre sunitas e xiitas não teria sido insuflada; e talvez nem existisse o famigerado Estado Islâmico.
Ainda hoje, apesar dos milhões que tomaram as ruas em protestos, a maioria das populações nos países ocidentais absolutamente ainda não tem nem ideia da escala gigante do crime que os governos ocidentais cometeram no Iraque. Menos gente ainda sabe que, nos 12 anos antes da invasão, os governos de EUA e Grã-Bretanha puseram em movimento um holocausto – negando à população civil iraquiana os meios mínimos para a sobrevivência.
Essa são as palavras do principal funcionário britânico responsável por sanções impostas ao Iraque nos anos 1990s – um sítio medieval que provocou a morte de meio milhão de crianças com menos de cinco anos, como a UNICEF relatou. O nome do funcionário é Carne Ross. No Ministério de Relações Exteriores em Londres, ficou conhecido como “Mr. Iraq”. Hoje, se ocupa com contar, afinal, a verdade, sobre como o governo britânico mentia e os jornalistas acorriam, lépidos, sempre dispostos a divulgar o mais possível toda e qualquer mentira que lhes chegasse aos ouvidos.
Alimentávamos os jornalistas com factoides que a inteligência nos passava, depois de “aprovados” – disse-me ele. – Ou os mantínhamos absolutamente longe de qualquer fato.
O principal “sentinela tocador do apito de alarme” durante aquele período negro de informação falsificada foi Denis Halliday. Então Secretário-Geral Assistente da ONU e alto funcionário da ONU no Iraque, Halliday renunciou ao cargo e à carreira, para não ter de implementar políticas que ele descreveu como “genocidas”. Halliday estima que as sanções impostas por EUA e Grã-Bretanha ao Iraque mataram mais de um milhão de iraquianos.
O que então aconteceu a Halliday é muito instrutivo. Foi apagado do mundo. Ou foi convertido em agente do mal. No programa “Newsnight”, da BBC, o apresentador Jeremy Paxman berrou-lhe:
Você não é defensor elogiador de Saddam Hussein?
Recentemente, The Guardian descreveu essa cena como um dos “momentos memoráveis” da carreira de Paxman. Semana passada, Paxman assinou contrato de 1 milhão de libras, para escrever um livro.
Os limpa-penicos da supressão do jornalismo fizeram bem feito o seu trabalho imundo. Considerem os efeitos. Em 2013, pesquisa da ComRes descobriu que a maioria da população britânica acreditava que haviam morrido no Iraque “menos de 10 mil pessoas” – fração ínfima da verdade. O rastro de sangue que vai do Iraque a Londres havia sido esfregado a golpes de “mídia”, até quase sumir.
Rupert Murdoch é conhecido como o chefão da “máfia midiática”, e ninguém deve duvidar do estarrecedor poder de seus jornais – são 127, com circulação somada de 40 milhões de jornais, e de sua rede Fox. Mas a influência nefasta do império de Murdoch não é maior nem mais nefasta que a influência do que se conhece como “a mídia mais ampla”.
A propaganda mais efetiva não se encontra nem no Sun nem no Fox News de Murdoch – mas nos jornais e televisões ditos “sérios”, acobertados por um halo de jornalismo liberal e pressuposto “civilizado”.
Quando o New York Times publicou a notícia inventada segundo a qual Saddam Hussein teria armas de destruição em massa, todos acreditaram porque o veículo não era o canal Fox News de Murdoch: era o New York Times.
O mesmo vale para o Washington Post e The Guardian, empresas-imprensa que, ambas, tiveram função criticamente decisiva no condicionamento dos seus leitores-consumidores, até que aceitassem nova e perigosa guerra fria. Todos esses veículos da imprensa-empresa neoliberal falsearam o noticiário dos eventos na Ucrânia, apresentado como se a Rússia tivesse cometido algum crime – quando, na verdade, aconteceu ali um golpe fascista liderado pelo EUA, ajudado pela Alemanha e pela OTAN.
A inversão da verdade e do fato é tão generalizada, que já nem se discutem, nos EUA, os movimentos de intimidação e provocação militar que Washington realiza contra a Rússia, nem se ouve qualquer oposição a eles. Não se ouve notícia alguma, todas suprimidas e censuradas por trás de uma campanha de geração de medo social, do tipo sob o qual cresci, durante a primeira guerra fria.
Mais uma vez, o império do mal vem nos pegar, liderado por novo Stalin, ou perversamente, por novo Hitler. Escolha seu judas e pode malhá-lo até a morte.
A ocultação dos fatos reais sobre a Ucrânia é processo dos mais completos, de blecaute de notícias de que me recordo em toda a minha vida. E acompanha a maior concentração de militares ocidentais no Cáucaso e no leste da Europa, desde o final da IIª Guerra Mundial.
A ajuda secreta que Washington deu a Kiev e às suas brigadas neonazistas responsáveis por crimes de guerra contra a população do leste da Ucrânia foi apagada do mundo. Todas as provas que desmentem a propaganda segundo a qual a Rússia teria sido responsável por abater em pleno voo um avião civil malaio com 300 passageiros foram apagadas do mundo.
E, mais uma vez, a imprensa-empresa neoliberal pressuposta séria faz as vezes de censor. Apaga fatos, nada de provas, apareceu até um jornalista para identificar um líder pró-Rússia na Ucrânia como o homem que, pessoalmente, teria derrubado o avião. Esse homem, escreveu o tal jornalista, é conhecido como O Demônio. Sujeito assustador, que apavorou o jornalista. Pronto. Está tudo investigado e comprovado.
Muitos, nas imprensa-empresas ocidentais trabalharam duro para apresentar a população de russos étnicos que vive na Ucrânia como outsiders, forasteiros em seu próprio país, nunca como ucranianos que desejam ser integrados à Federação Russa, como cidadãos ucranianos em luta de resistência contra um golpe orquestrado contra governo que eles mesmos elegeram.
O que o presidente da Rússia tenha a dizer não importa; é o vilão da pantomima que se pode malhar à vontade, sem consequências. Um general norte-americano que dirige a OTAN e é perfeita reencarnação do Dr. Strangelove, o “Dr. Fantástico” – o tal general Breedlove – reclama todos os dias de invasões russas, sem um fiapo de comprovação. É a personificação do general Jack D. Ripper, de Stanley Kubrick.
40 mil russos estariam reunidos na fronteira, fortemente armados, disse o Dr. Fantástico, digo, o general Breedlove. Pois foi o que bastou para alimentar o “noticiário” do New York Times, do Washington Post e do Observer – esse último, depois de ter-se destacado pelo empenho com que publicou, como se fosse informação, as mentiras e delírios que serviram de “base” para a invasão ao Iraque ordenada por Blair – como revelou um ex-repórter, David Rose.
Há quase que o “prazer espiritual” de uma reunião de classe. Os batedores-de-tambor de repetição do Washington Post [de O Estado de S.Paulo, da Folha de S.Paulo, da rede Globo, da rede Bandeirantes e toooooodas as unidades repetidoras pelo Brasil inteiro (NTs)] são os mesmos redatores de editoriais que declararam que a existência das armas de destruição em massa de Saddam seria “fato comprovado”.
Se você não compreende – escreveu Robert Parry – como é possível que o mundo tenha chegado às portas da terceira guerra mundial, do mesmo modo como chegou às portas da primeira guerra mundial há um século, tudo que tem de fazer, para entender, é observar a loucura que tomou contra de virtualmente toda a estrutura político-informacional nos EUA [e também no Brasil, porque por aqui não se produz noticiário internacional, só se reproduz, copiado das empresas-imprensa-agências norte-americanas (NTs)], sobre a Ucrânia. Uma falsa narrativa de bons contra maus tomou conta de tudo desde o início. E, com o tempo, tornou-se impenetrável a qualquer fato ou informação racionalmente produzidos.
Parry, o jornalista que investigou e expôs todo o caso dos “Contras” do Irã, é um dos poucos profissionais que investiga o papel crucialmente decisivo que têm as empresas-imprensa da “mídia” no que o ministro de Relações Exteriores da Rússia chamou de “jogo das galinhas assustadas” [que correm cacarejando alto, antes até de saberem o que realmente está acontecendo (NTs)]. Mas será mesmo jogo?
No momento em que escrevo esse texto, o Congresso dos EUA está votando a Resolução n. 758 que, em resumo, ordena “os EUA que se preparem imediatamente para guerra à Rússia”.
No século XIX, o escritor Alexander Herzen descreveu o liberalismo secular como “a última religião, embora sua igreja não seja do outro mundo, mas desse”. Hoje, esse direito divino é muito mais violento e perigoso que qualquer coisa que o mundo muçulmano produza, porque seu principal triunfo é a ilusão da informação livre e aberta.
Nos noticiários, países inteiros são varridos do mundo. A Arábia Saudita, fonte de todo o extremismo e do terror apoiado pelo ocidente, não é assunto – se não quando abaixa o preço do petróleo, apresentada então praticamente como associação de filantropia universal. O Iêmen sofreu 12 anos sob ataques de drones norte-americanos. Quem soube? Quem se incomoda?
Em 2009, a Universidade do Oeste da Inglaterra [orig. University of the West of England] publicou os resultados de um estudo de dez anos sobre a cobertura que a BBC dera à Venezuela. Das 304 matérias levadas ao ar, só três mencionavam qualquer das políticas socialmente mais importantes introduzidas pelo governo de Hugo Chávez. O maior programa de alfabetização em massa (que erradicou o analfabetismo na Venezuela)da história da humanidade recebeu duas linhas de comentário.
Na Europa e nos EUA, milhões de leitores e de telespectadores sabem praticamente nada sobre as mudanças dramáticas, de melhoria na qualidade de vida que foram implantadas na América Latina, muitas delas inspiradas em Chávez. Como na BBC, também as matérias publicadas no New York Times, no Washington Post, no Guardian [em O Estado de S.Paulo, na Folha de S.Paulo, na rede Globo, na rede Bandeirantes e em tooooooodas as respectivas unidades repetidoras pelo Brasil inteiro (NTs)] e no resto de toda a “respeitável” imprensa-empresa “séria” no ocidente, tudo foi sempre redigido e distribuído de má fé. Zombaram de Chávez até em seu leito de morte. E fico a pensar: como será que ensinam a fazer exatamente assim, sempre a mesma coisa, em escolas de jornalismo?
Por que milhões de pessoas na Grã-Bretanha aceitam e deixam-se convencer de que esse castigo coletivo chamado “austeridade” seria necessário?! Que seria, mesmo, recomendável?!
Logo depois do crash econômico em 2008, o que se viu exposto foi um sistema apodrecido. Por um átimo de segundo os bancos foram “noticiados” como escroques, com deveres para com o público que haviam assaltado e traído.
Mas em apenas poucos meses – exceto uma poucas pedras lançadas contra “bônus” pagos pelas empresas de roubo aos roubadores profissionais – a mensagem já mudara completamente. As caricaturas e as críticas contra banqueiros-bandidos desapareceram da “mídia” e dos veículos de massa da imprensa-empresa. E começou o tempo de glorificação de algo chamado “austeridade” – para a desgraça de milhões de pessoas comuns. Houve algum dia tunga mais ousada que essa?
Hoje, muitas das bases e fundamentos da vida civilizada na Grã-Bretanha estão sendo desmanteladas, para pagar dívida fraudulenta, a dívida dos escroques. Os cortes de “austeridade” parecem chegar a 83 bilhões de libras. É quase exatamente o total de impostos sonegados por aqueles mesmos bancos e empresas-imprensa escroques, como a Amazon britânica e o jornal britânico de Murdoch, News UK. E os bancos dos escroques estão recebendo subsídio anual de 100 bilhões de libras, em avais, garantias e seguros grátis – dinheiro suficiente para financiar toda a Saúde Pública Nacional.
A crise econômica é pura propaganda. Hoje, a Grã-Bretanha, os EUA, grande parte da Europa, Canadá e Austrália são governados por políticos extremistas. Quem fala pela maioria? Quem está construindo a narrativa da maioria? Quem oferece informação confiável? Quem organiza e preserva registros corretos de fatos reais? Não é o que os jornalistas existem para fazer?!
Em 1977, Carl Bernstein, afamado depois de Watergate, revelou que mais de 400 jornalistas e diretores de grandes empresas-imprensa trabalhavam então para a CIA. A lista incluía jornalistas do New York Times, Time e das redes de televisão. Em 1991, Richard Norton Taylor do Guardian revelou números semelhantes, sobre seu país.
Hoje já nada disso é necessário. Duvido muito que alguém tenha tido de pagar ao Washington Post e a muitos outros veículos das empresas-imprensa para que se pusessem a acusar Edward Snowden de ajudar terroristas. Duvido que alguém precise pagar os que rotineiramente ofendem Julian Assange – embora, sim, haja muitas recompensas.
Para mim, é perfeitamente claro que a principal razão pela qual Assange atraiu tanta ira, violência e inveja é que WikiLeaks pôs a nu toda uma elite política corrupta que é mantida à tona e no poder exclusivamente por jornalistas e jornalismos.
Ao inaugurar uma extraordinária era de abertura e transparência, Assange fez inimigos mortais, porque expôs o papel das imprensas-empresas, como guardiãs da corrupção. Assange tornou-se, simultaneamente, o arqui-inimigo, um alvo preferencial e, também, uma galinha dos ovos de ouro! [No Brasil TODAS as empresas do grupo GAFE (Globo, Abril, Folha de SP e Estadão)e afiliadas são guardiãs da CORRUPÇÃO e do GOLPISMO (Nrc)].
Assinaram-se contratos lucrativos para livros e para filmes Hollywoodianos, e carreiras chegaram aos píncaros da glória, nas costas de WikiLeaks e seu criador. Muita gente ganhou muito dinheiro, enquanto WikiLeaks lutava para não morrer.
Nada disso foi mencionado em Estocolmo, dia 1/12/2014, quando o editor do Guardian, Alan Rusbridger, partilhou com Edward Snowden o “Right Livelihood Award”, conhecido como o Prêmio Nobel da Paz alternativo. O mais chocante daquele evento foi que Assange e WikiLeaks foram apagados do mundo. Como se não tivessem existido. Como se fossem não pessoas. Ninguém falou em defesa do criador, do pioneiro absoluto do movimento de dar o alarme, de avisar do perigo mortal que se esconde na manipulação do noticiário pela imprensa-empresa. O homem que deu de presente ao Guardian um dos maiores furos de toda a história. E o mais importante de tudo: foram Assange e sua equipe de WikiLeaks quem, de fato – e brilhantemente – resgataram Edward Snowden em Hong Kong e o puseram em total segurança [em Moscou, onde hoje vive e trabalha]. Nem uma palavra.
O que tornou ainda mais gritante, irônica e desgraçada aquela censura por omissão, foi que a tal cerimônia realizava-se no Parlamento da Suécia – parlamento e autoridades cujo vergonhoso silêncio no caso construído contra Assange colaborou para um dos maiores golpes jamais assestados contra a justiça em Estocolmo.
Quando a verdade é substituída pelo silêncio – disse o dissidente soviético Yevtushenko – o silêncio torna-se mentira.
Esse tipo de silêncio-mentira tem de ser quebrado pelos jornalistas. Que todos olhemos nossa própria cara no espelho. Temos de chamar às falas a imprensa-empresa subalterna ao poder e ao dinheiro, e a psicose que mais uma vez ameaça arrastar o mundo à guerra.
No século XVIII, Edmund Burke descreveu o papel da imprensa como um Quarto Estado que fiscalizaria os poderosos. Não sei sequer se alguma imprensa-empresa algum dia fez tal coisa. Mas sei, com certeza absoluta, que, hoje, nenhuma faz. Acho que precisamos de um Quinto Estado: jornalismo que monitore, que desconstrua e que enfrente a propaganda e que ensine os mais jovens a defender os mais fracos e mais pobres, não dos mais ricos e mais poderosos.
Para mim, jornalismo tem de ser a insurreição do saber subjugado.
Estamos diante do centenário da Iª Guerra Mundial. Foi quando começou a glória de jornalistas e repórteres, sempre tão mais prestigiados e recompensados quanto mais dedicados ao silêncio mais acovardado. No auge do banho de sangue, o Primeiro-Ministro britânico, David Lloyd George, confidenciou a C.P. Scott, editor do Manchester Guardian:
Se as pessoas conhecessem a verdade, a guerra acabaria amanhã cedo. Mas não conhecem nem podem conhecer.
Ainda não conhecem. Mas, com certeza, já é hora de conhecerem.
[*] John Pilger − nasceu em Bondi na área metropolitana de Sydney, Austrália, 9 de outubro 1939. A carreira de Pilger como repórter começou em 1958; ao longo dos anos tornou-se famoso pelos artigos, livros e documentários que escreveu e/ou produziu. Apesar das tentativas de setores conservadores de desvalorizar Pilger, o seu jornalismo investigativo já mereceu vários galardões, tais como a atribuição, por duas vezes, do prêmio de Britain’s Journalist of the Year Award na área dos dos Direitos Humanos. No Reino Unido é mais conhecido pelos seus documentários, particularmente os que foram rodados no Camboja e no Timor−Leste. Trabalhou ainda como correspondente de guerra em vários conflitos, como na Guerra do Vietnam, no Camboja, no Egito, na Índia, em Bangladesh e em Biafra. Atualmente reside em Londres.
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