13/11/2013, [*]
Pepe Escobar, Asia Times Online - The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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Os 7 mais importantes líderes da China são Xi Jinping (C), Li Keqiang (3ºD), Zhang Dejiang (3ºE), Yu Zhengsheng (2ºD), Liu Yunshan (2ºE), Wang Qishan(1ºD), Zhang Gaoli (1ºE) aguardam o início da 3a. Sessão Plenária do 18o CPC Comitê Central do PCC em Pequim, capital da China |
“O foco da
reestruturação do sistema econômico (...) é permitir que o [as forças do]
mercado tenham “papel
decisivo” na alocação de recursos”.
É isso? O
mundo espera sem respirar – e só isso aparece: um enigma, embalado num
quebra-cabeças dentro de uma “caixa chinesa”, em forma de comunicado encriptado
distribuído pela muito aguardada 3ª Plenária do 18º Comitê Central do Partido
Comunista da China.
Para saber
quem, afinal, é responsável por isso – o primeiro documento político sério que
chega ao público já com a China sob governo do presidente Xi Jinping e do
premiê Li Keqiang – basta olhar a foto: são os sete membros do Comitê Dirigente
do Politburo, os homens que realmente governam a China. E o que está em jogo
não poderia ser mais sério; nada menos que as escolhas
estratégicas sobre a inevitável ascensão da China ao
status de n. 1 da economia mundial.
É preciso
sempre lembrar o modo como trabalha o Partido Comunista da China. A sessão
Plenária (O “Pleno”) é o momento em que “se forja o consenso” dentro da elite
do PCC e quando se define o tom para o próximo estágio de desenvolvimento em
velocidade vertiginosa-temerária chinês.
Fato é que
o anticlímax parece ter-se tornado conceito operativo por aqui. O frenesi da
mídia na China, pré-Pleno, foi total, incansável – do tipo “mudança na qual se
pode crer” (mas, não, nada a ver com as campanhas políticas de estilo norte-americano
de um bilhão de dólares). Afinal, o n. 4 no Comitê Dirigente do Politburo, Yu
Zhengsheng, prometeu publicamente reformas “sem precedentes”, levando a uma
“profunda transformação na economia, na sociedade e em outras esferas”.
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China reajustando suas engrenagens políticas e econômicas |
O frenesi
foi gerado, sobretudo, por um mapa do caminho da reforma, publicado pelo Centro
de Pesquisa para o Desenvolvimento do Conselho do Estado – o chamado “plano 383”. Na numerologia marca registrada chinesa,
o mapa do caminho delineou o “trem do pensamento três em um; as oito áreas
chaves; e os três principais projetos de reforma”. “O segredo de uma reforma
bem-sucedida seria o manejo adequado dos laços entre o governo e o mercado”.
Um dos autores
daquele trabalho, Liu He, diretor do Central
Leading Group para Assuntos Financeiros e Econômicos, e vice-diretor da
Comissão de Reforma e Desenvolvimento Nacional, tornou-se, de fato, um superstar.
E pouco antes do Pleno, o presidente da China – e secretário-geral do PCC – Xi
Jinping repetiu que “reforma e abertura são processo continuado, sem fim”.
Para mim,
uma glasnost com gelo, por favor
E então? O
que realmente significará essa glasnost com características chinesas? A
opinião pública chinesa ainda não tem acesso aos detalhes do enigma do dragão
dentro da charada – ou vice-versa – embora tudo que tenha a ver com essas
reformas tenha impacto direto sobre a vida de 1,3 bilhão de pessoas. De fato, a
caixa dentro da qual está o enigma escondido dentro de uma pirâmide – que
reflete o processo de decisão monopolizado por uma elite partidária sábia e
benigna. “Transparência”, aqui, sequer se aproxima de uma imagem no espelho.
Todos
esperavam promessas, pelo partido, de aumentar a independência do sistema
judiciário chinês e de manter a luta contra a corrupção e a injustiça social.
Todos
esperavam um abrandamento da política do “filho único”, que já dura 33 anos –
permitindo que os casais tenham um segundo filho; é natural, considerando o
objetivo do PCC, de uma economia baseada no consumo, com a população chinesa já
envelhecendo.
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A China enrenta o problema de êxodo rural, reforma agrária e reurbanização |
Todos
esperavam soluções para a reforma agrária, diretamente ligada ao movimento
para a nova urbanização.
E, para
registrar, é a primeira vez que o PCC reconhece que:
(...) ambos os setores, o público e o privado, são
igualmente importantes como componentes de uma economia socialista de mercado,
e as importantes bases do desenvolvimento econômico e social de nossa nação.
Na prática,
significará que o PCC estará quebrando o monopólio estatal em umas poucas
indústrias estratégicas. Será permitido investimento privado, por exemplo, em
bancos, energia, infraestrutura e telecomunicações. Significará também que
muitas empresas que são propriedade do Estado deixarão de operar como braços da
burocracia governamental. Nesse caso, esperem furiosa oposição dos interesses
entrincheirados de sempre – com elites políticas regionais contra Pequim.
O plano
máster do PCC é expandir a classe média chinesa para mais de 50% da população,
até 2050 (atualmente, está em 12%) – equacionando mais consumo e estabilidade
social.
Hoje, o
setor público é responsável por mais de 25% do PIB da China. Muitos negócios na
China já são empresas público-privadas – mas 25% de todas as empresas privadas
têm alguma estatal, como empresas “parentes”. Só 1,3% dos trabalhadores
chineses são empresários privados. 2/3 deles trabalhavam, antes, no sistema do
partido-estado. E 20% ocupam posição de liderança no seu sistema local do
governo ou do partido.
O papel
central do estado não deve ser alterado pelas reformas vindouras. Afinal, 40%
dos empresários são membros do PCC. Ganharam bom dinheiro da privatização da
moradia. Não fazem oposição política ao PCC – e com certeza lucraram com as
reformas. O que mais desejam, sobretudo, é um sistema mais eficiente e mais
justiça social. Não cultivam nenhuma ideia de mudança de regime.
Watch these
comrades rip (Rasgando a
fantasia)
No final, o
problema absolutamente chave para a próxima etapa da China pode ser facilmente
formulado à moda chinesa: como cutucar a economia, sem nenhuma reforma
política. Até o Pequeno Timoneiro, Deng Xiaoping – possivelmente o maior
estadista da segunda metade do século 20 – disse, repetidas vezes, que nenhuma
reforma econômica na China iria jamais muito longe, sem uma reforma no sistema
político.
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Xi Jinping, Presidente do PC chinês, discursa na 3a. Sessão Plenária do 18o CPC Comitê Central |
No curto e
médio prazo, é difícil antever o PCC dando licença à Deusa do Mercado para que
deite e role à vontade, na economia chinesa. Mais “mercado” à moda ocidental,
inevitavelmente acentuará até níveis proibitivos, a desigualdade entre as
regiões – exatamente quando o PCC tenta com tanto empenho acelerar o desenvolvimento
das províncias mais pobres do interior.
O
comunicado críptico é, é claro, só um mapa abreviado do caminho. Serão
necessários dias, semanas, até meses, para que se vejam em melhor detalhes as
suas implicações. Certo, mesmo, é que o “papel decisivo” das reformas do
mercado implica o PCC ao timão, monitorando cada passo do processo.
É feito um ninja
que tenta, em tempo integral, domar um dragão imensamente poderoso. Será o
combate épico de muitas eras, assistir ao Partido Comunista Chinês – uma imensa
burocracia estrutural inserida no governo da China – a cumprir essa tarefa de
equilibramento; tendo de domar os próprios instintos que sempre clamam por
controle cada vez mais fortemente centralizado (na internet, por exemplo, não
se cogita de muita glasnost) e uma explosão de darwinismo social causado
por essas forças “irracionais” que absolutamente não dão importância alguma ao
emprego e à estabilidade social.
Os Gweilos
– estrangeiros bárbaros em geral – que subestimem a decisão chinesa, se quiserem
subestimá-la, e por conta e risco deles. Quando o Pequeno Timoneiro lançou sua
própria reforma econômica – uma espécie de glasnost – em 1978, ele virou
o Partido Comunista Chinês de cabeça para baixo, de fora para dentro, de um
lado para o outro, quadrangulou o círculo: o crescimento econômico em
velocidade vertiginosa criou a deriva necessária para gerenciar os problemas
políticos, com algumas mudanças políticas permitindo aumentar ainda mais a já
alucinante velocidade do crescimento econômico.
Portanto...
E se Xi eLi vêm aí como Deng remix – e inventam um novo conceito de
mercado com características chinesas? O céu – ou a China de volta ao ponto onde
permaneceu por 18 dos 20 séculos passados – é o limite.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro,
vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês.
Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista
político do blog Tom Dispatch e
correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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