segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Quem pagará pela derrota do golpe contra Assad?

15/10/2013, Al-Manar TV, Líbano (trad. árabe-inglês de Sara Taha Moughnieh)
Traduzido para o português pelo pessoal da Vila Vudu

(...) Moussawi entende que o período pré-Genebra-2 é mais importante que qualquer anúncio que se faça durante a conferência, porque os resultados da conferência internacional já estão sendo negociados hoje [outubro/2013, data desta matéria (NTs)], e a conferência será ocasião, apenas, para divulgar o documento final e tirar fotografias para os arquivos.

Entreouvido na Tendinha do Oco do Mundo na Vila Vudu: Pelo que se sabe hoje, um mês depois desta matéria, dia 10/11/2013, a conferência Genebra-2 pode ser ocasião também para que o mundo veja, bem exposta, a violência da entidade sionista e o papel vergonhoso que a França de Hollande & Fabius faz hoje, ante o mundo, como a última “aliada” que resta aos sionistas ocupantes.

Mapa político do Oriente Médio
(clique no mapa para visualizar melhor)
As abordagens sobre a possibilidade de um acordo amplo na Região diferem entre os analistas políticos. Alguns entendem que o curso dos eventos aponta para um alívio, que resultará de acordos amplos a serem firmados, mas que demorarão até chegarem à forma definitiva; um acordo que comece na Síria, para incluir negociações de questões regionais, até que se possa considerar a possibilidade de um pacote que trate do futuro da região; outros analistas preferem não se deixar levar por excessivo “otimismo”.

O telefonema de Obama a Rouhani

Todos os analistas concordam que, à falta de qualquer acordo, a guerra é risco real, guerra que várias partes regionais não se cansam de buscar. Ninguém nega que as questões que estão começando a ser negociadas são, todas, extremamente sensíveis.

Falando à página Internet da rede Al-Manar, o analista político libanês Hussein Khalil entende que as coisas caminham rumo a um impasse, porque as exigências dos EUA não são itens que os iranianos considerem negociáveis. Khalil lembra que os EUA insistem em dar prioridade à segurança da entidade sionista, em todas as negociações regionais; mas, em todos os casos, para ele, Israel está bem consciente de que o Irã tem mais capacidade para defender-se, do que a entidade sionista ocupante, para atacá-lo.

Em outra entrevista, o especialista libanês em assuntos da Turquia, Mohammad Noureddine, lembra, com cautela, que a crise síria é sempre sujeita a surpresas, apesar de todos os pontos importantes que o Exército Sírio continua a obter em solo; mas há interferência de muitos elementos, internos, regionais e internacionais, o que só faz aumentar a complexidade da questão síria.

Amir A-Moussawi, especialista iraniano em questões estratégicas, considera que há indicações de que as coisas encaminham-se para um possível acordo, apesar de ainda haver questões pendentes entre a República Islâmica do Irã e os EUA, porque o Irã negocia na defesa de seus princípios, e os EUA tentam defender a liderança que lhes resta, no “eixo da arrogância global”.

“Abordagem”: os EUA encaminham em direção ao Irã

“O telefonema que sacudiu o Oriente Médio e os países que decidem pelo Golfo”, foi o tema escolhido por  Abdul Rahman Al-Rashed, escrevendo no jornal Asharq Al-Awsat para comentar o telefonema que o presidente Obama fez ao presidente do Irã, Sheikh Hasan Rouhani. Para Rashed, esse telefonema foi, mais, um anúncio do início de um movimento político, cujos resultados ainda não podem ser determinados.

O telefonema Obama - Rouhani
O governo dos EUA, que não conduz suas ações em termos de negociações, mas exclusivamente a partir de “fatos em campo”, acabou por se convencer de que a única via que lhe restava para arrancar-se do fracasso regional no qual naufragara, seria através do Irã. Segundo matéria assinada pelo Dr. Hussein Khalil, isso aconteceu porque o Irã tem ampla influência no Iraque e mantém boas relações no Afeganistão. É o aliado n. 1 da Síria, que se manteve inabalável ante todos os tipos de ataques globais, além de apoiar os movimentos de resistência que mudaram as equações do poder no Líbano e na Palestina. Além disso, Teerã tem sido acusada de estimular o caso dos houthis no Iêmen e tem simpatias pelas demandas da oposição no Bahrain, num momento em que já há mais de dois anos, os planos dos EUA-Ocidente para derrubar o governo sírio só conhecem derrotas e fracassos.

Aiatolá Khamenei
Quanto a isso, os iranianos não exageram quando falam de “abordagem séria”: o ministro de Relações Exteriores do Irã correu, imediatamente depois do telefonema entre Obama e Rouhani, e disse que nada daquilo implicava normalização de relações entre os dois países. Imediatamente, na sequência, foi o Imã Khamenei, em declaração para reafirmar “que o governo dos EUA não é interlocutor confiável e vive a quebrar promessas”, e que o povo iraniano já provara sua firmeza na defesa dos próprios direitos e benefícios, e na afirmação de seu desejo de coexistência pacífica.

Amir Moussawi diz que a República Islâmica do Irã valorizou devidamente alguns passos dados pelos EUA, como o presidente americano não ter assinado novas sanções já aprovadas pelo Congresso sobre a venda do petróleo iraniano; e que também apreciou a posição da União Europeia, que levantou as sanções contra navios mercantes iranianos... Mas, mesmo assim, o Irã espera mais, depois que manifestou sua disposição para cooperar plenamente com os estados do P5+1 na discussão de seu programa nuclear.

O especialista em assuntos regionais explica que as relações entre EUA e Irã estruturam-se por dois eixos: posições e benefícios.

Entende que o primeiro eixo está desativado, porque só leva a becos sem saída, porque nem o governo dos EUA está preparado para abandonar a defesa dos interesses da entidade sionista ocupante, nem o Irã abandonará a causa palestina e dos movimentos de resistência. Assim sendo, as duas partes estão convencidas de que qualquer entendimento possível terá de ser construído, antes, no eixo dos benefícios para os dois países; e adia-se para depois disso outro entendimento mais amplo. Por isso, Moussawi entende que o período pré-Genebra-2 é mais importante que qualquer anúncio que se faça durante a conferência, porque os resultados da conferência internacional já estão sendo negociados hoje [outubro/2013, data da matéria (NTs)], e a conferência será ocasião, apenas, para divulgar o documento final e tirar fotografias para os arquivos.

Visita de Rouhani, como reconhecimento pela exclusão de Bandar e Faysal

Abdul Rahman
Al-Rashed
“Muitos dos que esperavam pelos mísseis Tomahawk, como castigo ao governo sírio, e cartada que poria fim ao enriquecimento de urânio pelo Irã, foram profundamente abalados pelas notícias sobre o telefonema”. É a opinião do editor-chefe do canal de notícias Al-Arabiya, Abdul Rahman Al-Rashed, em coluna publicada no jornal saudita Asharq Al-Awsat. Para ele, “o telefonema” abalou os centros decisórios no Golfo, na Jordânia, na Turquia, em Israel e outros”.

Em seguida surgiu a informação, revelada pelo Canal 2 israelense, de uma reunião Golfo-sionistas, acontecida em Telavive. A informação foi depois confirmada, quando a imprensa publicou os nomes da delegação do Golfo, que incluía: o chefe da inteligência saudita Bandar Bin Sultan; o vice-presidente do Conselho Executivo e Conselheiro Nacional de Segurança em Abu Dhabi, Hazza bin Zayed Al-Nahyan; além do chefe da inteligência do Bahrain, general Adel bin Khalifa Al-Fadhel, um dos funcionários da inteligência do Golfo que tem laços mais fortes com o Mossad israelense.

Nesse contexto, a recusa do ministro de Relações Exteriores saudita, Saud Al-Faisal, que não leu seu discurso anual à Assembleia Geral da ONU, também foi interpretada como clara mensagem de objeção contra o movimento dos EUA de se aproximarem do Irã.

A posição obcecada dos sauditas veio acompanhada de discussão sobre se o presidente Rouhani aceitaria ou não o convite dos sauditas, que chegou dia 15/9, para que viajasse à Arábia Saudita como peregrino. Adiante, o presidente declinou o convite, sob o argumento de que qualquer atmosfera positiva que talvez se criasse durante a visita seria imediatamente destruída pelas intrigas do chefe da inteligência e ministro do Exterior saudita.

Em entrevista à página Al-Manar na Internet, Moussawi também reconheceu que qualquer abordagem Irã-sauditas resolverá muitas questões e ajudará a reduzir as tensões sectárias na região. Mas lembra que o discurso moderado dos iranianos jamais será aceito pelos sunitas mais linha-dura; assim, o valor de troca a ser exigido para que essa aproximação se faça tem de ser a exclusão de personagens como Bandar Bin Sultan e Saud Al-Faisal das negociações e dos possíveis benefícios; para tanto, tratar-se-á de dar papel mais destacado aos filhos do rei Abdullah, como os príncipes Mutaib e Abdul Aziz Bin Abdullah.

Bashar al-Assad
O fracasso do golpe atentado contra a Síria exige que Bandar seja aposentado

Os iranianos têm hoje consciência clara da posição forte em que negociam, depois do fracasso da conspiração contra a Síria, que não conseguiu derrubar o governo do presidente Bashar Al-Assad. Além disso, a Síria vê hoje uma batalha entre facções de uma “oposição” armada, sobretudo entre o chamado “Exército Sírio Livre” apoiado pela Turquia e brigadas islamistas apoiadas pela inteligência saudita. Aqueles combates expõem as diferenças que há entre Turquia e Qatar, por um lado; e entre Turquia e Arábia Saudita, por outro.

Moussawi sabe que o conflito entre grupos da “oposição” síria é mortal; e que a luta entre eles é mais feroz e sem lei que os combates contra o Exército Sírio. 

Além disso, entende que a luta hoje, na Síria, trava-se para definir quem “representará” a “oposição” nas negociações que virão; hoje, os sauditas assumiram o controle sobre a “Coalizão Síria” presidida por Ahmad Al-Jarba, homem dos sauditas; o que excluiu o homem do Qatar, Mouaz Al-Khatib.

Bandar Bin Sultan supõe que quanto mais consiga “esmagar” o “Exército Sírio Livre” e controlar os pontos de fronteira entre território sírio e territórios da Turquia, Iraque e Jordânia, mais firmemente conseguirá manter-se como parte das negociações.

As intensas batalhas em solo e o controle das brigadas islamistas (Daesh, Islamic Army, Al-Nusra Front …) confirmam a informação publicada pelo jornalista britânico Robert Fisk, sobre conversas entre membros do “Exército Sírio Livre” e alta fonte muito próxima do presidente Bashar Al-Assad, e de possíveis negociações entre o governo sírio e o “Exército Sírio Livre” que acredita numa solução síria para a guerra. Essas informações foram seguidas, imediatamente, por notícias de membros do ESL e de facções turcas armadas que combatiam contra brigadas islamistas, que se renderam ao Exército Sírio.

Bandar bin Sultan (E) de Saud al-Faisal (D)
Os combates mortais que se veem hoje acontecem porque nenhum dos dois lados conseguiu impor a causa pela qual fizeram guerra contra a Síria, uma vez que nem o Exército Sírio foi destruído, nem o presidente Assad foi deposto, nem a Síria desistiu do apoio aos movimentos da resistência na região. Assim sendo, quem pagará o custo do fracasso da operação para destruir a Síria?

Analistas têm lembrado que o envolvimento da Arábia Saudita na crise síria vem reforçar a influência de uma segunda geração que disputa o poder na Casa de Saud... especificamente os filhos do príncipe Sultan Bin Abdul Aziz. Por isso os combates se expandiram no cenário sírio, visando a alcançar também o Iraque e o Líbano, na tentativa de pressionar os aliados da Síria a mudar a equação do poder, antes de a guerra aproximar-se do fim.

Funcionários sauditas engajados na crise síria, e os filhos do príncipe Sultan, especialmente os que controlam o Exército e a Inteligência provavelmente pagarão o preço do próprio fracasso, em benefício dos filhos do rei Abdullah e príncipe Nayef… De sua parte, os iranianos apostam em mudanças dentro do reino, depois da aposentadoria de Bandar Bin Sultan e do ministro Al-Faisal – que os iranianos definem como “linha-dura”.

A Turquia fracassou... e o Qatar está pagando a conta!

Mohammad Noureddine
Quanto à Turquia, o Dr. Mohammad Noureddine, especialista em assuntos turcos, entende que a Turquia definiu como seu alvo, desde o início da crise síria, a deposição do presidente Assad. Nesses termos, qualquer acordo que exclua a derrubada de Assad marca claro fracasso da política turca.

O Dr. Noureddine concorda com análises que veem a Turquia como um dos grandes derrotados na região, especialmente depois da deposição do governo da Fraternidade Muçulmana no Egito.

Falando à página da Internet da rede Al-Manar, ele acrescenta que:

(...) o governo de Erdogan perdeu os curdos dentro e fora da Turquia, por causa do apoio que deu aos militantes que combateram contra os curdos na Síria. Também perdeu prestígio nos planos político, público e social (na Síria, no Líbano, no Iraque e no Irã) e perdeu a confiança dos eleitores, que dificilmente recuperará. 

Mas a maior perda da Turquia, segundo o Dr. Noureddine, acontecerá se as repercussões da crise síria invadirem pesadamente o território turco, “especialmente se a Al-Qaeda e seus aliados escolherem lado, no confronto dentro da Turquia”.

Nesse contexto, os analistas concordam que, em todo o projeto, o “maior perdedor” foi o Qatar.

O Qatar recebeu uma tarefa, e quando não conseguiu dar conta dela, sofreu o peso da derrota – diz o analista político libanês Hussein Khalil.

Toda a derrota do ocidente e dos EUA foi empurrada para cima do Qatar e, na sequência, os EUA tentaram desvencilhar-se das políticas que o Qatar praticou. O ex-Conselheiro Especial do Departamento de Estado dos EUA, Jeremy Shapiro, escreveu na revista Foreign Policy:

O pequeno mas ambicioso emirado do Golfo tentou usar sua imensa riqueza de petróleo para financiar a armar guerras civis na Líbia e na Síria, apoiar o Hamás em Gaza, e mediar disputas no Sudão e no Líbano. Algumas vezes seus interesses coincidem com os interesses dos EUA – mas na maioria das vezes, não coincidem.

Na sequência, Shapiro lembra também que:

Tamim [Tamim bin Hamad bin Khalifa Al Thani, Emir do Catar] é considerado um dos arquitetos da política do Qatar para a Líbia e a Síria nos últimos dois anos, incluindo o patrocínio que dá à Fraternidade Muçulmana.
Jeremy Shapiro

Hoje, o fracasso dos EUA está sendo impingido ao Qatar. É o que Shapiro sugere bem fortemente, ao dizer que o governo dos EUA quer minimizar a influência do Qatar na Síria, dando mais peso ao papel dos sauditas. O analista insiste na importância de que o reino receba a oposição qatari e as vozes dissidentes que não reconhecem a legitimidade do atual regime.

Shapiro indicou também que:

(...) o governo dos EUA pode sugerir que universidades e think tanks convidem membros de ramos colaterais da família Thani, que fazem oposição ao emir e ao seu ramo familiar, para eventos nos EUA e em outros países, para expor as fraturas ou, pelo menos, para sinalizar que conhece as fraturas que há no interior da família reinante.

E mais:

Os EUA devem considerar a ideia de uma campanha sistemática para divulgar as condições deploráveis em que vivem um milhão de trabalhadores migrantes, no Qatar. Essa publicidade negativa também abalaria a reputação do Qatar, sensível sobretudo agora, quando se prepara para sediar a Copa do Mundo de 2022.

O Qatar sabe perfeitamente que é a carta mais fraca, que o ocidente queimará em qualquer acordo futuro. Tanto sabe que, segundo várias fontes, já começou a propor novas políticas para a região. Por trás das cortinas, há notícias de que o Qatar está colaborando num acordo para libertar reféns libaneses sequestrados em Azaz, [1] como mensagem amistosa do emirado.


Nota dos tradutores
[1] Já foram libertados. Ver Discurso de Hassan Nasrallah, 28/10/2013, Al-Manar TV.



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