domingo, 24 de novembro de 2013

Arrogância do “ocidente” bloqueia avanços do Irã no P5+1

23/11/2013,[*] Finian Cunningham, Press TV, Irã
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Mesa de negociações do P5+1 e Irã  (Nações Unidas, Genebra em 20/11/2013)
Algum possível fracasso para chegar a acordo provisório nas negociações do P5+1 com o Irã, em Genebra, pode ser atribuído a vários fatores: o grave dano à confiabilidade dos negociadores, provocado pelo ministro francês, agente de lobby, ao final da rodada anterior, no início do mês; a consequente falta de empenho e compromisso dos EUA, que não defenderam o avanço que já havia sido obtido rumo a um acordo satisfatório para todos; e o sempre intrusivo trabalho de sapa, por Israel e seus poderosos apoiadores no Congresso dos EUA, ativos para criar úteis novas tensões nos bastidores.

Mas outro fator, e importante, é a arrogância do “ocidente”. EUA, Grã-Bretanha e França ainda agem como potências hegemônicas, cuja arrogância as faz cegas ao próprio comportamento injustificável, de duplifalar, dois pesos e duas medidas e deslavada hipocrisia, que as impede de tratar o Irã com o devido respeito.

Sem esse ingrediente básico de mútuo respeito, não há negociação que frutifique plenamente.

Dessa vez, pode-se dizer que a arrogância dos franceses foi a mais saliente. Três dias antes da abertura da 3ª rodada de negociações do grupo P5+1 em Genebra, o presidente francês François Hollande visitou Israel, em demonstração de servilismo patético.

Hollande abraça servilmente Netanyahu em Televive (19/11/2013) 
Na véspera das super sensíveis conversações em Genebra, a retórica teatral de Hollande sobre uma sua “posição firme de apoio a Israel contra um Irã armado com bombas atômicas” foi como “palavra-de-ordem” pró desordem e gesto repugnante para minar até a confiabilidade de seus próprios negociadores.

Mas, mais que isso, o presidente francês exibiu a arrogância contraproducente que caracteriza em geral a atitude do “ocidente” em relação ao Irã. Essa mentalidade hegemonista está na raiz do atual impasse político e da imposição continuada de sanções econômicas não éticas contra o povo do Irã.

Por que a França teria “licença” para manter cerca de 60 usinas nucleares em operação em seu território, que geram 80% da energia total de que o país precisa? Por que a França teria”‘licença” para controlar todas as etapas e todos os aspectos do ciclo do combustível nuclear, inclusive do enriquecimento de urânio, sem limites de concentração? Por que a França teria “licença” para manter arsenal de mais de 500 ogivas atômicas? Claro: porque, quando o Irã afirma seu pleno direito a desenvolver tecnologia atômica para finalidades pacíficas, a França e outras potências “ocidentais” sempre levantam as objeções mais irracionais

[Objeções que servem para alimentar os discursos pervertidos da imprensa-empresa e de seus “especialistas” e “jornalistas”, em todo o mundo (NTs)].

Esse tipo de pensamento – que a França exibiu há pouco, mas que está ativo também em outras potências ‘ocidentais’ – é o cúmulo do mais arrogante duplipensar. E, para que as conversações do P5+1 avancem, é indispensável modificar essa atitude e esse pensamento arrogantes.

Essa espantosa, inadmissível, arrogância “ocidental” revelou-se mais uma vez na inaceitável afirmação do presidente francês, falando ao parlamento israelense, de que seu país opõe-se à proliferação de armas atômicas.

Como é possível que um presidente de nação “ocidental” diga tal absurdo, sem que o ridículo do que diz seja exposto e o autor obrigado a retratar-se? Não há quem não saiba – é fato histórico! – que a França teve papel crucial na proliferação ilegal de armas atômicas no Oriente Médio, quando, nos anos 1950/60s construiu e armou os arsenais atômicos de Israel.

Washington e Londres partilham também a mesma culpa, por criarem e alimentarem esse criminoso duplifalar sobre as armas atômicas no Oriente Médio.

Aiatolá Ali Khamenei
Incontáveis visitas de supervisão, investigações e relatórios feitos pela Agência Internacional de Energia Atômica provam e comprovam o legítimo direito do Irã de manter seu programa nuclear para finalidades civis. O governo iraniano repete, há muito tempo, que seu programa tem finalidades exclusivamente civis; essa semana, mais uma vez, foi o que disse o Líder Supremo da Revolução Islâmica, o aiatolá Seyyed Ali Khamenei.

Ainda assim, as potências “ocidentais” continuam a impedir qualquer progresso na direção de um acordo. Fazem-no, (a) ao não reconhecer o direito legal fundamental do Irã a enriquecer urânio, o mesmo direito que têm todos os países signatários do Tratado de Não Proliferação; e (b) ao continuar a distribuir invencionices e mentiras sobre os planos nucleares do Irã.

Essa atitude das potências “ocidentais” é arrogante e insultuosa, e ofende a integridade do Irã e de seus governantes; mas essa arrogância é hegemônica e é ela quem bloqueia, de forma irracional e ilegal, qualquer boa solução para a disputa.

Lawrence Korb
As opiniões e preconceitos “ocidentais” têm, simplesmente, “carta branca”, uma espécie de salvo conduto, para continuar a bloquear o que, sem esse “alvará”, seria simples reconhecimento de direitos inalienáveis do Irã.

As palavras de Hollande essa semana [e do presidente Obama, ontem (ver, nos termos do desjornalismo da Rede Globo [1]) (NTs)] são prova disso. Mas há outra ilustração da arrogância do “ocidente”, e que mostra bem o quando é profundo e problemático esse modo de pensar.

Num debate televisionado no início dessa semana, exibido pela Press TV, entre o professor iraniano Mohammad Marandi e o comentarista norte-americano Lawrence Korb, viu-se bem o quanto é atrasado e preconceituoso o modo de pensar “ocidental”. Um dos aspectos mais escandalosos disso, é que parece que o Sr. Korb é tido como “progressista”, no establishment de Washington e é favorável a uma reaproximação diplomática com o Irã e a um acordo nas conversações do P5+1 com o Irã.

Korb começou por tentar fazer crer que os “dois lados” cometeram erros equivalentes. Citou, de exemplo, o cerco da embaixada dos EUA em Teerã, há 34 anos, como exemplo das transgressões iranianas.

Mohammad Marandi
O Prof. Marandi, muito corretamente, logo respondeu que não havia comparação razoável possível entre os “erros” do Irã e os erros dos EUA. Os crimes cometidos pelos EUA contra o povo do Irã são absolutamente incomparáveis, sem nada que os justifique. Incluem um golpe de estado insuflado e apoiado pela CIA, com a invenção de um governo “do Xá” e a criação de um estado policial, agentes de uma violência que o Irã nunca antes conhecera, e que se manteve até 1979; a derrubada criminosa de um avião comercial iraniano, com centenas de mortes; a guerra do Iraque contra o Irã, fomentada e financiada pelos EUA, de 1980-88; e o uso criminoso de armas químicas, com assessoramento de norte-americanos, contra civis iranianos. E, isso, ainda sem falar das sanções econômicas criminosas, que castigam crianças doentes e pacientes terminais de câncer no Irã.

Em todos esses crimes cometidos contra a nação iraniana, os EUA contaram com apoio direto de Grã-Bretanha e França.

O que se vê é que os norte-americanos, inclusive algumas vozes supostamente “progressistas”, apagaram de seus discursos a escala do horror que os EUA infligiram ao Irã (e a outras nações). Essa cegueira seletiva é efeito da corrupção que a arrogância produz no cérebro do establishment em Washington, Londres e Paris, e de boa parcela dos respectivos cidadãos.

Os EUA que tratem de ouvir mais e falar menos. Que tratem de se autoexaminar com seriedade e dignidade, em vez de tanto pontificarem.

Até que se erradique essa arrogância criminosa [amplificada pela imprensa-empresa, para o mundo (NTs)], todas as negociações com essas potências ‘ocidentais’ serão frustrantes, quando não forem completamente inúteis.
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Nota dos tradutores
[1] 24/11/2013, Globo, G1:

Obama, em uma aparência de fim de noite na Casa Branca, disse que se o Irã não cumprir os seus compromissos durante um período de seis meses, os Estados Unidos “iriam desligar” (sic) o alívio das sanções e “aumentar a pressão.

A redação miserável é trabalhinho dos “jornalistas” da Rede Globo. A matéria está em: Acordo nuclear com Irã é “primeiro passo importante”, diz Barack Obama.
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[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.

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