quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Dificuldade nas negociações mostra fissura cada vez maior entre Grécia e Alemanha


17/2/2015, [*] Yves SmithNaked Capitalism
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu 


Quanto mais tempo a Grécia conseguir manter-se na luta, mais pode usar o acesso à mídia e, principalmente, o recente status de celebridade que cerca Varoufakis, para convocar partidos anti-arrocho [orig. anti-austerity] para que pressionem seus respectivos governos. Já dissemos praticamente desde o primeiro dia, que a Grécia jamais conseguirá vencer sozinha essa luta, que precisa do apoio de aliados que consigam pressionar a Troika para que assuma linha de conduta mais justa e mais sustentável.

Michael Corleone e Kay Adams

Michael: Quando Johnny estava começando, assinou contrato de serviços com um famoso big-band leader. A carreira dele começou a melhorar e melhorar, e ele quis cancelar o contato. Mas o band leader não o deixava ir. Ora... Johnny é afilhado do meu pai. Então, meu pai foi falar com o band leader e ofereceu-lhe 10 mil dólares para deixar Johnny sair, mas o homem disse que não. Dia seguinte, então, meu pai voltou, com Luca Brasi. Em menos de uma hora, já tinha o contrato rescindido por apenas mil dólares, cheque visado.
Kay Adams: E como conseguiu?
Michael: Meu pai fez-lhe uma oferta irrecusável.
Kay Adams: Ofereceu o quê?
Michael: Luca Brasi encostou a pistola na cabeça do band-leader, e meu pai disse a ele que podia escolher: ou a assinatura ou os miolos dele, imediatamente, ali, em cima daquele contrato.
[trecho de O poderoso Chefão, Mário Puzo - 1972].


Grécia
Enquanto prosseguem as negociações entre Grécia e os vários membros da Troika, uma das coisas que mais chama a atenção é como todos, virtualmente sem exceção, matérias de jornal e TV, comentaristas financeiros e outros observadores interessados e razoavelmente bem informados continuam a garantir que algum acordo estará assinado até dia 28/2/2015 – que é prazo curtíssimo, dada a necessidade de aprovação por vários Parlamentos. Como discutiremos adiante, essa confiança desafia todas as evidências disponíveis, em termos da trajetória das conversações e do modo como terminou a última sessão do Eurogrupo, 2ª-feira (16/2/2015).

Calma, não estou dizendo que algum tipo de “acordo” não venha a ser assinado. Mas parece cada dia mais improvável que seja acordo para prorrogar o atual “resgate” dentro da Eurozona. Não implica dizer que não haja outras opções de salvação para a Grécia. Mas temos de compreender bem em que pé estão as coisas: baseados nas posições atuais dos dois lados, não há mais qualquer espaço para negociar uma solução. As margens de barganha dos dois lados absolutamente não se sobrepõem.

E não apenas nenhum dos lados deu qualquer passo: as ações dos alemães ontem (estilo Máfia) tampouco ajudaram a tornar mais atraente a oferta que o Eurogrupo pusera sobre a mesa e a Grécia rejeitara semana passada. Esperava-se da Grécia que captasse a mensagem de que se tratava de oferta que a Grécia não estaria em posição de poder recusar. Assim sendo, embora forças externas possam levar os atores a modificar as respectivas posições, não há razão para supor que as chances pesem a favor de chegarem a algum acordo.

Para detalhada recapitulação dos eventos de ontem, vejam Paul Mason of Channel 4; e Ambrose Evans-Pritchard of theTelegraph, e nossos postados (aqui aqui),  [Não há, na imprensa-empresa em língua portuguesa do Brasil, nenhuma informação de fatos, ou análise, que preste. Nem precisam procurar (NTs)].

A visão resumida é que o lado grego recebeu um memorando do Comissário da União Europeia, Pierre Moscovici, antes da reunião do Eurogrupo; os gregos estavam dispostos a assinar acordo a ser redigido a partir daquele documento. Paul Mason explica por quê:

(…) o documento dizia: Isso [acima exposto] constitui base para uma prorrogação do atual acordo de empréstimo, que pode tomar a forma de um programa intermediário (quatro meses), como estágio de transição para um novo contrato para crescimento para a Grécia, que será deliberado e concluído durante esse período.

Como isso é exatamente o que os gregos queriam, explica-se o choque e o tom de urgência de suas declarações para jornalistas na 2ª-feira (16/2/2015) à tarde, quando o texto foi trocado por outro, em termos muito mais duros.

Jeroen Dijsselbloem, Chefe do Eurogrupo
Problema não trivial é que Moscovici nunca foi emissário autorizado da Eurozona. Quando a sessão começou, o chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, apresentou documento significativamente diferente do que a imprensa alemã informara que lhe fora entregue em mãos apenas 15 minutos antes da reuniãoAmbrose Evans-Pritchard explica por que essa proposta não poderia jamais ser sequer considerada pelos gregos:

O texto do Eurogrupo dizia: as autoridades gregas indicaram que têm intenção de concluir com sucesso o programa que leva em conta os planos do novo governoUma cópia vazada mostra essas palavras rasuradas pelo ministro Varoufakis, que cobriu a lauda de papel com anotações furiosas.

Parte da disputa parece semântica, mas tem implicações políticas. Os gregos querem novo arranjo, mas novo arranjo terá de ser aprovado pelos parlamentos de Alemanha, Holanda, Finlândia e Eslováquia, onde a paciência com a Grécia já se exauriu. O Eurogrupo fala de “extensão” do programa, que não tem de ser apreciada e votada nos parlamentos.

Mas as diferenças são mais profundas. O texto dizia que os gregos têm de manter-se alinhados com “a política fiscal, as privatizações, as reformas do mercado de trabalho, setor financeiro e aposentadorias”. Dizia que a Grécia teria de manter os “superávits fiscais” impostos pela Troika, o que significa que Atenas teria de aumentar o superávit primário no orçamento, de 1,5% do PIB em 2014, para 3% esse ano, e 4,5% no próximo ano.

Para dar aos números algum contexto, Dean Baker anota que superávit primário de 4% para os EUA, equivaleria a US$ 720 bilhões.

Verdade é que o Eurogrupo ofereceu, sim, alguns ossinhos aos gregos. Ambrose Evans-Pritchard, outra vez:

Fato é que o texto do Eurogrupo, sim, dizia que os credores considerariam “favoravelmente” um pedido de prorrogação técnica do resgate grego, dizendo até que Atenas poderia conseguir uma reserva de € 11 bilhões para recapitalização dos bancos.

O fígado trabalha mal. Administre a segunda dose!
Swedish Lex explica, por e-mail, quem está pilotando esse trem:

Até que se prove o contrário, creio firmemente que Dijsselbloem faz exatamente o que Berlim o manda fazer.

Superar o atual impasse com concessão como a que se vê no papel de Moscovici significaria mudar o modo como o negócio foi conduzido desde o início da crise. E Merkel não gosta de mudar.

Os funcionários alemães sempre disseram, desde o começo, que são os mais europeus de todos e que estão 100% comprometidos com o projeto. Mas só sob as condições deles mesmos. Os demais terão de ceder. Não são de nuanças. Espero que os funcionários dos EUA saibam disso.

Porque a Tuitosfera estava obcecada com Varoufakis, com as acusações que fazia, que havia sido enganado, se era válido ou não, praticamente todos deixaram passar sem considerar uma questão muito mais grave: os termos do memorando da semana passada eram mais favoráveis à Grécia que os dessa semana. Significa que os dois lados, que nunca deram sinais de qualquer boa-vontade um em relação ao outro, estão andando para separação ainda maior.

Por exemplo, o documento da semana passada estava no nível 50 pés [orig. 50,00 footlevel (??)], com a Grécia comprometendo-se a cumprir suas obrigações financeiras, mas sem menção à questão do superávit primário. Virtualmente todos os comentaristas assumiram que haveria concessão nesse ponto, com os alemães e dos países do bloco do norte aceitando chegar aos 3%, talvez menos. Assim também, essa versão escamoteava a questão mais controversa, a das reformas estruturais, com o Eurogrupo a exigir que a Grécia se mantivesse aderida ao programa acordado, e a Grécia querendo cancelar as privatizações de liquidação-total, e gastar mais em programas sociais e para reduzir o desemprego. A versão dessa semana deixou claro que a Grécia não ganhará nenhum alívio naquele front.

Yanis Varoufakis
A recapitulação que abaixo se lê (agradecimentos a Swedish Lex) é consistente com o que Varoufakis disse na conferência de imprensa:

Tuíto traduzido a seguir:


Euclides Tsakalotos
16 min – Editado

Sobre o #Eurogroup essa noite, 16 de fevereiro de 15

Como vocês já ouviram, as coisas não foram bem. Houve um compromisso de acordo acertado por Draghi, Lagardère e Moscovici. Mas foi afundado por Sjisselbloem, presumivelmente por pressão alemã. Na reunião do Eurogrupo e subsequente conferência de imprensa, Lagardère ou Moscovici pouco ajudaram.

Eles dizem => completem o programa existente com alguma flexibilidade na implementação de nossa parte. Mas nunca nos dizem o que implica essa ‘flexibilidade deles’. Ao contrário, dizem => assinem primeiro e depois discutiremos com vocês áreas de flexibilidade.

Nós dizemos => deem-nos um programa-ponte. E dissemos dos nossos compromissos, não só durante o período-ponte, mas também para os elementos essenciais do nosso acerto de longo prazo com nossos parceiros.

Fizemos o nosso melhor para alcançar um compromisso razoável. Só encontramos pela frente poder e chantagem nus [fim do tuíto]

Grécia e a União Europeia
Assim sendo, de onde saiu o descabido otimismo de que se chegaria a algum acordo? Vejam por exemplo o que dizia o Financial Times perto do meio-dia na Europa [só para assinantes – a noonish-in-Europe update at the Financial Times:

Os mercados financeiros europeus não deram grande importância ao rompimento das conversações entre o governo grego e seus credores na eurozona, que aumentou a probabilidade de o país perder apoio financeiro da UE no final da próxima semana (...)

Além da Grécia, contudo, houve silêncio, com analistas manifestando algum otimismo de que o governo grego encontrará um modo de entender-se com os credores internacionais.

Talvez assumam, à moda Máfia, que a Grécia acabará por render-se ao show de violência dos alemães. Mas a coligação Syriza no momento goza sua situação privilegiada de teatro lotado: os índices de aprovação estão em 81%. Que outras razões há para esperanças tão risonhas?

Primeiro, é típico de negociações, sobretudo quando feitas sob os olhos da imprensa-empresa, manter as aparências de que estão ganhando impulso rumo ao acordo, até que as negociações fracassem completamente. Recordemos que nosso leitor Jim Haygood teve de ir até 1991 para encontrar um exemplo de conversações nas quais uma das partes disse em conferência de imprensa, depois da última rodada de conversas, que a conferência fracassara. Exemplo recente de mensagem insistentemente repetida ao arrepio da realidade foram as negociações da Parceria Trans-Pacífico ano passado, quando o governo Obama continuava a repetir que, não, na verdade todos os países assinariam o acordo ao final do ano, mesmo quando já se sabia que a verdade era bem outra, graças a vazamentos que mostravam forte oposição aos EUA, na linguagem de itens críticos do acordo.

Em segundo lugar, há mais um traço nessas negociações, que chamamos reflexividade negativa [orig. negative reflexivity]. Lembrem dessa sessão de um interessante postado em FT Alpahville do economista e ex-funcionário do FMI, Peter Doyle:

Por outro lado, em virada inacreditável das práticas que se viam durante a crise financeira global – quando os bancos centrais faziam de tudo para esconder as instituições que recebiam sua ajuda de emergência, por medo de reforçar sinais adversos e aprofundar a crise – o Banco Central Europeu (BCE) não se cansou de repetir, ufano, o quanto (muito) os bancos gregos precisavam de sua ajuda. E ameaçou abertamente que retiraria qualquer ajuda. Assim, o BCE ameaçou declaradamente que podia fazer voar pelos ares o sistema bancário grego, para fazer funcionar o Euro. Walter Bagehot, pai, no século XIX, dos emprestadores de último recurso, ficaria completamente desentendido.

Por outro lado, a [coligação] Syriza não gostaria de coisa alguma mais do que de ver crescerem as implicações sobre a dívida soberana de Espanha, Portugal ou Itália relativas ao pulo da Alemanha, sinalizando mais ampla inquietação nos mercados — que a saída da Grécia da Eurozona (ing. Grexit)pode ser iminente, e pode desestabilizar muito gravemente a já atormentada Eurozona – o que forçaria o Banco Central Europeu a ceder. 

Assim, a coligação Syriza, associada ao partido Podemos na Espanha e a forças políticas anti-euro na Itália, está abertamente ameaçando fazer voar pelos ares o próprio regime de câmbio, o euro, para fazê-lo funcionar. Os muitos pais da credibilidade do regime de câmbio ficariam tão completamente desentendidos quanto Bagehot.


O que significa isso em termos práticos? Qualquer sinal de contágio do mercado de ações trabalhará a favor das mãos que Syriza está jogando. Um dos pressupostos chaves da Alemanha, que os funcionários alemães declararam explicitamente, é que entendem que a Grécia já não representa qualquer risco de contágio. Em estrito sentido financeiro, podem até estar corretos no curto prazo, mas muitos observadores, incluindo os de Obama e do Tesouro dos EUA, creem que um país que saia da eurozona pode abrir o caminho para outros, e pode haver eventual debandada.

Mas a importância de conter o risco de contágio e de impedir que Yanis Varoufakis continue a repetir e repetir a mensagem de que a “austeridade” [de fato, se trata de arrocho (NTs)] é armadilha mortal para todos os países periféricos faz subir a ameaça e força os funcionários da Troika a nunca parar de repetir aos seus contatos, sobretudo no ramo dos serviços financeiros, que a Grécia será posta de joelhos, acreditem nisso ou não.

É o que meus contatos que acompanham o sobe e desce dos humores do Tesouro confirmam indiretamente. O Tesouro estava convencido de que os alemães seriam razoáveis e moderados nas exigências. Quando se soube dos fatos, haviam feito o oposto. Se os alemães não sentem nenhuma obrigação de manter-se fieis à verdade com o governo dos EUA, [1] muito menos haverá qualquer obrigação de dizer a verdade a meros contatos no setor privado.

Peter Spiegel do Financial Times – apesar da “barriga” gigante que cometeu na 2ª-feira (16/2/2015), pelo Twitter, onde sugeriu que o memorando de Moscovici nunca existira – tem sido dos mais acurados leitores de folhas de chá sobre os eventos em andamento em Bruxelas. Suas avaliações do fim-de-semana, quer dizer, antes do rompimento de 2ª-feira, eram de que caiam as probabilidades de extensão do “resgate” (mesmo que maquiada) e que a fonte mais provável de alívio financeiro para a Grécia era o FMI.

As atualizações do blog ao vivo do The Guardian tendem ao otimismo, com o francês (até agora sem qualquer serventia) dizendo que as diferenças são realmente semânticas, e os gregos dizendo que um acordo é possível. Mas Sky News noticia que George Osborne perguntara o que a Grécia faria se não houvesse acordo.

Mas há sinais em outros fronts, muito menos encorajadores. Por exemplo, o Ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble participou de conferência de imprensa e confirmou ali que a Alemanha não tem qualquer interesse em facilitar as coisas para a Grécia:

Minha conclusão depois da conferência de imprensa de Schäuble: a Alemanha não vai mover-se uma polegada e já disse adeus à Grécia, como membro da zona do euro

MARATONA GREGA
Na mesma direção, Rob Parenteau enviou matéria de Ekathimerini, de Jan Kregel, intitulada “Banco Central Europeu pode vetar nomeações para bancos”:

O Banco Central Europeu (BCE) enviou tenso aviso aos bancos gregos, especialmente ao governo de Atenas, via seu Single Supervisory Mechanism (SSM), sobre planos para alterar a administração bancária. Em carta aos bancos gregos, o SSM destacou que qualquer mudança na administração nos bancos só poderá ser implementada depois de aprovada pelo SSM.

A carta enfatizou que todos os candidatos para os altos postos da administração de cada banco têm de passar por sabatina, sem a qual não obterá aprovação pelo SSM do Banco Central Europeu.

A carta chegou aos bancos horas antes de uma reunião de diretoria marcada no Banco Nacional, na qual se esperava que fossem discutidos os novos nomes para a alta administração. Afinal, a reunião não aconteceu, mas fontes no Banco Nacional atribuem o adiamento mais a motivos técnicos, que à carta.

Outras fontes contudo dizem que foi a insistência do governo em avançar nas mudanças do Nacional – apesar de não ter competência para fazê-lo, segundo as regras de recapitalização e a atual estrutura acionária do banco – que provocou a carta do Banco Central Europeu.

Um dos nomes cotados para comandar o Nacional é a ex-Ministra da Economia Louka Katseli, com Giorgos Michelis como principal executivo. Consta que o Banco Central Europeu teria objeções ao nome da ex-Ministra Katseli.

Esse incidente sugere que está em curso outra luta, mais básica, e que não aparece diretamente refletida nas conversações entre a Grécia e a Troika. O governo grego e seus credores parecem ter ideias fundamentalmente diferentes sobre quais são os poderes da Grécia. Com efeito, a posição dos vários credores é de que a Grécia “vendeu” parte significativa, se não toda, a soberania grega, em troca do dinheiro do resgate. E os credores montaram um sistema para pagamento da dívida, pelo qual a Grécia não pode jamais livrar-se dos compromissos assumidos.

A Grécia e a Troika
Dito de outro modo, a Grécia foi reduzida a objeto de autoridades de vários níveis da Eurozona, muitas das quais absolutamente infiscalizáveis e das quais nada se pode exigir [orig. unaccountable], sem ter qualquer vantagem por ser membro de uma real federação, a mais importante das quais é receber transferências fiscais.

A Grécia, por seu lado, assume a ideia de que ainda é estado e tem direitos que não lhe podem ser tirados.

Se essa é a natureza profunda, subjacente, do desacordo, e as dificuldades da negociação apenas sintoma, não há muito razão para esperar qualquer acordo, exceto se a coligação Syriza capitular. A Grécia está efetivamente exigindo mudança no nível constitucional “subjacente” – no plano em que vários termos impostos para os acordos de “resgate” que os outros estados da periferia tratam como cogentes e irrevogáveis. Mudanças em ordens constitucionais são, no mínimo, confusas; em geral só acontecem mediante golpes de Estado ou guerras.

Assim sendo, o que acontecerá se a Grécia não se render? Discutiremos em futuros postados, mas a fórmula mais resumida é que a Grécia atravessará o 28 de fevereiro/2015 sem resgate. Apesar do tranco que o BCE aplicou ao governo grego há duas semanas, nem o muito pessimista Ambrose Evans-Pritchard deixou de acreditar que o BCE não lançará mão do socorro da ELA e deixará quebrar todo o sistema bancário grego. Seria movimento amplo demais para corpo não eleito. Mas podem, sim, escalar a pressão sobre os bancos gregos, impondo condições para a assistência emergencial ELA na próxima reunião dessa 4ª-feira (18/2/2015). É preciso reunir 2/3 dos votos do comando do BCE, que é rotativo e que, nessa próxima sessão terá mesa particularmente hostil à Grécia.

Quer dizer que se a Grécia ainda obtiver a ajuda emergencial ELA, mas não obtiver extensão do programa atual, ficará sem dinheiro, se não houver novo resgate ou redução na dívida. É calote. Evans-Pritchard delineia os parâmetros:

A Grécia tem de pagar €22,5 bilhões esse ano, começando com €4 bilhões devidos ao FMI ao longo das próximas seis semanas. O aperto chegará em junho, julho e agosto, quanto tem de pagar €11,4 bilhões, quase tudo ao Banco Central Europeu.

Quanto mais tempo a Grécia conseguir manter-se na luta, mais pode usar o acesso à mídia e, principalmente, o recente status de celebridade que cerca Varoufakis, para convocar partidos anti-arrocho [orig. anti-austerity] para que pressionem seus respectivos governos. Já dissemos praticamente desde o primeiro dia, que a Grécia jamais conseguirá vencer sozinha essa luta, que precisa do apoio de aliados que consigam pressionar a Troika para que assuma linha de conduta mais justa e mais sustentável.

Merkel e o Grexit
O que pode mudar alguma coisa entre hoje (18/2/2015) e a 6ª-feira (20/2/2015)? O BCE pode impor condições imundas para obrigar Syriza a cair de joelhos. Mr. Mercado pode, em teoria, aplicar pressão, o que parece altamente improvável, a menos que os EUA estivessem muito pouco caracteristicamente interessados em assumir o risco. E os EUA poderiam pressionar muitíssimo a Alemanha. Sabendo-se que é bem, bem pouco provável que a Grécia obtenha qualquer ajuda da Rússia em futuro próximo, a Alemanha parece perfeitamente interessada em converter a Grécia em estado falido, para marcar um ponto.

Na verdade, seria perfeito resultado para desencorajar os demais. Significaria também que à Alemanha pouco importa no que dê tudo isso, com Grexit ou sem Grexit (o que, como também discutiremos, é menos provável do que muitos observadores pressupõem, por razões de lei e uma tonelada de razões bem práticas), desde que a Grécia apareça em situação visivelmente pior depois de ter desafiado insistentemente a Troika.

Mas um estado falido cria as circunstâncias perfeita para que a Rússia se intrometa.

Primeiro, a Turquia, aliado mais importante do que seria a Grécia, e que ficaria terrivelmente infeliz se a Rússia se pusesse aos afagos com a Grécia, poderia sentir diferentemente se a Rússia conseguisse estabilizar um vizinho, ali, caindo aos pedaços.

Segundo, seria muito, muito mais barato ajudar a Grécia pós-calote, que agora, e adiante, quase com certeza, os preços do petróleo já terão subido bem, o que tornará menor também o custo relativo.

Terceiro, a Rússia pode apresentar-se num papel humanitário legitimamente construtivo, depois que a Eurozona, com a cumplicidade dos EUA, deixaram crescer e crescer tal crise, com tais dimensões.

Obama e o Tesouro deveriam estar preocupados com esses riscos, mas as ações dessa dupla até agora não chegaram sequer próximas do que é necessário para forçar os alemães a abandonar a posição vingancista, intolerante, em que se encastelaram.

Ah! Nesse momento [ontem, 17/2/2015], #Grexit está em segundo lugar nas Trends do Twitter.




Nota da autora

[1] Dado que a imprensa alemã noticiou que o novo documento fora apresentado a Djisselbloem 15 minutos antes da reunião do Eurogroup, parece ter sido apresentado como um gambito, para pressionar Varoufakis, com o documento apresentado a ele no último dia antes do fim do prazo para qualquer acordo. Os alemães podem estar preocupados com a possibilidade de o Tesouro também estar em comunicação com os gregos, e deixaram claro que favoreciam a posição grega. Os alemães podem ter sentido a necessidade de enganar os EUA de que o jogo que urdiram estaria funcionando.
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[*] Yves Smith passou mais de 25 anos na indústria de serviços financeiros e atualmente dirige Aurora Advisors, uma empresa de consultoria sediada em New York, especializada em consultoria de finanças corporativas e serviços financeiros. Sua experiência inclui trabalho na Goldman Sachs (em finanças corporativas), McKinsey & Co. e Sumitomo Bank (como chefe de fusões e aquisições). Yves já escreveu para várias publicações nos EUA e na Austrália, incluindo The New York Times, The Christian Science Monitor, Slate, The Review Conference Board, Institutional Investor, The Daily Deal e da Australian Financial Review. É graduada no Harvard College e Harvard Business School. Anima o blog Naked Capitalism desde 2006.

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