Segunda, 13 Setembro 2010 02:18
Esquerda - Embora o desenvolvimento da China tenha retirado milhões da pobreza, os custos, como a degradação ambiental, são elevados, diz Noam Chomsky nesta entrevista ao Southern Metropolitan Daily.
A 13 de Agosto, Noam Chomsky fez um discurso na Universidade de Pequim. Chomsky, um dos intelectuais mais influentes do nosso tempo, é célebre pelo seu ativismo político e pelas suas contribuições linguísticas e filosóficas. A palestra, intitulada Contours of World Order: Continuities and Changes (Contornos da Ordem Mundial: continuidades e mudanças), versou principalmente sobre as duas principais ameaças que a humanidade enfrenta: guerras nucleares e degradação ambiental.
Embora Chomsky tenha voltado a colocar a tônica das suas críticas nos Estados Unidos, também expressou as suas opiniões sobre a China. Na opinião de Chomsky, os países emergentes, como a China e a Índia, ainda têm um longo caminho a percorrer para desafiar a América. Especialmente preocupante é o custo ambiental do modelo de desenvolvimento da China e os muitos problemas internos e sociais que o país tem de enfrentar. Esta semana, o Southern Metropolitan Daily publica uma entrevista com Chomsky. Um trecho da entrevista está traduzido abaixo.
A maioria dos chineses aceitou a globalização. Nas últimas três décadas, especialmente depois de a China ter aderido à Organização Mundial do Comércio (OMC), muitos chineses beneficiaram extraordinariamente. Mas parece que o senhor encara a globalização com maus olhos.
O sucesso econômico da China tem pouco a ver com a globalização. Está relacionado com o comércio e a exportação. A China tem se tornado um país orientado para a exportação. Ninguém, inclusive eu, se opõe às exportações. Mas isso não é globalização. De fato, a China tornou-se uma fábrica no sistema de produção do nordeste asiático. Olhando para o conjunto da região, constata-se que é muito dinâmico. O volume de exportações da China é enorme. Mas há algo que temos negligenciado. As exportações da China dependem muito das do Japão, da Coreia e dos EUA. Estes países fornecem à China componentes e tecnologias de ponta. A China está apenas a fazer a montagem e a rotular os produtos finais como "Made in China".
A China desenvolveu-se rapidamente por seguir políticas perspicazes. Mas, embora milhões de pessoas tenham sido retiradas da pobreza, os custos, tais como a degradação ambiental, são elevados. Estão simplesmente sendo adiados para a próxima geração. Os economistas não vão se preocupar com eles, mas estes são custos que alguém vai ter de pagar um dia. Podem ser os seus filhos ou netos. Isto não tem nada a ver com globalização nem com a OMC.
Pensa que a ascensão da China irá mudar a ordem mundial? A China irá desempenhar o papel que os E.U.A. estão agora desempenhando?
Não penso que isso vá acontecer, nem o desejo. Será realmente desejável ver a China com 800 bases militares no exterior, a invadir e a derrubar outros governos ou a cometer atos terroristas? Que é o que a América está fazendo agora. Penso que isso não irá, nem poderá, acontecer na China. Também não o desejo. A China já está a mudar o mundo. A China e a Índia, juntas, são responsáveis por quase metade da população mundial. Estão crescendo e se desenvolvendo. Mas comparativamente, a sua riqueza é apenas uma pequena parte da riqueza mundial. Estes dois países têm ainda longos caminhos a percorrer e enfrentam problemas internos muito graves, que espero que sejam gradualmente resolvidos. Não faz sentido comparar a sua influência global com as dos países ricos. Tenho a esperança de que venham a exercer alguma influência positiva no mundo, mas temos de estar atentos a isto.
A China deveria questionar-se sobre o papel que pretende assumir no mundo. Felizmente, a China não está assumindo o papel de agressor, com um grande orçamento militar, etc. Mas a China tem um papel a desempenhar. É um gigantesco consumidor de recursos, e existem prós e contras. Por exemplo, o Brasil se irá beneficiar economicamente se exportar para a China. Por outro lado, a sua economia também sofrerá danos. Para os países com grandes recursos, como o Brasil e o Peru, um dos problemas é a sua dependência das exportações de recursos primários, o que não é um bom modelo de desenvolvimento. Para alterarem o seu modo de desenvolvimento, têm de começar por resolver os seus problemas internos e transformarem-se em produtores, não apenas exportar produtos primários para outros países produtores.
O sucesso da China é um desafio para as democracias ocidentais?
Façamos uma comparação histórica. A ascensão dos Estados Unidos foi uma ameaça para a Grã-Bretanha democrática? Os Estados Unidos foram fundados com base no massacre de populações indígenas e no sistema escravagista. É desejável que a China assimile este modelo? É verdade que os EUA progrediram para um país democrático, poderoso em muitos aspectos, mas a sua democracia não evoluiu a partir deste modelo que ninguém de bom senso quereria imitar.
A China está se desenvolvendo, mas não há nenhuma evidência que prove que o seu desenvolvimento interno seja uma ameaça para o Ocidente. O que está desafiando os EUA não é o desenvolvimento da China, mas a sua independência. Esse é o verdadeiro desafio.
Pode dizer-se, pelas manchetes diárias dos jornais, que a política externa dos EUA se centra atualmente no Irã. O ano de 2010 é chamado "O Ano do Irã". O Irã é descrito como uma ameaça para a política externa dos EUA e para a ordem mundial. Os EUA impuseram sanções severas e unilaterais, mas a China não lhe seguiu o exemplo. A China nunca seguiu o exemplo dos EUA. Em vez disso, apoia as sanções da ONU, que são demasiado débeis para terem importância.
Poucos dias antes de deixar a China, a chefe do Departamento de Estado dos EUA advertiu a China de uma maneira muito interessante. Disse que a China tem de assumir as responsabilidades internacionais, ou seja, seguir as ordens EUA. São estas as responsabilidades internacionais da China.
Isto é o imperialismo típico: os outros países têm de agir de acordo com os nossos desejos. Se não, são irresponsáveis. Acho que os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês devem rir-se quando ouvem isto.
Mas essa é a lógica típica do imperialismo. De fato, o Irã constitui uma ameaça, porque não segue as instruções dos EUA. A China é uma ameaça maior, porque o fato de uma grande potência se recusar a obedecer a ordens constitui um grande problema. Este é o desafio que os EUA enfrentam.
Retirado de Global Voices
Tradução de Paula Coelho para o Esquerda.net
extraído do Diário da Liberdade
inspirado no Gilson Sampaio