quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Como os bancos romperam o contrato social?


por Michael Hudson

Não era previsível que os bancos fossem assim. Qual será o seu futuro – e qual deverá ser o papel financeiro dos governos?

A relação, inerentemente simbiótica, entre bancos e governos foi recentemente subvertida. Na época medieval, os banqueiros ricos emprestavam aos reis e aos príncipes, que eram os seus maiores clientes. Mas agora são os bancos que estão necessitados e dependentes dos governos para se aprovisionarem, como durante os resgates pós-2008, que os salvaram de uma falência causada pelos seus maus empréstimos ao setor privado e pelos jogos especulativos. Ainda assim, os bancos continuam a intimidar os governos – não por terem dinheiro em caixa, mas sob a ameaça de uma falência que arrastaria consigo toda a economia, caso não lhes seja dado um controle completo da política fiscal, dos gastos e do planejamento econômico público.

Este processo está mais avançado nos Estados Unidos. Joseph Stiglitz caracteriza a enorme transferência (levada a cabo pela administração Obama) de dinheiro e dívida pública para os bancos como uma “privatização dos ganhos e uma socialização das perdas. É uma parceria na qual um dos parceiros rouba o outro”. [1]

O Prof. Bill Black defende que os bancos se estão a tornar realidades de tipo criminal e a inovar no campo das fraudes ao controle. [2]

A alta finança corrompeu as agências de regulação, falsificou a contabilidade através de truques de “mark to model” (contabilidade com base em modelos financeiros, e não no preço de mercado) e financiou as campanhas dos seus apoiadores para desativar a fiscalização pública. O resultado foi deixar os bancos controlarem a forma como a economia distribui seus créditos e seus recursos.

Se algo há de positivo na atual crise da dívida, é que ela torna impossível a manutenção da presente situação e das suas tendências. Portanto, ela não é apenas uma oportunidade para reestruturar o setor bancário; tal reestruturação não é uma escolha, mas uma necessidade. A questão premente é a de saber quem controlará a economia: os governos ou o setor financeiro e os monopólios aos quais se aliaram?

Felizmente não será necessário reinventar a roda. Há mais de um século que o perfil de um sistema bancário industrial produtivo é bem conhecido. Mas os recentes lobbies bancários obtiveram um enorme sucesso em desviar as atenções das análises clássicas acerca de como construir um sistema fiscal e financeiro capaz de promover o crescimento econômico – através de controle público aos privilégios dos bancos.

Como os bancos romperam o contrato social ao promoverem os seus interesses particulares

Outrora, as atividades dos bancos eram conhecidas de todos. Os bancos recebiam depósitos e emprestavam-nos, pagando menos ao depositantes do que cobravam em juros por empréstimos de risco ou com pouca liquidez. O risco era suportado pelos banqueiros, e não pelos depositantes, nem pelo governo. Hoje em dia, trata-se cada vez mais de emprestar quantias irresponsáveis a especuladores que as usam para atividades comercias de curto prazo. As crises financeiras aprofundaram-se e começaram a afetar camadas mais amplas da população à medida que a pirâmide da dívida disparou e que a qualidade do crédito se afundou até à categoria tóxica do “empréstimo trapaceiro”.

O primeiro passo no sentido da atual dependência mútua entre a alta finança e os governos foi dado quando os bancos centrais começaram a funcionar como último recurso de crédito, de forma a mitigar as crises de liquidez que resultavam dos privilégios detidos pelos bancos em termos de criação de crédito. A seu tempo, os governos começaram também a assegurar os depósitos, por reconhecerem, no contexto de um crescente ímpeto da Revolução Industrial, a importância de mobilizar e transformar as poupanças em investimento de capital. Em troca deste apoio, os governos regularam os bancos como um serviço público.

Com o passar do tempo, os bancos procuraram sempre anular esta vigilância reguladora, ao ponto de descriminalizar a fraude. Patrocinando um ataque ideológico aos governos, acusaram as burocracias públicas de “distorcer” os mercados livres (entenda-se, mercados livres de comportamentos predatórios). Neste momento, o setor financeiro procura controlar o planejamento econômico.

O problema é que o tempo financeiro está estruturado a curto prazo e é frequentemente autodestrutivo. Na medida em que o produto do sistema bancário é dívida, o plano empresarial por ele orientado tende a ser predatório, com grandes custos para as economias. É por isso que são necessários pesos e contrapesos, bem como vigilância regulatória, para garantir a justeza dos negócios.

O desmantelamento das tentativas públicas de orientar os bancos no sentido da promoção do crescimento econômico (e não apenas no sentido de enriquecer os banqueiros) permitiu que se  transformassem-se em algo que ninguém previa. Os seus maiores clientes são outras instituições financeiras, seguradoras e imobiliárias – e não empresas industriais. A alavancagem da dívida por parte do setor imobiliário e dos monopólios, de especuladores de arbitragem cambial, hedge funds e corporate raiders inflaciona os preços dos ativos de crédito. O resultado desta criação de “riqueza contabilística” é a sobrecarga da economia real (produção e consumo) com dívida e impostos relacionados, aumentando o custo de vida e os custos empresariais numa proporção superior à diminuição dos custos de produção conseguidos pelo aumento da produtividade.

Desde 2008, os resgates públicos têm eliminado os maus empréstimos da contabilidade dos bancos, com elevadíssimos custos para os contribuintes – cerca de 13 trilhões de dólares nos Estados Unidos, e ainda mais, proporcionalmente, na Irlanda e nas economias que estão agora sujeitas à austeridade para pagar a desregulação do “mercado livre”. Os banqueiros têm a economia refém, ameaçando com um crash monetário caso deixem de ter injeções de liquidez, empréstimos dos bancos centrais quase a custo zero, hipotecas ou outras garantias necessárias aos seus jogos de cassino. A política que daí resulta torna os governos demasiado fracos para retrucar.

O processo que começou com o apoio por parte dos bancos centrais tornou-se assim numa estrutura de amplas garantias governamentais contra a insolvência dos bancos. Os maiores bancos concederam tantos empréstimos irresponsáveis que estão neste momento completamente dependentes dos estados. No entanto, tornaram-se suficientemente poderosos para fazerem o poder legislativo agir apenas em seu benefício. A imprensa e mesmo alguns teóricos economistas foram mobilizados para se apresentarem como especialistas, numa tentativa de convencer a opinião pública de que a política financeira deve ser deixada nas mãos de burocratas – escolhidos pelos bancos, como se nenhuma política alternativa restasse aos governos senão subsidiar almoços grátis financeiros e coroar os banqueiros como monarcas da sociedade.

A Economia da Bolha e a sua consequente austeridade não teriam existido sem o sucesso obtido pelo setor financeiro no enfraquecimento da regulação pública e no aprisionamento dos tesouros nacionais, sucesso que se estende ao ponto de tornar inoperante a aplicação da lei. Os governos devem render-se a esta tomada do poder? Se não o fizerem, quem deverá suportar o peso das perdas acumuladas por um sistema financeiro que se tornou disfuncional? Se os contribuintes tiverem de pagar, a economia tornar-se-á dispendiosa e perderá competitividade – e a oligarquia financeira reinará.

O atual dilema da dívida

Dantes, o fim do jogo consistia em cancelar parcialmente (write down) as dívidas incobráveis. Isto significava perdas para os bancos e para os investidores. Mas hoje em dia, o montante da dívida geral está estabilizado – através da transferência das dívidas incobráveis da contabilidade dos bancos para uma dívida pública, que os contribuintes têm de pagar para salvar os bancos e os seus credores das perdas. Os governos dão aos bancos obrigações acabadas de cunhar ou crédito nos bancos centrais em troca de hipotecas tóxicas e apostas falhadas – tudo isto sem qualquer reestruturação do sistema financeiro no sentido de criar uma economia mais estável e menos conduzida pela dívida. A premissa é que estes resgates permitirão aos bancos voltar a emprestar o suficiente para permitir à economia voltar a crescer e pagar as suas dívidas.

Adivinhando o futuro, os banqueiros estão ficando com o máximo de dinheiro dos planos de resgate e a usá-lo para comprar rapidamente a maior quantidade de propriedades tangíveis e direitos de propriedade que podem, enquanto os seus lobistas mantêm abertas as torneiras dos subsídios públicos.

A ideia é de que as economias estranguladas pela dívida podem retomar o seu crescimento normal pedindo emprestado o suficiente para saírem da dívida. Mas um quarto do patrimônio imobiliário norte-americano é já capital líquido negativo – ou seja, vale menos que as hipotecas que lhe estão associadas – e o mercado das propriedades continua a encolher, e por isso os bancos não emprestam a menos que tenham garantias da Administração Federal que lhes garantam a cobertura de qualquer perda que possam sofrer. De qualquer forma, é já matematicamente impossível suportar o montante geral da dívida atual sem impor medidas de austeridade, conduzindo à deflação e à depressão.

Não era assim que se esperava que os bancos evoluíssem. Se os governos têm de garantir os empréstimos bancários, então também podem emprestar diretamente – e receber os juros.

Efetivamente, desde 2008 que o crash da economia superendividada levou os governos a se tornarem os maiores acionistas dos maiores e mais ameaçados bancos – Citybank nos Estados Unidos, o Banco da Irlanda e o Royal Bank of Scotland na Grã-Bretanha. E ainda assim, em vez de aproveitar a oportunidade para gerir estes bancos como serviços públicos e diminuir as taxas sobre os serviços dos cartões de crédito – e, sobretudo, parar de emprestar a especuladores – os governos deixam estes bancos ser parte de um “capitalismo de casino” que se tornou o seu plano empresarial.

Não há nenhuma razão natural para que as coisas sejam assim. As relações entre os bancos e os governos costumavam funcionar ao contrário. Em 1303, o rei Filipe IV de França (“O Justo”) deu o tom, ao confiscar os bens dos Templários, prendendo-os e matando muitos deles – não por crimes financeiros, mas acusando-os de adorar o diabo e de práticas sexuais satânicas. Em 1344, o banco Peruzzi faliu, seguido pelo Bardi, por fazer empréstimos sem garantias a Eduardo III de Inglaterra e a outros monarcas que morreram ou não pagaram. Muitos bancos desde aí tiveram que suportar perdas originadas por empréstimos imobiliários ou especulativos que nunca foram pagos.

De forma oposta, os atuais governos dos EUA, da Grã-Bretanha e da Letônia transferem as perdas dos bancos para os seus orçamentos nacionais, impondo uma pesada carga aos seus contribuintes – enquanto deixam os banqueiros ficar com a riqueza. Esta troca de “dinheiro por lixo” transformou a crise das hipotecas e o colapso geral da dívida num problema fiscal. Ao transferir as novas dívidas públicas de resgate para a economia não-financeira, arriscamo-nos a aumentar o custo de vida e os custos empresariais.

Este é o resultado da incapacidade da economia distinguir dívidas e empréstimos produtivos e improdutivos. Isto ajuda também a explicar porque é que as nações sofrem hoje em dia com a austeridade e a servidão da dívida, em vez de desfrutarem do aprazível crescimento econômico que os otimistas tecnológicos lhes prometiam há um século.

Voltamos assim ao problema inicial: qual deve ser o papel dos bancos? Esta questão foi exaustivamente discutida nos anos que antecederam a 1ª Guerra Mundial. Hoje em dia, reveste-se de uma ainda maior urgência.

Como os economistas clássicos procuraram modernizar os bancos para torná-los agentes do capitalismo industrial

A Grã-Bretanha foi o berço da Revolução Industrial, mas raros foram os empréstimos financeiros a longo prazo a serem investidos em fábricas ou outros meios de produção. Os bancos comerciais ingleses e holandeses tendiam a emprestar a curto-prazo e com base em contrapartidas, tais como mercadorias ou contratos de vendas de mercadorias (“recebíveis”). Estes financiamentos comerciais obtiveram um sucesso suficiente para permitir aos banqueiros manter as antigas práticas de financiamento a curto prazo durante a época da Revolução Industrial. Isto significa que James Watt e os outros inventores não tiveram outra alternativa senão angariar fundos de investimento junto da sua família e amigos, na impossibilidade de pedi-los emprestados aos bancos.

Foram os franceses e os alemães que levaram a banca para a fase industrial, de modo a permitir às suas nações igualarem o desenvolvimento das potências industriais. Em França, os saint-simonianos sublinhavam a necessidade de criar um sistema de crédito industrial destinado a financiar meios de produção. Com efeito, eles propuseram uma reestruturação dos bancos segundo princípios próximos dos do mutualismo. Esta reestruturação teve início com o Crédit Mobilier, fundado em 1852 pelos irmãos Péreire. O seu objetivo era fazer o banco passar do financiamento de dívida contra juros a empréstimos equitativos pelos quais receberia dividendos, dividendos esses que poderiam crescer ou diminuir de acordo com o sucesso do negócio do devedor. Dando margem aos empresários para diminuir os dividendos quando as vendas e os lucros diminuírem, os acordos de partilha de lucros evitavam o problema dos juros a serem pagos aconteça o que acontecer.

Se um pagamento de juros falha, o devedor pode ser forçado a declarar falência e os credores podem executar a dívida. Foi para evitar este benefício sistemático dos credores, independente da capacidade do devedor pagar a sua dívida, que Mohammed proibiu a usura na lei islâmica.

Atraindo para a sua causa reformadores de vários campos político-sociais, desde socialistas a banqueiros de investimento, os saint-simonianos conseguiram o apoio do governo durante o 2º Império francês. A sua abordagem inspirou tanto Marx como os industrialistas alemães e os protecionistas americanos e ingleses. O denominador comum a este vasto leque era o reconhecimento da necessidade de um sistema bancário eficiente para financiar a indústria da qual dependiam o estado e o poder militar.

A Alemanha desenvolve um sistema bancário industrial

Foi na Alemanha que o financiamento a longo prazo encontrou a sua máxima expressão, com o Reichsbank e os outros bancos industriais, que formavam, juntamente com a indústria e o governo, a “santa trindade” do “socialismo de estado” de Bismarck. Os bancos alemães fizeram o que tinham de fazer de forma extremamente virtuosa. Enquanto os bancos britânicos “extraiam a maior parte dos seus fundos dos depósitos”, e os dirigiam para o financiamento comercial, o que obrigava as empresas domésticas a financiar os novos investimentos com os seus próprios ganhos, na Alemanha “a falta de capital forçou a indústria a recorrer aos bancos”, como nota o historiador George Edwards. “Uma parte considerável dos fundos da banca alemã veio não dos depósitos dos seus clientes, mas de capital subscrito pelos proprietários”. [3] Consequentemente, os bancos alemães “privilegiaram operações de investimento e foram criados não tanto para receber depósitos e garantir empréstimos, mas, sobretudo, para suprir as necessidades de financiamento da indústria”.

Quando eclodiu a Grande Guerra, em 1914, as rápidas vitórias alemãs foram vistas como reflexo da superioridade do seu sistema financeiro. Para alguns observadores, a guerra era essencialmente um conflito entre diferentes formas de organização financeira. O seu resultado definiria não apenas quem iria governar a Europa, mas também o tipo de economia (mais estatal-socialista ou mais laissez faire ) que predominaria no continente.

Em 1915, pouco depois do início das hostilidades, o padre e político socialista cristão Friedrich Naumann publicou Mitteleuropa, uma obra onde descreve a forma como a Alemanha tinha compreendido melhor que nenhuma outra nação que a tecnologia industrial necessitava de financiamento a longo prazo e de apoio governamental. O seu livro inspirou em Inglaterra o Prof. H. S. Foxwell, que expôs os seus argumentos em dois ensaios notáveis publicados no Economic Journal em Setembro e Dezembro de 1917: “A Natureza da Luta Industrial” e “O Financiamento da Indústria e do Comércio”. Ele apoiava a alegação de Naumman segundo a qual “o antigo capitalismo individualista, segundo ele, de tipo inglês, está cedendo face a uma nova forma, de grupo, mais impessoal: o capitalismo disciplinado e científico, que ele reclama como sendo um produto alemão”. Tal empreendimento era necessariamente um feito de grupo, conseguido pela integração tripartida do sistema bancário, da indústria e do governo, com a finança como “indubitável causa principal do sucesso da empresa alemã moderna”, conclui Foxwell. (p.514). Os funcionários dos bancos alemães incluíam especialistas industriais que estavam transformando a política industrial em ciência. E, na América, The Engineers and the Price System (1921) de Thorstein Veblen, foi a voz da nova filosofia industrial, pedindo aos bancos e aos governos que se tornassem os engenheiros dos mercados de crédito.

Foxwell alertava para o fato de a indústria pesada britânica estar se tornando obsoleta devido, sobretudo, à incapacidade dos seus banqueiros compreenderem a necessidade de promover o investimento e de aumentar o crédito a longo prazo. Eles baseavam as suas decisões de empréstimo, não na nova produção e no lucro que tal empréstimo poderia vir a criar, mas simplesmente nas contrapartidas que poderiam executar em caso de não pagamento: inventários de bens não comercializados, propriedade imobiliária e dinheiro a receber de clientes. E em vez de investirem nas ações das empresas que os seus empréstimos supostamente ajudariam a construir, distribuíam a maioria dos seus ganhos sob a forma de dividendos – e incentivavam os seus clientes a fazer o mesmo. Esta visão de curto prazo forçou as empresas a se concentrarem na manutenção da liquidez, retirando-lhes margem de manobra para desenvolver uma estratégia de longo prazo.

Em contraste, os bancos alemães distribuíam (e esperavam receber dos seus clientes) dividendos a uma taxa 50% inferior à dos bancos britânicos, preferindo reter os seus lucros como reserva de capital ou investi-los nas ações dos seus clientes industriais. Olhando para estas empresas como aliadas e não como meros clientes, dos quais se procura extrair o máximo de lucro no mínimo período de tempo possível. Os responsáveis pelos bancos alemães tinham assento nos seus conselhos de administração e ajudavam-nas a expandir os seus negócios, emprestando dinheiro a governos estrangeiros sob condição de os seus clientes serem preferidos quando da adjudicação de grandes investimentos públicos. Vendo que as leis da História beneficiavam o planejamento nacional do financiamento da indústria pesada, a Alemanha deu aos seus banqueiros voz diplomática, fazendo deles “o principal instrumento da expansão do seu comércio exterior e do seu poder político”.

Um contraste semelhante é visível no mercado de ações. Os corretores britânicos estavam tão mal preparados para as tarefas de financiamento da manufatura como os seus bancos.

O país tinha liderado desde cedo neste campo, graças à criação de Companhias da Coroa, como a Companhia das Índias Orientais, o Banco de Inglaterra e mesmo a Companhia dos Mares do Sul. Apesar do colapso da Bolha dos Mares do Sul, em 1720, a constante valorização das ações destes monopólios de capital livre entre 1715 e 1720 popularizou a Bolsa de Londres como local de investimento aos olhos, não apenas dos investidores britânicos, mas também dos Holandeses e de outros estrangeiros. No entanto, o mercado era dominado pelas ferrovias, canais e outras grandes infraestruturas públicas. As empresas industriais não eram grandes emissoras de ações.

De qualquer forma, após ganharem a sua comissão sobre uma determinada emissão de ações, os corretores britânicos eram conhecidos por passarem a outra, sem se preocuparem demasiado com o futuro dos investidores que tinham comprado os primeiros títulos. “Assim que conseguiu conspirar para que a sua emissão fosse cotada a uma taxa superior, permitindo aos seus subscritores retirarem os seus lucros”, queixa-se Foxwell, “dá a sua tarefa por terminada. “Para ele”, como diz o Times, uma flutuação bem conseguida é mais importante que um empreendimento economicamente sólido".

Algo de muito semelhante acontecia nos Estados Unidos. Os seus ídolos comerciais eram negociantes individualistas e bem informados politicamente, que agiam frequentemente no limite da lei e forjaram as suas fortunas através de manipulações da bolsa de valores, de manobras políticas tendentes a obter terrenos de ferrovias, de companhias de seguros, minas e extração de recursos naturais.

O espírito americano da busca do bem-estar é personificado pelo método de invenção por tentativa e erro de Thomas Edison, quando conjugado com o elevado grau de contencioso envolvido na obtenção das suas patentes e direitos de monopólio.

Em suma, os bancos e bolsas de valores britânicos e americanos não fizeram planos para o futuro. Tinham uma visão de curto prazo e preferiram projetos implicando uma elevada extração de recursos à inovação industrial.

A maioria dos bancos preferiu emprestar ao setor imobiliário, às ferrovias e às obras públicas, cujos fluxos de rendimento podiam ser previstos com mais certeza. As empresas industriais tiveram de esperar até que se tornassem suficientemente grandes para puderem obter créditos bancários ou invesimentos de Bolsa significativos.

O que é incrível é que tenha sido precisamente este modelo de sistema bancário e alta finança que triunfou pouco a pouco por todo o mundo. A explicação é antes de mais a vitória militar dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e dos seus Aliados na 1ª Grande Guerra e, uma geração mais tarde, na 2ª Guerra Mundial.

O regresso às dívidas pesadas e improdutivas do pós-1ª Guerra Mundial

O desenvolvimento do crédito industrial levou os economistas a distinguir entre empréstimos produtivos e improdutivos. Um empréstimo produtivo fornece, aos que dele beneficiam, os recursos para investir com um lucro suficiente ao pagamento do empréstimo e do juro associado. Um empréstimo improdutivo tem de ser pago com um rendimento ganho de outra forma. Por exemplo, os governos têm de pagar os empréstimos de guerra com o rendimento dos impostos. Os consumidores têm de pagar os seus empréstimos com o seu salário – ou vendendo ativos. Estes pagamentos de dívida desviam o rendimento do consumo e do investimento, e levam a uma contração da economia, que tradicionalmente leva a crises que anulam as dívidas, e antes de mais as improdutivas.

No seguimento da 1ª Guerra Mundial, tanto as economias das nações europeias vitoriosas como as das vencidas, eram dominadas por dívidas de guerra. Estas dívidas intergovernamentais dirigiam-se ao pagamento de armas (é o caso dos Aliados, a quem os Estados Unidos exigiram inesperadamente pagamento pelas armas compradas antes de os EUA entrarem na guerra) ou a compensar destruição de propriedade (caso dos países da Tríplice Aliança), mas não gerando novos meios de produção. O fato de serem intergovernamentais tornava estas dívidas ainda mais problemáticas que as dívidas contraídas junto dos bancos ou obrigacionistas. Apesar da soberania dos governos lhes garantir o direito de anular as dívidas a credores privados, os países derrotados não estavam em posição de tomar tal atitude.

E, no que toca aos Aliados, a Grã-Bretanha liderou a capitulação face à tentativa americana de cobrar pelas armas vendidas, prisioneira da ideia de que “uma dívida é uma dívida” e deve ser paga independentemente do que isso implicar na prática ou sequer do fato de poder ou não ser efetivamente paga. Face à exigência americana de pagamento, os Aliados viraram-se para a Alemanha.

Depois de se apoderarem dos seus ativos líquidos e da maioria dos seus recursos naturais, insistiram para que obtivesse os pagamentos através de impostos. Nenhuma tentativa foi feita no sentido de calcular de que forma poderia a Alemanha fazê-lo – e, sobretudo, como poderia converter o seu rendimento doméstico (o “problema orçamentário”) em ouro ou moeda forte. Apesar do sistema bancário estar familiarizado com créditos internacionais e transferências de moeda desde o século XII, houve uma negação generalizada daquilo que John Maynard Keynes identificou como um problema de transferência de divisas.

Nunca antes tinham existido dívidas de tal magnitude. Porém, todos os partidos políticos e agências governamentais da Alemanha procuram encontrar formas de tributar a economia para angariar as somas exigidas. Porém, os impostos são pagos na moeda nacional. A única forma de pagar aos aliados era que o Reichsbank pegasse no rendimento fiscal e o colocasse nos mercados de divisas, de forma a obter as libras e as outras moedas necessárias ao pagamento, dinheiro esse que a Grã-Bretanha, a França e os outros credores usariam posteriormente para pagar a sua dívida ao seu aliado americano.

Adam Smith sublinhou que nunca nenhum governo pagou a sua dívida pública. Mas os credores sempre foram relutantes em admitir a incapacidade do devedor pagar. Desde que David Ricardo os defendeu nos Debates Britânicos sobre o Ouro, que os credores encontraram formas de promover um ângulo morto ideológico, segundo o qual toda e qualquer dívida pode ser paga, independentemente da sua magnitude. Eles recusam-se a aceitar a distinção entre angariar fundos internos (através de um superávit orçamentário) e obter as divisas estrangeiras necessárias ao pagamento da dívida externa. Além disso, e ignorando o fato evidente de os cortes no consumo e no investimento, causados pelas políticas de austeridade, serem apenas extrativos, os economistas que defendem os credores recusam-se a reconhecer que as dívidas não podem ser pagas através de uma contração da economia [4] . Ou que dívidas externas e outros pagamentos internacionais não podem ser feitos em moeda interna sem que a taxa de câmbio desça.

Quanto mais moeda a Alemanha tentava converter, mais a sua taxa de câmbio descia face ao dólar e às outras moedas de padrão-ouro. Isto levou os alemães a pagar muito mais pelas suas importações. Foi o colapso da taxa de câmbio que causou o aumento espetacular da inflação, e não um acréscimo da quantidade de divisas domésticas, como hoje defendem os economistas monetaristas, patrocinados pelos credores. Keynes chamou a atenção, em vão, para a estrutura específica da balança de pagamentos alemã, apelou aos credores para especificar qual a parcela das suas exportações que estavam dispostos a aceitar e para explicar de que forma as divisas domésticas poderiam ser convertidas no mercado, sem provocar colapso da taxa de câmbio e causar inflação.

Tragicamente, a visão limitada de Ricardo ganhou o favor dos governos Aliados. Bertil Ohlin e Jacques Rueff afirmaram que as economias que estavam recebendo pagamentos alemães iriam fazer refluir o dinheiro para a Alemanha e para os outros países devedores ao comprarem as suas exportações. Se os ajustamentos de rendimento não mantivessem as taxas de câmbio e os preços estáveis, a sua queda tornaria as exportações alemãs suficientemente atrativas para que gerassem rendimento suficiente para reembolsar a dívida.

E é esta mesma lógica que o FMI segue meio século mais tarde, quando que os países do Terceiro Mundo devem transferir os rendimentos estrangeiros e até permitir a fuga de capitais, ao mesmo tempo que pagam as suas dívidas externas. É a mesma orientação neoliberal que pede austeridade para a Grécia, a Irlanda, a Itália e outros países da eurozona.

Os lobistas dos bancos afirmam que o Banco Central Europeu se arrisca a incentivar a inflação dos preços e dos salários se fizer aquilo que os bancos centrais foram criados para fazer: financiar o déficit orçamentário. O monopólio desta tarefa eletrônica – e o de receber os juros que um verdadeiro banco central poderia simplesmente criar no teclado do seu computador – foi dado às instituições financeiras europeias.

Mas porque é que o financiamento dos déficits orçamentários por parte dos bancos comerciais cria menos inflação do que se for feito pelos bancos centrais? As práticas de empréstimos bancários que alimentaram desde 1980 uma bolha financeira global deixaram como herança uma dívida global que é hoje em dia tão insuportável como eram as dívidas alemãs em 1920. Será que o crédito governamental teria levado a uma tão descontrolada e irresponsável inflação dos ativos financeiros?

Como a criação de dívida acelerou a inflação dos ativos a partir dos anos 80

O sistema bancário não seguiu, nas décadas mais recentes, o desenvolvimento que os economistas de outrora previam. Como já referimos acima, em vez de financiar investimento tangível de modo a promover a produção e a inovação, a maior parte dos empréstimos é feita apenas com base em garantias, sendo os juros pagos a partir de lucros que provém de outras fontes que não a produção ou a inovação. Apesar de não ser “produtivo” no sentido clássico da palavra, era lucrativo para os devedores investirem o dinheiro dos empréstimos, não em atividade econômica produtiva, mas na crescente onda de inflação dos ativos financeiros que se gerou entre 1980 e 2008. O empréstimo sobre hipotecas teve como consequência a inflação dos ativos imobiliários, atraindo especuladores e novos compradores para o mercado na expectativa de que os preços continuassem a subir. Esta situação de constante crédito trouxe consigo um aumento do serviço da dívida, o que fez encolher as margens de crédito das indústrias de bens e de serviços.

A consequência normal desta situação seria uma diminuição dos valores das rendas, ao qual se seguiria uma diminuição do valor dos imóveis e consequentemente a inadimplência dos empréstimos. Mas os bancos adiaram o colapso através de uma estratégia de redução das exigências no ato de conceder os empréstimos, conseguindo assim uma nova vaga de crédito que alimentou a contínua inflação dos preços. Duas décadas de inflação do valor dos ativos permitiram aos especuladores, proprietários e investidores pedir empréstimos para pagar os juros vencidos e ainda assim obter uma margem de lucro.

Esta esperança de ganhos permanentes fez com que os investidores pagassem aos credores a totalidade do rendimento, fazendo assim com que os bancos se tornassem nos maiores beneficiários das rendas. Este processo de inflação dos preços através do crédito fácil e da diminuição das taxas de juro alimentava-se a si mesmo. Era também um processo autodestrutivo, pois o aumento do valor pelo qual uma renda imobiliária ou um rendimento empresarial pode ser convertido em capital a ser emprestado pelos bancos aumentou o peso da dívida na economia.

Os mercados de valores mobiliários também se tornaram parte desde problema. O aumento do valor das ações e das obrigações fez com que os fundos de pensão comprassem mais caro as garantias dos seus rendimentos, colocando em risco o modelo de fundos de pensão americano.

Também em perigo ficou a indústria, pois em vez de viabilizar soluções financeiras para as empresas, os mercados tornaram-se candidatos à aquisição dessas mesmas empresas em situação de endividamento. Os investidores pediam empréstimos para comprar dos acionistas endividados, sobrecarregando de dívidas as empresas.

Os mais bem sucedidos saqueadores deixavam atrás de si apenas carcaças de empresas falidas. Quando os credores investiram os ganhos econômicos deste processo para influenciar o poder político a sobrecarregar de impostos os salários e a industria, enquanto reduzia a sua própria carga fiscal; isto aumentou o custo de vida e o custo da atividade empresarial numa proporção superior à da diminuição dos preços pela evolução tecnológica.

A União Europeia rejeita a criação de moeda por parte do Banco Central, deixando o financiamento da dívida para os bancos privados

O artigo 123 do Tratado de Lisboa proíbe o Banco Central Europeu (BCE) ou qualquer outro banco central de emprestar dinheiro aos estados. Mas os bancos centrais foram criados precisamente com a função de financiar a dívida dos seus estados. A União Europeia conseguiu fazer retroceder a história em 300 anos, procedendo de uma forma idêntica à que era comum no tempo que antecedeu à criação do Banco de Inglaterra. Ao reservar a tarefa da criação de crédito exclusivamente ao sistema bancário comercial, deixou os governos sem um banco central que pudesse financiar as despesas públicas necessárias para impedir a depressão e o colapso financeiro generalizado.

No entanto, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Os partidários de uma moeda forte que ditam as políticas europeias assumiram que a dívida pública estaria sempre isenta de riscos. Obrigar os déficits públicos a serem financiados por credores privados parecia oferecer uma bela oportunidade: poder recolher juros através da criação eletrônica de crédito, algo que os governos podem, eles mesmos, fazer. Agora, os governos europeus necessitam de crédito para equilibrar os seus orçamentos sob pena de inadimplência da dívida. Face a esta situação, o sistema bancário privado quer que o banco central crie dinheiro para resgatar os maus empréstimos em que está atolado.

A situação é a seguinte: O Banco Central Europeu (BCE) empresta 489 bilhões, a um prazo de 3 anos e a 1% de juro ao sistema bancário privado para que este, por sua vez, compre títulos da dívida da Grécia ou de Espanha. Esta política de compra da dívida por parte do sistema privado nos “mercados”, depois conseguido o dinheiro emprestado junto do BCE a uma taxa de juro baixa é uma oportunidade de ouro para ter lucro fácil.

De que forma é que estas facilidades concedidas ao sistema bancário privado podem ser consideradas menos inflacionárias para a economia do que o financiamento da dívida diretamente pela ação do banco central? Será que o objetivo é apenas dar aos bancos uma oportunidade para obterem ganhos fáceis e para que retomem a economia de “bolha”, a mesma que nos trouxe à atual crise de sobre-endividamento?

Conclusão

Os governos podem gerar crédito nos seus computadores tão facilmente como o fazem os bancos comerciais. E, ao contrário dos bancos, é previsível que as suas despesas sirvam um propósito social e sejam definidas democraticamente. Quando os bancos comerciais se apoderam do controle da política econômico-financeira em detrimento dos governos e dos bancos centrais, eles tendem a defender a sua política lucrativa de criação de um crédito inflacionário dos ativos – deixando os custos para serem pagos pela austeridade pós-bolha. Isto torna o volume de dívida ainda mais difícil de pagar – na verdade, impossível.

Voltamos assim à questão de quão diferente é a criação pública de dinheiro para financiar os déficits orçamentários, da emissão, por parte dos governos, de obrigações a serem compradas pelos bancos. A última opção é apenas uma forma mais complicada de financiar os ditos déficits – com um custo desnecessário em juros. Quando os governos convertem os seus déficits orçamentários em dinheiro, não precisam pagar juros aos detentores das obrigações.

Já ouvi banqueiros argumentarem que os governos precisam de um corretor honesto para poder decidir se um determinado empréstimo ou despesa pública é responsável. Até agora, as suas opiniões não geraram crédito produtivo. Mas ainda assim procuram, agora, reparar os estragos da crise financeira convencendo os governos devedores a vender propriedade pública. Esta “solução” baseia-se no mito de que a gestão privada é mais eficiente e baixará os custos dos serviços infraestruturais básicos. No entanto, tal “solução” implica no pagamento de juros aos compradores dos direitos de extração de rendas, de salários mais altos aos executivos, da opção de compra de ações e de outras taxas financeiras.

A maioria dos ganhos é obtida pela utilização de trabalho não sindicalizado e acabam normalmente por ser devolvido aos compradores, aos seus banqueiros e aos detentores de obrigações, em vez de reverterem para o orçamento público. E os banqueiros promovem a desregulamentação dos preços, permitindo aos novos donos aumentar o custo do acesso a esse serviço. Isto torna a economia mais dispendiosa e consequentemente menos competitiva – precisamente o oposto daquilo que fora prometido.

O sistema bancário alterou-se de tal forma desde os tempos em que financiava o crescimento industrial e o desenvolvimento econômico que agora beneficia, sobretudo, um “despesismo” econômico predatório e extrativo, oposto àquele que se baseia em empréstimos produtivos. Este é o grande problema do nosso tempo. Os bancos emprestam hoje em dia, sobretudo, a outras instituições financeiras, a fundos de investimento, a raiders empresariais, companhias de seguros e imobiliárias, para além de especularem, eles próprios, no mercado das divisas, na arbitragem das taxas de juro e em estratégias comerciais dirigidas informaticamente.

As empresas comerciais evitam o setor bancário ao financiar novos investimentos de capital a partir dos seus próprios lucros e satisfazem as suas necessidades de liquidez emitindo diretamente o seu próprio crédito comercial. Mas, para que a economia de cassino continue a triunfar, os banqueiros querem agora não apenas que os governos os resgatem, mas que lhes permitam renovar seu plano de empresarial “furado” – e que mantenham as dívidas atuais para que os credores não sofram perdas.

Estas exigências significam que a sociedade deve ficar perdendo e ainda sofrer os efeitos da depressão econômica. Estamos lidando não apenas com ganância, mas com um comportamento claramente hostil e anti-social.

Assim, a Europa chegou a um momento fundamental, em que terá de decidir que interesses pôr em primeiro lugar: os dos bancos ou os da “economia real”. A História dá-nos variados exemplos que mostram os perigos de capitular face aos banqueiros, e também de como reestruturar os bancos num sentido mais produtivo. As questões seguintes são bastante claras:

  • Será que o papel histórico dos bancos está acabado ou podem eles ser reestruturados de forma a financiar investimentos produtivos em vez de se limitar a inflacionar os preços dos ativos financeiros?
  • Será que uma opção pública não resultaria num crédito melhor direcionado e menos dispendioso?
  • Porque não promover a recuperação da economia através de uma amortização das dívidas que seja o reflexo a capacidade de as pagar, em vez de abandonar cada vez mais riqueza nas mãos de credores cada vez mais agressivos?
Resolver os problemas financeiros da zona euro pode tornar-se mais fácil através das reformas fiscais defendidas pelos economistas clássicos como complemento às reformas financeiras. Estes defendem um aumento da carga fiscal sobre o imobiliário e sobre os lucros monopolistas e financeiros, de modo a livrar os consumidores e os assalariados de uma pesada taxação.

O princípio é o de que os direitos sobre a propriedade, os monopólios e outros privilégios do gênero não acarretam diretamente custos de produção, e assim podem ser taxados sem qualquer impacto na rareza ou no seu preço no mercado. A abolição das deduções fiscais de que os lucros gerados pelos juros beneficiam seria outra reforma chave necessária à resolução do problema.

Uma taxa sobre as rendas imobiliárias baixa o preço das casas e dos serviços básicos, cujos rendimentos tendem a ser capitalizados através de empréstimos bancários e pagos posteriormente sob a forma de juros. Ainda para mais, os rendimentos imobiliários e decorrentes dos recursos naturais são os mais fáceis de taxar (assim como os rendimentos decorrentes dos juros), pela simples razão de que são amplamente visíveis e de que o seu valor é fácil de determinar.

A pressão para encurtar os déficits orçamentários oferece uma oportunidade única para racionalizar o sistema fiscal da Grécia e dos restantes PIIGS, onde os ricos escapam ao pagamento de impostos.

O problema político que bloqueia uma política fiscal clássica é o de que esta interfere com os lucros fáceis que o sistema bancário procura capitalizar sob a forma de empréstimos. Assim, os bancos movem as suas influências para que o imobiliário e os monopólios existentes (e também o próprio sistema bancário) continuem isentos de impostos. Apesar de desejar a solvência dos estados, para que estes cumpram as obrigações da dívida, o setor financeiro pôs em marcha uma enorme operação de relações públicas, que se estende até aos economistas duvidosos da “academia”, para publicitar uma forte oposição às políticas que podem resolver as discrepâncias fiscais da forma mais justa.

É demasiado cedo para prever se serão os bancos ou os governos a sair vitoriosos da crise atual. Da mesma forma que a economia vem sendo dividida entre credores e devedores, também o poder de decisão tem mudado das mãos das mãos dos governos para as dos banqueiros.

A maneira mais fácil de manter esse poder é impedir a existência de um verdadeiro banco central e não deixar que os governos interfiram com monopólio bancário de criação de crédito. A resposta necessária seria que os bancos centrais e os governos agissem em conformidade com a sua função e promovessem uma forma pública de criação de crédito.

Notas
[1] Joseph E. Stiglitz, "Obama's Ersatz Capitalism", The New York Times, Abril 12009,  
[2] New Economic Perspectives, e The Best Way to Rob a Bank is to Own One (2005).
[3] George W. Edwards, The Evolution of Finance Capitalism (New York: 1938):68.
[4] Cf. a literatura da especialidade dos anos 1920's, o seu pedigree “Ricardiano” e a sua subsequente recuperação pelo FMI e por outras instituições de crédito em Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy (1992; new ed. ISLET 2010). O contexto político é tratado por mim em Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (New York: Holt, Rinehart and Winston, 1972; 2nd ed., London: Pluto Press, 2002)

O artigo original, em inglês, encontra-se em: How the Banks Broke the Social Compact, Promoting their Own Special Interests .
Esta tradução de MQO foi extraída de:Resistir.info”  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.